08 outubro 2006

Ainda a propósito dos linchamentos na periferia da cidade de Maputo


A propósito da minha entrada neste diário com o título "Uma análise dos linchamentos na cidade de Maputo", de 02/10/06, o leitor Wetela fez o seguinte comentário: "Num debate realizado pela Televisão de Moçambique falava-se da necessidade de se abordar o crime como um fenómeno social, levantaram-se questões antropológicas a tentar explicar a natureza dos crimes e dos seus praticantes...Um dos intervenientes, perito em matérias de crime, falou da necessidade de se apostar nos estudos criminológicos, ou da necessidade de se desenvolver essa área da sociologia do crime...Os linchamentos sob meu ponto de vista reflectem de uma forma latente as fraquezas do Estado na area do controle da segurança pública. O enfurecimento da população e o desespero traduzem-se em atitudes radicais como as que vemos nos bairros periféricos. Uma dúvida surge em mim... Será que este comportamento é característico das pessoas residentes em bairros periféricos da cidade? Pois não me lembro de ter ouvido situações de linchamento em plena cidade de Maputo. Sexta-feira, Outubro 06, 2006 12:23:23 PM".

O comentário de Wetela contém três tipos de questões:
(1) Os perfis criminais (eventualmente com um apelo aos estudos de tipo bio-antropológico);
(2) O papel do Estado na monitoria e no controlo das crispações sociais;
(3) A natureza específica dos linchamentos em bairros periféricos da cidade de Maputo.

Eu não investiguei o que realmente se passa nos bairros periféricos. Se tivesse de o fazer, pôr-me-ia as seguintes nove perguntas de partida para uma problemática possível de análise:

(1) Que fenómenos têm nos linchamentos o seu desaguadouro, a sua foz?
(2) Quais as características desses fenómenos?
(3) Por que razão os residentes (se residentes forem) adoptam o linchamento como solução?
(4) Qual o tamanho dos grupos linchadores (se grupos forem)?
(5) Qual o estatuto social dos linchadores?
(6) Por que razão os linchamentos são efectuados de noite?
(7) Por que razão são usados pneus incendiados com combustível?
(8) Por que razão os linchamentos não ocorrem em plena cidade de Maputo?
(9) Que meios tem a polícia, aí compreendida a comunitária, para fazer face a esse tipo de fenómenos?

A propósito dos estudos antropológicos (proposta surgida num programa de televisão segundo Wetela) e, eventualmente, bio-antropológicos (com incidência na natureza natural dos criminosos) e biodinâmicos (no sentido de que os homens são por natureza anti-sociais, como defendeu Freud um dia, e por isso é tudo uma questão de ter uma polícia forte que evite a a-socialização completa e coiba o lupus hominis que cada um de nós é suposto ser) e da eventual especificidade dos linchamentos (bairros periféricos), permito-me, rapidamente, recordar algumas coisas que neste diário já abordei.
Na história da sociologia, da psicologia e da psiquiatria, no recurso à frenologia, ao alienismo, etc., momentos houve em que as figuras do associal, do criminoso, do renitente, do louco, se constituíram como êmbolo de teorias destinadas a evacuar da sociedade o perigo da anomia.
O desenvolvimento dos hospícios, das prisões "panópticas", das casas de correcção, tão brilhantemente descritos por Michel Foucault, foram aplicações das teorias citadas.
E entre essas teorias não podemos deixar de colocar as de Lombroso, com a sua formulação do criminoso atávico, suposto reproduzir em si os instintos mais ferozes da humanidade.

Todas essas teorias, todos esses estudos, punham-se problemas a jusante da sociedade, raramente a montante. Porque, na realidade, dificilmente encontramos nos séculos XVIII e especialmente XIX perguntas do género:

(1) Que características sociais dão origem aos criminosos?
(2) Existem tipos de sociedades mais propícias do que outras ao surgimento do crime?

Se, entretanto, quisermos reflectir ao nível da cidade de Maputo, podemos colocar-nos perguntas como as seguintes:

(1) Por que razão os linchamentos inexistem antes dos anos 90?
(2) Existe alguma relação entre linchamentos e economia de mercado?

2 comentários:

Carlos Serra disse...

Creio que, quando ainda não investigámos algo, as melhores respostas provisórias são sempre as perguntas mais definitivas...Continuemos colectivamente esse saudável exercício para, pouco a pouco, criarmos uma visibilidade razoável. Abraço!

Carlos Serra disse...

Sim, por isso fui entrevistado pela STV.