Há alguns anos atrás, lutando contra uma cheia uma mulher moçambicana subiu a uma árvore e aí teve um filho. Uma equipa de socorro salvou ambos. Uma fotografia correu mundo, mãe e filho foram receberam depois apoio estatal.
Na mesma altura, um homem, algures neste país, também ele confrontado com a cheia, passou creio que duas noites em jangada (se a memória não me atraiçoa, construiu, até, uma segunda jangada) salvando pessoas, dezenas de pessoas. Mereceu algumas linhas na imprensa local, mas não correu mundo. Não teve nenhuma hipótese mediática de salvar pessoas empoleirado numa árvore.
Essas duas histórias chegaram à margem da minha memória quando reflectia, estirado na almadia do meu ócio, nos debates que tem havido no nosso país sobre heróis, sobre quem deve ser herói, sobre monumentos a heróis, etc.
Se, por destino dos bons deuses e dos bons espíritos, os que governam este país e os que esperam governá-lo, decidissem conjugadamente, com a alma dos irmãos gémeos, fazer um inquérito nacional para conhecerem as percepções populares sobre heróis, sobre quem são, sobre quem merece estátuas, talvez se surpreendessem com o nascimento de heróis que, por hipótese, teriam as seguintes dimensões hierarquicamente organizadas:
(1) Heróis familiares ou de parentela alargada
(2) Heróis locais, extra-familiares
(3) Heróis distritais
(4) Heróis ao nível de uma província, eventualmente de duas provínciais o máximo
(5) Heróis conhecidos em todo o país
Estatisticamente, os gestores da heroicidade talvez viessem a saber que quanto mais saímos do círculos familiar, local e distrital, mais difícil é conhecer os heróis que lhes são oficialmente propostos em dias festivos, na rádio, nos comícios, etc.
Se ao conhecimento dos heróis popularmente reconhecidos juntássemos o conhecimento sobre as suas características, talvez nos espantássemos ao verificar a variedade de critérios para estabelecer o perfil de heroicidade. Poderia até acontecer que tivéssemos por heróis espíritos de heróis.
Por hipótese, também, um trabalho desse género permitiria que soubessemos um pouco mais sobre as razões por que os estudantes e nós, afinal todos nós, pouco sabemos dos heróis.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
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