08 maio 2006

Desqualificação


Cada um de nós é naturalmente produtor de diferenças. Mas as diferenças que excluem, inferiorizam, «espectralizam» (para dizer como Marc Guillaume)[1] o(s) Outro(s) têm uma matriz iminentemente social e remetem invariavelmente para um contexto de luta por recursos estratégicos.
A exclusão da historicidade do Outro é fortemente parasitada pela desumanização, pela inferiorização[2]. Por outras palavras, recusamos ao Outro o direito à alteridade e às suas práticas, o direito à dignidade.
O termo emakhwua ( sentidos: sertanejo, rude, bárbaro) é oriundo de um contexto preciso: o das relações costa/interior, com duas sub-relações: não-agricultores/agricultores, negreiros/agricultores.
Não há desqualificados em si: há desqualificados construídos, produzidos em função de um contexto social preciso e de jogos de luta estratégica. E a desqualificação não é imutável. Novos contextos podem eliminá-la, qualificá-la (positivamente) ou redesqualificá-la. Parafraseando Wittgenstein, eu diria que a «totalidade da desqualificação é um sistema»[3]. Mas, também, que toda a desqualificação (como toda a qualificação) é «negociável».
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[1]Baudrillard, Jean et Guillaume, Marc, Figures de l'altérité. Paris: Descartes, 1994, pp.19-37.
[2]A foto que encima esta entrada foi tirar na era colonial na baixa de Lourenço Marques (hoje Maputo) pelo fotógrafo Ricardo Rangel e mostra um trabalhador ostentando nas costas a matrícula do carro do patrão.
[3]Brand, Gerd, Los textos fundamentales de Ludwig Wittgenstein. Madrid: Alianza Universidad, 1987, p.85; ver, ainda, Wittgenstein, Ludwig, Da certeza. Lisboa: Edições 70, 1990, pp.15, 53.

1 comentário:

Anónimo disse...

É humilhante fazer isso a uma pessoa.
Sonia Dedge