07 maio 2006

A novela brasileira


Há anos que a novela brasileira habita as televisões e os corações de milhares de moçambicanos. A certas horas da noite (e, certamente, também a certas horas do dia), não importa em que ponto urbano do país, tudo pára. Chegou a hora da missa profana, do ritual ansiado.
O que tem sido a novela brasileira, no seu conjunto e na sua temporalidade? De tudo um pouco: o amor, o ódio, a juventude, a velhice, o sonho, a subversão do real, o caciquismo, a luta, a política, a verdade, o erro, a falsidade, a burla, o amantismo, a dor, o choro, a prisão, o casamento, o humor, o racismo, a heroicidade, o banal, o fantástico, a beleza, a fealdade, a profissão, a pobreza, a riqueza, a ostentação, a bela música. Coisas humanas, coisa de todos, artérias universais.
Todos os dias, milhares de moçambicanos esquecem a sua vida real e se novelizam, se brasileirizam, se tornam outros sendo eles e apesar deles, se identificam. Afinal não há aqui, neste país, tantas coisas parecidas? Não há aqui, também, o húmus do que vemos, sentimos, odiamos, ansiamos?
Por que não deveríamos nós sonhar saindo fora das nossas fronteiras tacanhas, amando e sofrendo, não deixando de ser nós sendo os outros e sendo os outros para ensaiarmos tentar ser outros?
Falta-nos o pão em casa, não temos dinheiro? Existe a novela brasileira, ela nos compensa. Estamos bem? Existe a novela brasileira para estarmos melhor.
E assim, ano após ano, nos fomos e nos vamos abrasileirando, muita da nossa fala possui já as expressões coloquiais brasileiras, a cadência frásica. E aumentam as escolas de capoeira na cidade de Maputo.
E enquanto isso acontece, ficam os mais velhos e conservadores perturbados, rancorosos, gritando que os nossos costumes estão devassados, que a nossa moral se perdeu e se perde sob o efeito das novelas brasileiras, que as nossas catorzinhas são o que são em suas jeans apertadas e sexualizadas devido a isso, que tudo vai mal, que, enfim, deus é, digamos, brasileiro. E dizem: no meu tempo é que era, a moral respeitava-se, as mulheres guardavam respeito.
A brasileirização cultural foi e é ainda ampliada pelos cultos da IURD, nos quais milhares de pessoas aprendem, também, as belas cadências linguísticas dos brasileiros.
E assim vai este Moçambique, de real em real, de novela em novela, de sonho em sonho.

Vixe, deixa para lá, ó gente!

2 comentários:

Anónimo disse...

Estranho como um pais do outro lado do oceano consegue modificar tanto da sua cultura só porque falam a mesma língua. Para quem nao falamos a mesma língua mas moramos ao lado, a invasao ocorre comercialmente.

Carlos Serra disse...

Obrigado pelo seu comentário. Creio que nos abrasileiramos sem nos desmoçambicanizarmos. Ao fim e ao cabo, a globalização é o nosso local com as janelas abertas. Abraço.