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Inquieta, a
nossa imprensa tem reportado a intranquilidade social surgida nomeadamente nas províncias de Cabo Delgado, Nampula e Zambézia, intranquilidade da qual tenho dado conta neste diário em várias postagens.Pessoas acreditam que alguém prende a chuva ao céu, outras acreditam que alguém as quer matar introduzindo intencionalmente a cólera na água.Muitos tentam perceber o que se passa. Muitos partem do pressuposto de que estamos perante actos que radicam completamente na ignorância e/ou na desinformação.
Crimes qualificados estão a ser cometidos, linchamentos têem tido curso.
Todos condenamos. Legitimamente. Condenamos - e devemos continuar a condenar - os assassinatos de pessoas inocentes.
Porém, teremos de esforçar-nos por estudar o que se esconde por trás de manifestações tão violentas, teremos de esforçar-nos para sair do jusante das coisas para entrarmos no seu montante, teremos de esforçar-nos por sermos um pouco como os médicos que em lugar de condenar uma doença linfática, por exemplo, procuram estudá-la e curá-la.
Essas manifestações são produto de insegurança, de mal-estar, de desequilíbrio social.
Deixem-me avançar uma hipótese: estamos perante novos cincos de Fevereiro, expressos de uma certa forma. Se no 5 de Fevereiro de 2008 da cidade de Maputo o protesto foi contra o aumento das tarifas dos chapas e do preço do pão, agora, lá para o centro e norte do país, o protesto é contra as mortes por cólera e contra a falta de chuvas, é contra o preço desmesurado disso tudo. No fundo, defendo, por hipótese também, que estamos perante uma linguagem política expressa sob formas culturalmente antigas, reactualizadas no envelope da magia e da feitiçaria, perante uma mensagem de protesto contra a insegurança e contra as desigualdades sociais.
À retaguarda de uma atitude aparentemente incoerente pode esconder-se a coerência terrivelmente lógica de uma carência. E esta carência, por hipótese uma vez mais, veicula menos uma crítica ao Estado do que um apelo, do que um pedido de socorro, do que uma sua maior presença junto das comunidades.
Fisionomias diferentes para uma mesma inquietação: o sentido da vida. Só são bizarras as coisas que não entendemos nem vivemos.