Relatórios coloniais e, especialmente, textos do falecido padre Giovanni Battista Brentari (missionário que foi na Zambézia, com quem falei entre 1978 e 1982 e cuja obra possuo) vão permitir-me colocar aqui o quadro social que escora a crença de que a chuva foi amarrada no céu.
Quando a estiagem se prolongava e em Janeiro ainda não tinha chovido, as comunidades zambezianas entravam em convulsão: importava saber saber quem prendera a chuva no céu e encontrar, célere, o mecanismo que permitisse desligá-la (otomola). Nestes casos, a pergunta nunca era nem é: o que amarra a chuva no céu? Mas, antes, esta: quem amarra a chuva no céu?
Numa primeira fase, os aldeões tinham para si que algum trâmite linhageiro tinha sido desrespeitado na mudhi, pelo que urgia apaziguar os azimu dos antepassados. Inquiridos os mágicos-advinhadores, executados os sacrifícios com grande dispêndio de comida e bebida, aguardava-se ansiosamente que a chuva fosse finalmente solta. Mas não acontecendo isso, então, fazia-se fé, o problema já caía fora da alçada dos azimu, resumindo-se tudo à acção (olowa) maléfica do mukwiri. Decididamente alguém o tinha hospedado. Esse alguém prendera a chuva ao céu, esse alguém era o perturbador das comunidades. Os mágicos-advinhadores descobriam então, o suposto agitador. Em processo sumário, sobre ele abatia-se a comunal acusação de viver à custa dos vizinhos, cujos celeiros mandava roubar na calada da noite através de emissários especiais como duendes e animais de um certo tipo. A ira social, longamente contida, jorrava por fim sobre o acusado - frequentemente uma mulher -, bode expiatório inexorável, que era amiúde linchado por espancamento ou queimado com a casa e o celeiro. E lá recomeçava a esperança na chegada da chuva. Bem, era suposto que um dia chegaria, finalmente desamarrada, para realimentar a gretada terra e calar a humana impaciência.
Tanto quanto revelam os documentos, nesses antigos tempos ainda não existia a Renamo - acusada de ser, nos tempos actuais, promotora do boato - nem, portanto, Dhlakama proclamara a paternidade da democracia.
Quando a estiagem se prolongava e em Janeiro ainda não tinha chovido, as comunidades zambezianas entravam em convulsão: importava saber saber quem prendera a chuva no céu e encontrar, célere, o mecanismo que permitisse desligá-la (otomola). Nestes casos, a pergunta nunca era nem é: o que amarra a chuva no céu? Mas, antes, esta: quem amarra a chuva no céu?
Numa primeira fase, os aldeões tinham para si que algum trâmite linhageiro tinha sido desrespeitado na mudhi, pelo que urgia apaziguar os azimu dos antepassados. Inquiridos os mágicos-advinhadores, executados os sacrifícios com grande dispêndio de comida e bebida, aguardava-se ansiosamente que a chuva fosse finalmente solta. Mas não acontecendo isso, então, fazia-se fé, o problema já caía fora da alçada dos azimu, resumindo-se tudo à acção (olowa) maléfica do mukwiri. Decididamente alguém o tinha hospedado. Esse alguém prendera a chuva ao céu, esse alguém era o perturbador das comunidades. Os mágicos-advinhadores descobriam então, o suposto agitador. Em processo sumário, sobre ele abatia-se a comunal acusação de viver à custa dos vizinhos, cujos celeiros mandava roubar na calada da noite através de emissários especiais como duendes e animais de um certo tipo. A ira social, longamente contida, jorrava por fim sobre o acusado - frequentemente uma mulher -, bode expiatório inexorável, que era amiúde linchado por espancamento ou queimado com a casa e o celeiro. E lá recomeçava a esperança na chegada da chuva. Bem, era suposto que um dia chegaria, finalmente desamarrada, para realimentar a gretada terra e calar a humana impaciência.
Tanto quanto revelam os documentos, nesses antigos tempos ainda não existia a Renamo - acusada de ser, nos tempos actuais, promotora do boato - nem, portanto, Dhlakama proclamara a paternidade da democracia.
(continua)
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