Em entrevista dada (creio que em Janeiro ou em Fevereiro de 2005) ao programa "Manhã Informativa" da Rádio Nacional de Angola, Marcelino dos Santos, pai-fundador da Frelimo, marxista confesso, nacionalista de sempre, recordou inúmeros aspectos dos movimentos de libertação nacional (especialmente da Frelimo e do MPLA) e fez um cerrado ataque ao que chamou ora globalização neo-liberal, ora globalização capitalista.
Num tempo onde o politicamente correcto parece definitivamente instalado, Marcelino surpreende pela força com que mantém ainda hoje as suas convicções, os seus ideais. E surpreende pela vivacidade do que diz e recorda, apesar da sua idade.
O presidente Guebuza é capitalista, afirmou Marcelino. Porém, todas as classes devem estar unidadas na luta contra a globalização capitalista no nosso país e em outros. Como isso se consegue, Marcelino não revelou.
Oiça aqui a entrevista, em três partes.
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Descobri a entrevista lendo o blogue de Ilídio Macia.
11 comentários:
Por acaso também descobri a entrevista no blog do Ilídio Macia, e achei interessante a afirmação de que Guebuza é capitalista. Aínda estou a pensar! Mas para já dizer que o poeta Kalungano vem "confirmar" o que já se sabia.
Agora, como é que capitalistas, socialistas, radicais e liberais podem se unir a volta do mesmo objectivo é algo que aínda é um mistério para mim. Aínda estou a reflectir
Marcelino não alterará jamais o seu intinerário epistemológico. Ele absorveu o que tb Amílcar Cabral absorveu: uma leitura de um social que havia não apenas que descolonizar mas, tb, de alguma maneira, que "desclassicizar". Na entrevista à RNA, irá reparar que ele refere o livro de Clemente Zamora ("O processo histórico"), efectivamente um livro capital.
Meu caro Bayano, a chave do mistério está provavelmente no facto de terem algo em comum: uma sólida base de bem estar. Depois, a pluralidade de posições reforça o espírito de tolerância, respeito pela democracia entre os camaradas.
Josefina
Tenho para mim que em toda a sua vida, Marcelino - como Cabral, como Samora - tentou casar o marxismo como o nacionalismo. Não é por acaso que Aquino de Bragança falava, em relação a Samora, em samorismo e não em marxismo. Mas, enfim, pode dar um belo debate.
Depende do que se refere com bem estar. Penso que o que reforça o espírito de tolerância, respeito pela democracia entre os camaradas como dizes é o objectivo de nunca abandonarem o poder. Sou daqueles que crê que o que mantém os camaradas juntos são os interesses dos grupo - é preciso salvaguardá-los.
Nisso tudo, há uma coisa que me intriga e que Marcelino dos Santos sempre prometeu revelar mas que ainda não o fez: porque é que, por duas vezes ele perdeu a presidência da Frelimo? Ele promete revelar.
Bem, um fascinante tema...
Sim, o que mais lhes une é a estratégia de se manter no poder. Isso sabemos como um dos fortes motivos de eles nunca se criticarem publicamente; de se protegerem mesmo em casos de crimes consumados; de não revelarem nunca de casos de mortes desde o tempo de guerra e que até a revelacão do local da morte de Mondlane irrita ao Marcelino.
Mas nesta entrevista há casos que me surpreendem. Marcelino se lembra e diz com voz viva factos que se deram há muitíssimo tempo como antes do inicío da luta armada. Contudo, parece ou manifesta não ter na memória de casos recentes, por exemplo de como a votacão ao Chissano. Outro facto é de Marcelino dizer coisas que logo o entrevistador suspeitou não serem verdade pelo que repetia as perguntas. Por exemplo, é-me estranho que uma pessoa da sua estatura dissesse que em Mocambique ninguém (ele usa o nós em Mocambique) respeitava Dhlakama. O entrevistador devia saber os resultados eleitorais de 1994, 1999, 2004. Também não sei se a história que ele contou sobre Vicente Ululu é verdade. Talvez ele buscasse um outro exemplo que são que tenham sido rapto. Outro caso que me põe em reflexão é se a manifestacão do Marcelino aliado ao que assistimos no terreno não põe em causa o nosso processo democrático (eleicões).
Concordo que em última que é o poder que os une: sustentáculo para o bem estar.
Quanto ao facto de Aquino se referir a Samorismo e não Marxismo, recordo que Samora, Homem frontal,assumiu publicamente que nunca tinha lido Marx. Assumiu ainda que era assimilado, gostava de coisas boas e que não via mal algum em ser-se consumista se o fizermos com o produto do nosso trabalho.
Josefina
Bom debate.
Marcelino: o facto de estar “fixado/cristalizado” no passado e ao partido único, convencido de ser dono da verdade, de esbugalhar os olhos para endeusar os “históricos”, de não aceitar a mudança (lembram-se de como tratou Hélder Muteia no processo de sucessão de Chissano) é uma consequência normal da idade, que não perdoa. No entanto, quando afirma que Guebuza é capitalista, é coerente: contra factos, não há argumentos.
Samora: o Líder, o Homem com carisma que não precisou de ler “O Capital” para entender o Marxismo, era, no meu entender, um INTUITIVO, um INTUICIONISTA: “(Intuicionismo: sistema filosófico que defende que o conhecimento se baseia na intuição intelectual de verdades racionais superiores à experiência)”. Só assim entendo a facilidade, espontaneidade, convicção e racionalidade, com que, sem um estudo profundo dos assuntos, abordava os mais complexos temas.
Chissano: cerebral, introspectivo, reconciliador, diplomata.
Guebuza: o poeta. Muita adjectivação no discurso, pouca substância. Uma análise cuidada às suas intervenções nesta presidência aberta, daria, certamente, matéria para um volumoso Anedotório sobre conceitos económicos e sociais. Muita ligação ao poder económico, incluindo algum de credibilidade duvidosa.
Um abraço,
Florêncio.
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