04 outubro 2006

Unidade de Diagnóstico Social - Carta aos governantes de Moçambique

Estimados Governantes

Permitam-me que, desta forma simples, informal, fazendo uso deste poderoso meio de comunicação, vos dirija esta carta e vos convide a lê-la.
Tendes muitas tarefas, mas espero que a possais ler. Se não a puderdes ler, eventualmente algum dos vossos subordinados vos poderá chamar a atenção para ela. Assim espero.
A questão é a seguinte: muitas vezes surgem no nosso país fenómenos cuja natureza e cuja amplitude passam despercebidas ou que não recebem a atenção necessária, fenómenos cuja gravidade requer um diagnóstico imediato e um conjunto de medidas de prevenção e correcção.
Por exemplo: os linchamentos que estão a ocorrer este ano e que parecem ter começado no bairro T3 na Matola; as acusações nas zonas ribeirinhas de Nampula de que o governo as está a matar com a cólera introduzindo deliberadamente cloro na água; o linchamento, há alguns anos atrás, de dezenas de pessoas acusadas em Cabo Delgado de serem proprietárias mágicas de leões; ou, se quiserdes, ainda, a impossibilidade de se pescar na lagoa de Pembe em Inhambane, farta de peixe, por se julgar que os maus espíritos isso impedem, são apenas alguns dos fenómenos que exigem uma investigação imediata e profunda e a apresentação de recomendações digamos que terapêuticas.
Nesse sentido, proponho-vos a criação de uma Unidade de Diagnóstico Social, formada por um pequeno grupo de investigadores experientes, uma unidade multidisciplinar intra e trans-governamental, cuja função consistiria justamente em estudar em profundidade fenómenos com a natureza dos indicados e divulgar os resultados por canais diversos.
Essa unidade não precisaria de gabinetes, viaturas, protocolo, etc. Os seus investigadores seriam professores universitários que saberiam criar as condições para funcionarem de forma multisectorial, rápida, eficiente e informal.
A única coisa necessária seria vocês financiarem as suas deslocações, as suas estadias e aquele pequeno mundo de despesas que é necessário fazer para se estudar algo.
A unidade responderia às seguintes cinco perguntas básicas:

1) De que fenómeno se trata?
2) Qual a sua morfologia?
3) Quais as suas causas?
4) Qual o seu potencial de irradiação?
5) Qual a profilaxia a adoptar?

Esta a sugestão que vos quis fazer. Espero que tenha utilidade.
Obrigado por me terem lido.
Recebam os meus mais cordiais cumprimentos.

Carlos Serra
Sociólogo
Professor Catedrático
Centro de Estudos Africanos
Universidade Eduardo Mondlane

P.S. - Solicito a todos aqueles que têm o meu blog nos seus elos, que divulguem este pedido. O meu muito obrigado.

16 comentários:

Anónimo disse...

Pode fazer perfeitamente esse trabalho sem que seja criada qualquer «unidade». Há que revitalizar o CEA.

Carlos Serra disse...

Quantas mais opiniões melhor.

Anónimo disse...

CS fez bem em não sugerir desde logo a "casa" hospedeira da ideia. O importante é a ideia. Cá por mim aprovo.
(antropólogo)

Anónimo disse...

Edgar Morin coordenou durante anos o Grupo de Diagnóstico Sociológico, integrado num laboratório da antiga Escola prática de Altos Estudos em Paris. Aí ele dirigiu investigadores no estudo de fenómenos novos ou actuais, como nos anos 60/70 o rumor dos judeus que raptavam mulheres, o regresso dos astrólogos, etc. Estou inteiramente de acordo com a ideia. Muitas vezes os nossos trabalhos ficam apenas nos seminários internacionais.
(um leitor atento)

Anónimo disse...

Oportuno! No fundo cada um tem feito o seu diagnóstico social, talvez falte mesmo um canal oficial de divulgação e um programa específico de trabalho. Concordo com a necessidade de se formar uma equipa dirigida por sérios e experimentados professores das nossas universidades.
CB

Anónimo disse...

Estou concordando com CB.Uma optima ideia,
Uma leitora brasileira

Anónimo disse...

«Necessidade de se formar»; «órgãos»; «unidades»...desculpem-me...o que impede que se faça nas instituições de investigação que já existem? Talvez devesse dizeer que é trabalho que já devia estar a ser feito. Qual é a necessiadade de se difundir a mensagem, o apelo? Não percebo essa lógica. Não quero acreditar que se está a acir no mesmo de sempre. Se for o caso, é muita pena. Muita pena mesmo!

Carlos Serra disse...

Assim mesmo, variedade de opiniões! Obrigado!

Anónimo disse...

Onde estão os trabalhos dos cientistas? Quem os conhece? Que resultados práticos trouxeram?
(um curioso)

Anónimo disse...

O mesmo que uma pequena CNRS a partir das universidades?

Carlos Serra disse...

As ideias são para ser discutidas. Eu lancei uma, ela é pública, podemos aceitá-la, podemos recusá-la, podemos melhorá-la, podemos com ela criar novas ideias e por aí fora. E as ideias são como as crianças: tornam-se independentes de nós (adapto aqui uma imagem de Karl Popper).

Anónimo disse...

Eu vejo a ideia de C.S. nao de forma linear, como parece estar a ser entendido, a julgar por alguns comentarios (a exemplo do primeiro), vejo-a como um desejo sublime de alerta os governantes para a necessidade de reflectirem profundamente sobre os problemas que ocorrem, um convite para a desnaturalizacao do que parece natural ou normal, mostrando igualmente que os Professores universitarios podem dar um contributo no entendimento desses fenomenos anormais, cuja frequencia coloca o risco de parecerem normais "em terras como nossas", como alguns gostam de dizer. Julgo igualmente ser um apelo para que os governantes tenham consciencia da importancia dos estudos existentes quando definem politicas e estrategias de intervencao. Quantas vezes nao se publicam coisas pertinentes e que simplesmente ficam por ai...? entretanto, os fenomenos repetem-se, a exemplo da "Colera da colera" (uma usar uma expressao de C.S.). Havera uma preocupacao epistemologica na resolucao de problemas por parte dos nossos governantes? O recorrente e a "politizacao" da vida, como se todos os problemas fossem problemas politicos.
Para mim, este e o lado pertinente da ideia. Por isso, permito-me apelar a outros comentaristas como eu, que a apreciem neste perspectiva, nao se fixando na ideia fisica do "Centro" em si, que incomoda alguns comentaristas...
Bem hajam os que pensam e propoem ideias, porque outros, esses..., apenas vivem para serem pensados.
Um grande abraco a C.S.
(TH).

Carlos Serra disse...

Apraz-me registar as reacções diversas que a ideia está a ter. O meu obrigado a todos, o meu obrigado particular ao TH. A ideia irá avançar (as ideias tb têm vida) e pode concretizar-se mais cedo do que pensamos. Manterei informados os leitores deste diário.

Egidio Vaz disse...

Ao Professor e todos os que concordam com a ideia, o meu grande abraço.
Vejo no apelo do Professor Carlos Serra dois aspectos:
O primeiro, uma tentativa convidar aos que se prezam INVESTIGADORES a abraçar a área; esta microsociologia do quotidiano; usando as suas próprias palavras, diria, estas crenças anómicas de massas, que os dirigentes se apressam a politizar ou no mínimo, dar-lhes sexo, raça e nação! (uma forma 4x4 de domesticar o anómalo.
O segundo é o desafio que se lança aos outros (na verdade, são bastantes que se arrogam em ser ESTUDIOSOS DO SOCIAL, numa estratégia de corrida para os títulos como forma de ganharem concursos de consultorias sobre HIV-SIDA e Crianças da e na Rua - português das ONGs, diria, outros cientistas sociais para prestarem atenção à assuntos que na verdade, carecem de uma explicação sociológica. (assumo o risco de estar a fazer uma má interpretação. Todavia, entendo-o assim. A responsabilidade é inteiramente minha).
De uma ou doutra forma, o Professor Serra já vem trabalhando nisso há bastante tempo. Um destes espaços, acho eu É EXACTAMENTE NESTE BLOG. E infelizmente teve poucos acólitos.
Acho o apelo muito importante, e tem o meu apoio. Pena é o facto de ainda estar na flor da minha carreira como investigador, senão diria EU ESTOU CONSIGO. Mas poderei servir, mesmo se for para recolha de papéis e arrumar guiões de entrevistas.
Em poucas palavras diria:
Professor, muita gente não está habituada a lidar com a ciência -digo, ciência como uma forma de ser e estar (aliás Boaventura Santos defende que o desenvolvimento da ciência e a sua integração nas sociedades tende a se transformar num senso comum.
E essa deficiência em lidar com a ciência não apenas dos leigos, mas também dos próprios cientistas.
Daí então, essa profusão de comentários, não que sejam inúteis, mas dá para ver que têe uma natureza centrípeta: partem de um problema (compreendido de diferentes formas e nunca mais se convergem!)

Carlos Serra disse...

Obrigado, Egídio. A ideia irá avançar e pode crer que pedirei a sua ajuda. Como dizia a nosso Samora, a luta continua. Abraço.

Carlos Serra disse...

De acordo, Wetela. A minha ideia é justamente fazer da unidade um fórum permanente, com a particiapção de quem quiser, independentemente da sua formação escolar ou académica. Hoje nasceu um portal experimental. A par e passo irei informando. Abraço.