03 maio 2006

Vulnerabilidades sociais e institucionais que facilitam o tráfico

Estamos confrontados com dois tipos de vulnerabilidade propícias ao tráfico, a saber: a vulnerabilidade social e a vulnerabilidade institucional.
A vulnerabilidade social tem três componentes.
A primeira diz respeito às grandes dificuldades que a maior parte das famílias moçambicanas enfrenta no seu dia-a-dia. Essas dificuldades têm duas consequências maiores: a facilidade com que um jovem pode ser aliciado com a promessa de um futuro mais digno e a facilidade com que pais podem tentar “empregar” os seus filhos menores não olhando a condições nem a meios. A fractura familiar é de há anos a esta parte observada facilmente nas ruas das cidades moçambicanas, com o seu cortejo de crianças da rua e de pedintes de todas as idades.
A segunda componente da vulnerabilidade social remete para as crenças mágicas e para a convicção de que órgãos humanos magicamente tratados podem resolver problemas sociais ou, então, de que problemas sociais decorrentes do “feitiço” podem ser resolvidos com recurso a práticas incestuosas, potencial causa da fuga de raparigas dos lares, tornadas assim presas fáceis dos oportunistas.
Finalmente, a vulnerabilidade social tem, ainda, um terceiro pilar: a intensa vida de rua dos nossos jovens. Com efeito, a vida de rua, frequentemente provocada pela ausência dos pais a trabalhar, torna os menores vulneráveis ao aliciamento e ao rapto.
Para a vulnerabilidade institucional, consideramos quatro componentes.
A primeira remete para a extensão das fronteiras, mal protegidas, mal patrulhadas ou pura e simplesmente não patrulhadas, devido à exiguidade de polícias e de recursos técnicos.
A segunda componente da vulnerabilidade institucional diz respeito à facilidade com que os polícias podem ser corrompidos em áreas, como as fronteiras, onde quem entra ou quem sai é potencialmente um proprietário de dinheiro.
A terceira componente da vulnerabilidade institucional tem a ver com a dificuldade em aplicar o código penal. Isto pode ser exemplificado, por exemplo, pelo facto de um apanhado estatístico do Ministério do Interior dos crimes registados em 2004 no país dar conta de quatro “raptos consentidos” e de 52 “raptos de menores”, mas deixando em branco a rubrica “tráfico”.
A quarta faceta da vulnerabilidade institucional tem a ver com o instituto de adopção, designadamente no que concerne a estrangeiros. Tendo presente, por exemplo, as recomendações constantes em matéria de adopção por estrangeiro no artigo 21. ° da Convenção das Nações Unidas dos Direitos da Criança, constata-se que a nossa Lei de Família foi totalmente inócua, não garantindo de modo algum que, no caso de adopção por estrangeiro, a criança venha a beneficiar das garantias e das normas aplicáveis à adopção no país de origem; não prevê quaisquer medidas destinadas a evitar que a adopção por estrangeiro vise alcançar benefícios materiais indevidos; nem prevê que a colocação da criança adoptada em país estrangeiro venha a se efectuar através de uma autoridade ou organismo competente, o qual deduzimos constituir uma entidade diferente das já existentes e que se dedique inteiramente a ofício tão especial e delicado. O mesmo sucede em relação à inexistência de qualquer tratamento da recomendação adicional prevista no artigo 24. ° da Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança, e que se traduz no estabelecimento de um mecanismo que vise a monitorização do bem-estar da criança adoptada.

2 comentários:

Anónimo disse...

Prezado professor
o seu blog é verdadeiramente um hino ao trabalho e um manancial de informaçao!
obrigado, por partilhar as suas experiencias connosco.
No ideias criticas os alunos expoem as duvidas, esta aqui um complemento as duvidas de todos nos...

Carlos Serra disse...

Muito obrigado!