14 maio 2010

É nas cidades do país (5)

Mais um pouco da série.
De lugar de encontros fugazes, a rua é reorientada e convertida à civilização do contacto calórico, das sociabilidades intensas, de uma geometria fractal que subverte as lógicas do espaço simétrico herdado da cidade colonial. Nem as linhas férreas são poupadas por essa invasão das lógicas populares. Mas a fugacidade que escorre da agitação do mundo febril dos chapas, dos dumbas, das barracas, etc., é constantemente violada e compensada pela produção do tempo antropológico. Na verdade, milhares de pessoas investem diariamente no diálogo, nas horas que perderam o perímetro, no tempo que rompe os relógios, nos espaços a um tempo afectivos e belicosos, rudes e doces, confiantes e trágicos. Cerimónias fúnebres, repastos, bula-bula de esquina, inter-ajuda de bairro, solidariedades religiosas, festas populares: tudo isso passa e pára, avança e recua, encurta e alonga, perpassa e sustém. No tempo que pressiona enxerta-se o tempo grávido do cosmos. Ao relógio da física clássica sucede a nuvem popperiana, complexa, aleatória, sempre mutante; a porta da vida cede lugar à ponte de Georg Simmel: aquela pode fechar-se, esta dá sempre passagem.
(continua)

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