06 dezembro 2009

Já nos descolonizámos? (3)

A mecânica da dominação tem duas componentes: o impulso e o aguilhão. O impulso é a ordem dada; o aguilhão é o efeito da ordem guardado no inconsciente do dominado (ideia de Elias Canetti)
Mais um pouco desta série.
Recordam-se de que no número anterior escrevi que o colonialismo produziu três concepções sobre o colonizado, a segunda das quais é a de que este é pacífico por natureza, salvo quando forças externas o ocupam e o desviam da sua suposta vida vegetativa.
Ora, a esse propósito, é muito interessante saber como a Frelimo foi concebida.
Seja na imprensa oficial, seja nos documentos confidenciais e secretos (estudei centenas, talvez mesmo milhares deste último tipo de documentos), a Frelimo foi inalteravelmente vista como um produto de russos e chineses, por eles fabricado, por eles municiado para alterar a ordem colonial.
Jamais se teve em conta o facto de que a concepção da independência era produto real de Moçambicanos e que estes eram realmente...Moçambicanos.
Para o colonizador, fosse qual fosse o estatuto, era inconcebível que os Moçambicanos protestassem eles-mesmo, que quisessem a independência eles-mesmo. A contestação, a luta, isso só podia vir de fora, só podia ser coisa estrangeira, só podia ser obra de uma mão externa, só podia ser dedo russo e/ou chinês, emanação comunista, metástase de Lénine e Mao Tse Tung. Ou, em outras frentes de contestação no país, só podia ser obra de igrejas (a este último respeito foi produzida uma enorme massa documental de estudo e espionagem, especialmente das igrejas que, actuando em Moçambique, tinham, porém, as suas sedes nos países limítrofes).
(continua)

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