Aproxima-se o fim de mais um ano e, como sempre em cada fim-de-ano, sucedem-se as cerimónias espectaculares e televisivas de demonstração de piedade para com os desfavorecidos. À compita, determinados actores sociais procuram visibilidade e reconhecimento pelos actos de compaixão que exibem, pelos almoços que oferecem, pelos lanches que distribuem. O fundamental não é alterar as relações sociais que produzem desfavorecidos, mas mantê-las com o disfarce de pequenos remendos, de pequenos curativos. Recordo-me, então, das acções-aspirina de Paulo Freire. O que são acções-aspirina? Nas palavras do pedagogo brasileiro, são aquelas "cujo pressuposto fundamental é a ilusão de que é possível transformar o coração dos homens e das mulheres deixando intactas as estruturas sociais dentro das quais o coração não pode ter “saúde".
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
2 comentários:
... e o dia depois do almoço solidário? Aliás e durante os restantes 364 dias?
Não quero fazer polémica e muito menos reduzir a nada alguns trabalhos de caridade feitos com seriedade e honestidade, mas sinceramente eu sou contra: todos os que aproveitam o sofrimento do outro (crianças órfãs) para "aparcer", aumentar a fama, mas tudo baseiado em "faz de conta".
Sou também contra os que aproveitam-se de uma situação equivalente para recolher dinheiro ao seu benefício pessoal (i.e pessoas que saiem da Europa para África, tiram fotos às crianças carenciadas, chegam aqui na Europa exibem as fotos que tocam alguns corações sensíveis, recolhem dinheiro para o seu bem, em nome da beneficiência, isto não é uma imaginação minha, aconteceu e acontece, alguns casos foram até reportados em televisão).
Eu acho que uma celebridade pode muito bem oferecer um almoço ou qualquer tipo de bem sem a imprensa a cobrir o evento (se bem que a resposta imediata será: é para os outros seguirem o exemplo!).
Com tudo o que eu escreví antes não quero por nada minimizar o esforço feito por aqueles que ajudam os necessitados sem fins lucrativos, tais lucros que podem ser não só monetários, mas a fama, a imagem e tudo!
Naturalizamos a esmola, tornamos irremediáveis as carências dos outros.
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