06 fevereiro 2007

"A produção florestal honesta torna-se insustentável" (uma carta preocupante)


De pessoa e empresa devidamente identificadas, recebi de Sofala o trabalho que publico a seguir com o título em epígrafe. Mantive a escrita original, de uma pessoa que não é de origem portuguesa. O nome da empresa não foi divulgado. Entre parênteses curvos e com pontos, estão os espaços de nomes omitidos.
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"Em nome próprio e em nome dos (...) trabalhadores de nacionalidade moçambicana que dia a dia fazem a (...), quero agradecer a valentia pela iniciativa de endereçar à Presidência do Governo o seu protesto pela tristíssima e preocupante situação do sector florestal.

(... ) Rogando sua atenção para os seguintes comentários:

O Diário de Mocambique de 26 de Janeiro de 2007 (pg. 4) publica o seguinte título:
NAMPULA: MADEIRA APREENDIDA NO ANO PASSADO ATINGE MAIS DE 172.000 METROS CÚBICOS.

MULTAS (segundo o subtítulo) RENDERAM 4.5 MILHÕES AO ESTADO
Imediatamente, conferi através de funcionários da Direcção Nacional de Florestas que não se tratava de um erro.

O dado era verídico.

A falta de rigor informativo, também.

Analizamos, apenas o titular e subtítulo?

Um CAMIÃO CAVALO transporta o máximo de 18 m3 de madeira.

PORTANTO, 172.000 M3 COMPORTAM O ENVOLVIMENTO DE NOVE MIL QUINIENTOS CINQUENTA E CINCO CAMIOES.

COMPORTAM O USO DE NOVE MIL QUINIENTOS CONTENTORES PARA EXPORTAR A MADEIRA.
Ninguem parece preocupado em medir com exactidao OS DANOS QUE ESTA ACTIVIDADE MEGAAGRESIVA COMPORTAM PARA A ECONOMIA DE UM PAIS DENOMINADO "POBRE" .

Analizamos?

O 80 % dos 172.000 m3 APREENDIDOS APENAS NUMA PROVÍNCIA, NAMPULA, são madeira preciosa, pronta para exportar em toros.
O custo das licenças e de 500 Mtn para a madeira de primeira e 2.575 Mtn para a madeira preciosa.

80% de 172.000 metros cubicos sao 137.000 metros cubicos.

O valor que corresponderia ao Estado pelo pagamento de licencas por 137.000 metros cubicos de madeira preciosa e de 352.775.000 Mtn.
Equivalente em dolares americanos a TRECE MILHOES TRESCENTOS DOCE MIL DOLARES AMERICANOS.

CONTINUAMOS COM A ANALISSE,CONFORME A EXACTIDAO DOS DADOS?

Numa estimativa absolutamente fiável, PODEMOS AFIRMAR QUE O VALOR QUE DEVERIA SER PAGO AO ESTADO PELOS 172.000 METROS APREENDIDOS APENAS NUMA PROVINCIA DEVERIA TER SIDO DE 15 MILHOES DE DOLARES AMERICANOS, de que apenas o Estado teve CENTO SETENTA MIL DOLARES.

Sendo o fraude, portanto, de CATORZE MILHOES OITOCENTOS TRINTA MIL DOLARES.
Esto, multiplicado por 5 provincias (Tete, Inhambane, Zambezia, Cabo delgado e Nampula, donde em 2006 se realizou uma exploracao florestal sem precedentes) SIGNIFICA QUE O ESTADO PERDEU SETENTA E QUATRO MILHOES DE DOLARES, importe equivalente, salvo erro, a ajuda externa facilitada anualmente para o orcamento do pais, que condiciona as liberdades básicas de quem a recebe, como se sabe.

Quanto ao volume total "presumível" da madeira produzida nas 5 províncias, atendendo aos dados de Nampula, que não é em termos de quantidade a maior infractora:

Podemos afirmar que foram "levantados" em 2006 172.000 m3 x 5 provincias, equivalentes a 860.000 m3, o que comportaria a circulacao de 47.500 camioes cavalo?

A (...), empresa que presido, e uma sociedade consultora e gestora de recursos, beneficiaria de uma concessão florestal na Provincia de Sofala.

Como responsável desta empresa, participada no 10% do capital social pelos trabalhadores, entendo que A MELHOR FORMA DE LUTAR CONTRA A POBREZA NUM PAÍS DENOMINADO "POBRE" E PAGAR OS IMPOSTOS.

Em 2006, a (...) pagou 5.140.501 Mtn (equivalente a duzentos mil dolares americanos) por sua licenca anual de 3.000 metros cubicos, dos quais 33% madeira preciosa e o resto, madeira para ser transformada nas industrias nacionais.

A (,,,) pagou o mais alto valor nunca registado em Mocambique por taxas florestais.
A muita honra, se falamos de LUTA REAL CONTRA A POBREZA E TRABALHO LEGÍTIMO, HONESTO E LEAL.

A nossa estratégia pode ser eticamente correcta.
Mas em termos financeiros, é insustentável.

Por quê?

Porque a circulação maciva de madeira ilegal inflacionou os valores da madeira. Chegaram compradores de todas as nacionalidades, inclusive do Congo e da Angola, para comprar em Mocambique madeira "a preco de banana".

O nosso mercado, caiu. Pagar o valor justo pelo trabalho de nossos operários ficou quase que uma missao impossivel: Pagamos. Religiosamente.

Nao devemos nada a ninguem pero por ser o trabalho duro nossos trabalhadores mereciam muito mais. Como emprearios, tivemos que renunciar a toda esperanza de lucro.

Pagamos ao fisco o 40% do rendimento bruto de nosso produto. Ainda assim, conseguimos clientes com minima conciencia e suportamos a situacao.

Mas .... navegar nestas "turbulências" precisa de heróis, não de simples investidores ou empresários.

O altissimo valor pago pelas nossas licencas, que nao realizou so uma empresa neste pais em 2006, comportou uma perseguicao insustentavel e despotica por parte dos servicos fiscais de Agricultura, implicados, por logica evidente, no mercado da madeira ilegal e beneficiados , presumivelmente, por esta actividade.

A nossa empresa receveu 12 fiscalizações no prazo de 6 meses (sem qualquer irregularidade constatada), e uma tentativa de multa sem qualquer fundamento que foi contestada sob o epigrafe de "ABUSO DE AUTORIDADE", situacao que limitou o nosso direito de dedicar o tempo ao trabalho para, infelizmente, dedicar o tempo do trabalho a defendermos das permanentes ameacas dos fiscais.

O trabalho da (...) é exemplar.

Por cada árvore produzida, respeitamos 5 das mesmas caracteristicas e prantamos 5 mais. Construimos actualmente a segunda escola em favor das comunidades. Mantemos a nossa força de trabalho activa nos periodos de defesso, dedicada aos prantios e a construir obras em favor das comunidades. Pagamos nossos plantios e, para alem disto, pagamos uma taxa por reforestacao em Agricultura, que nao nos ajuda a reforestar.

Os 20 por cento de nossa aportacao ao fisco, por lei destinado as comunidades, nunca chegou a seu destino (sao mais de 800.000 Mtn) e, longe de nos apoiar ou prestar algum servico nem que fosse pelo altissimo valor das taxas que pagamos, a Administracao de Agricultura nos persegue como a infractores.

Alem da fronteira, a nossa empresa foi premiada pela sua labor contra a corrupcao, e em favor de uma producao florestal sustentavel pero isto, dentro, nao interessa a ninguem.

Como se produz a madeira ilegal?

Fácil.

O problema nao parte da Direccao Nacional, parte das provincias, que tem autonomia, a traves dos respectivos governos provinciais, para "legalizar" a madeira ilegalmente abatida.
Como se abate?

Fácil.

Segundo todo parece indicar, o infractor, previo acordo com as autoridades provinciais do sector, ABATE A MADEIRA SEM LICENCA E SEGUIDAMENTE VAI AOS SERVICOS PROVINCIAIS DE AGRICULTURA A DENUNCIAR O ACHADO DE MADEIRA ABANDONADA.

Os fiscais dos respectivos departamentos, conforme "orientacoes de seus superiores" reconhecem a madeira "abandonada", que fica marcada com as siglas DPA. Temos provas graficas.

ESTA MADEIRA "ABANDONADA"NUNCA VAI A ASTA PÚBLICA COMO INDICA A LEI DE FLORESTAS.

É simplesmente "vendida" a quem a "encontrou".

A Lei indica que o 50% do valor da madeira pertence aos fiscais (?) responsaveis do levantamento da mesma, e segundo todo parece indicar, tambem aos que deram aos fiscais "orientacoes superiores".

Neste quadro, as empresas legais que corresem o risco de denunciar, ficariam sem licença para trabalhar ou registariam enumeros entraves na sua actividade.
A (...) apenas trabalhou 12 meses num período de 3 anos, devido ao seu posicionamento contra a corrupção.

A nossa empresa, sustentável por forca do enorme sacrifício realizado por directivos e trabalhadores, tem uma informacão completíssima sobre o sector florestal.

Caso de que se aprove a implementacao do inquerito solicitado por voce a mais alta representacao do Estado, gostaria de solicitar seu apoio para que a nossa experiencia seja considerada.

Achando absoluta e totalmente necessário que as empresas honestas que respeitam os parametros de sustentabilidade e seus compromissos com as arcas do Estado passem a ocupar o lugar merecido, como justa compensação para a nosso dificil e quase heróico desempenho.

Com alta estima e consideração, agradecida pela sua valentia e coragem na toma de posição neste problema, que nos afecta seria e gravemente.

(... ) Beira, 6 de Fevereiro de 2007."

3 comentários:

chapa100 disse...

professor! pelo menos sei que circula em maputo o debate/polemica sobre florestas. o que me tem assustado, sao alguns compatriotas que vem dizendo que isso e uma conspiracao, uma luta internacional contra os chineses.isso ate ouvi com colegas ligados a academia. assusta quando neste pais dizem-nos que nao temos o senso critico, sem mao "estrangeira" agitando.vivemos num pais de conspiracoes, somos robots, negam que ha gente que pensa e pensa bem em mocambique. que tudo no debate da CTA e coisa da USAID, que tudo que se faz na link e coisa do SISE, que criticar a gestao do lixo em maputo e coisa de "nao patriotas". afinal quem deve fazer o exercicio da cidadania em mocambique? sera suficiente libertar o homem e a terra? e nao libertar a mente? a voz?

"...the first step towards building an alternative world has to be a refused of the world picture implanted in our minds and all the false promises used everywhere to justify and idealise the delinquent and insatiable need to sell. another space is vitally necessary...First, a horizon has to be discovered. And for this we have to re-find hope - against all the odds of what the new order pretends and perpetrates...The act of resistance means not only refusing to accept the absurdity of the world picture offered us, but denouncing it. And when hell is denounced from within, it ceases to be hell". John Berger

JCTivane disse...

O Sr Chapa tem razao. MAs como ja escrevi antes em outro sitio seria interessante saber porque ha senhores em ver uma mao escondida em que mostra os ratos que comem a machamba.

Anónimo disse...

Capa 100, esse é o grande problema. Negamos ser actores de nada, talvez quanto muito aceitamos ser actores de maldade. E isto é muitas vezes se a reaccão popular atingi os nossos interesses. Aqui negamos que haja mocambicanos que possam defender as florestas mocambicanas. Não há mocambicanos que saiba das consequências disto. Mas este é um mal que precisamos de ultrapassar se é que queremos avancar.