23 fevereiro 2011

Mal-estar na civilização (5)

"Todas as relações fixas e enferrujadas, com o seu cortejo de vetustas representações e intuições, são dissolvidas, todas as recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo o que era das ordens sociais e estável se volatiliza, tudo o que era sagrado é dessagrado, e os homens são por fim obrigados a encarar com olhos prosaicos a sua posição na vida, as suas ligações recíprocas."
Prosseguindo a série. O ano passado, greves gerais agitaram a Europa, multidões surgiram nas ruas. Agora, multidões manifestaram-se e manifestam-se no norte de África e no Médio Oriente. Eis seis perguntas de fundo: (1) estamos perante um mesmo tipo de crise?, (2) se sim, que tipo de crise?, (3) que tipo de actores protesta?, (4) os protestos são contra o quê e quem?, (5) quais as características dos protestos?, (6) qual o futuro dos protestos?
Escrevi, anteriormente, que se o modo capitalista de produção é um produtor e reprodutor por excelência de desigualdades sociais, tem, porém, uma virtude identitária global: incessantemente, une continentes, países e povos com mecanismos de comunicação, mercadorias, ideias e sonhos. E, fazendo-o, dota-os, afinal, de um mesmo sistema de produção e de reprodução sociais que dilui, que dissolve em permanência diferenças e fronteiras, mesmo as mais sólidas.
Prossigo com base na primeira pergunta, a saber: estamos perante um mesmo tipo de crise? Quer na Europa (especialmente nos países do Sul), quer no norte de África e no Médio Oriente, habita (antecipo, já, algumas respostas às perguntas seguintes) igualmente o desejo de uma sociedade mais livre, mais franca, mais solidária, mais justa, de uma sociedade na qual os senhorios políticos devem estar ao serviço das necessidades populares. Naturalmente que há muitas diferenças a considerar. Por exemplo, o papel dos sindicatos na Europa contraposto à aparente espontaneidade popular, combinada com as redes sociais, no norte de África e no Médio Oriente (porém, parece ter sido forte o papel dos sindicatos no Barein). Por outro lado, no norte de África e no Médio Oriente avulta, veementemente, a exigência de rotatividade dos senhorios políticos. Mas não só: existem bases materiais diferentes, percursos religiosos diferentes, percursos escolares e académicos diferentes, concepções de vida e espaço diferentes. A Líbia, por exemplo, não é necessariamente um país de pobreza no sentido de carência material. Isto significa que as origens e a propagação dos protestos não podem ser vistas de forma unívoca.
Prossigo mais tarde.
(continua)
Adenda: o título é o de um livro de Sigmund Freud.

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