24 fevereiro 2011

Cientistas sociais são "sacerdotes"? (8)

Retomo esta atrasada série.
Escrevi em Agosto do ano passado que me iria permitir abordar duas coisas: a mentalidade sacerdotal e a conflitualidade disciplinar.
Tendo já escrito um pouco sobre a primeira, é agora a vez de fazer o mesmo em relação à segunda. O que significa conflitualidade disciplinar? Significa luta de formas de analisar a sociedade, luta de linhas científicas, luta de paradigmas, luta de hegemonias, luta de preeminências, luta por recursos de poder prestigial, luta também de vaidades. Na verdade, os cientistas sociais vivem em múltiplos e ciosos castelos feudais temáticos, cada castelo com sua vigiada ponte levadiça institucional consoante ramos, escolas, saberes e temperamentos pessoais. Pessoa doutorada, imediatamente pessoa à procura do seu binóculo social e do seu estrado de visibilidade. A proliferação de disciplinas e afirmados saberes opera mesmo no interior de um dado ramo do saber, cada linha mestra desdobrada em microlinhas. São centenas de castelos e de microcastelos superprotegidos no mundo universitário, cada um arrogando-se o direito de seleccionar e de analisar da maneira mais eficiente uma determinada porção da vida humana. Esse dividido mundo, cheio de ângulos de refracção, habita, afanoso, centenas de revistas com seus rituais técnicos, centenas de colóquios, de seminários, de conferências, todos os anos. E cada um desses mundos engaja-se na defesa de estandartes identitários do género "do ponto de vista da história, do ponto de vista da antropologia, do ponto de vista da sociologia", como se esses mundos fossem estrangeiros a quem os fabrica e reproduz, como se fossem entidades que tivessem ganho vida autónoma, tal  como as mercadorias de Marx.
(continua)
Sugestão: entre vários livros agradáveis de ler sobre a determinação social dos produtos das ciências, proponho-vos este: Bloor, David, Knowledge and social imagery. Chicago/London: The University of Chicago Press, 1991, 2nd edition, 203 pp.

2 comentários:

Xiluva disse...

Uauuu!!!!Excelente, excelente!!!!!!!!A gente sempre os pensa na lua, sem amarras...

Salvador Langa disse...

Tb há tabalhos do Bruno Latour sobre a "fabricação" das ciências.