05 maio 2009

Adelino sobre Heliodoro

"Quem tinha uma terra arável lançou-lhe a semente guardada nos sovacos da paz" (Heliodoro Baptista, 1999)
O poeta e jornalista Adelino Timóteo escreveu sobre Heliodoro Baptista (na imagem) - falecido de ataque cardíaco na cidade da Beira a 1 de Maio -, com texto publicado pelo "Canal de Moçambique" de hoje. Tenho para mim que vale a pena lê-lo. Aqui.
O funeral do grande jornalista, poeta e contista que foi Heliodoro Baptista realiza-se amanhã.

5 comentários:

Anónimo disse...

'O GOVERNO!

'O PARTIDO!

Garanta que haja lugar ao lado de CRAVEIRINHA!

JUSTICA!

RECONHECIMENTO!

umBhalane disse...

MOÇAMBIQUE – ENCONTRO COM ESCRITORES, II Vol. – MICHEL LABAN (Abril 1998)

P. (Pergunta) – E «Recado a um dogmático»? Seria interessante que falasse no problema da moral e do Partido (Frelimo).
H.B. (Heliodoro Baptista) – Não é possível prender as palavras. Fizeram-nos acreditar – e acreditávamos – num projecto de liberdade, na construção de um país em liberdade, de opinião, de associação, em que as pessoas se sentissem livres. No entanto, tentaram prender as palavras. Como e com quê?
Vamos recuar no tempo: no tempo censuravam, prendiam as palavras. É um poema perfeitamente dirigido aos poderes, a este e a muitos outros, todos os regimes e governos.


P. – E a uma certa pessoa?
H.B. – Aqui, a algumas pessoas do Poder. Nomes bem conhecidos, por sinal.


P. – Não havia uma com quem tinha conflitos?
HY.B. – Não uma, mas várias. Entre elas, as que eu considero que, na altura, eram rigorosamente dogmáticas, inflexíveis, frias, maquiavélicas. Se elas vissem que isto aqui era um cinzeiro, diziam que era pedra!

E era pedra para toda a gente!

Isso destruiu muita gente, física e mentalmente. Isso tudo são premonições e avisos. O livro tem essa sequência, no segundo caderno. No primeiro também há o aviso para a independência, mas no segundo caderno do primeiro livro há avisos que depois são constatações que se concretizam no segundo livro.

E eu pergunto: «Não vos dizia o que estava a acontecer?»


P. - «As outras mãos»: poderá evocar esse poema?
H.B. – Um poeta não deve expor-se e explicar assim, mas não vejo qualquer inconveniente em responder-lhe. É uma espécie de sarcasmo ao Poder. Eu diria que entre os elementos do Poder, de qualquer poder, há as mãos de sangue, mas são mãos humanas. É um poema também dirigido, perfeitamente. Não é uma voz pessoal: quando os poemas surgem não pretendo ser o arauto da liberdade das pessoas que não tinham ou têm a liberdade civilizada após a independência. Todavia, penso que reúno, na minha voz, uma voz também colectiva – quando digo colectiva é uma voz de muita gente que não tem voz ou que não sabe ou não pode dizer aquilo que eu disse e estou a dizê-lo.


P. – Pena é que não apareça a indicação dos poemas que primeiro foram publicados separadamente.
H.B. – Saíram no jornal. Eu cito no meu livro: «É estranho que aqui ninguém / soubesse mesmo de nada!», porque as pessoas desculpam-se quando havia os tais cometimentos de coisas que eu considerava graves, ao nível da ilegalidade, da repressão…
Diziam: «Ah, mas isto é apenas uma fase. Depois vamos passar a uma fase em que as coisas vão mudar.»
Ou então: «Não é possível, não acredito!». Isso por fanatismo cego e despudor. São pessoas que depois caíram e estão, dir-se-ia, do lado oposto, hoje.
Se a Frelimo era para eles uma igreja, hoje estão do outro lado, já têm outra religião:
a religião deles é o dinheiro, são os dólares, está a ver?
Desculpam-se com a frustração.

Eu digo que «As mão sábias» são portanto as mãos que vão tacteando o quotidiano, vão ouvindo as vozes das pessoas que não têm voz, mas nós sentimos essas vozes, o sentido dessas vozes, a dor, o sofrimento, a repressão: «…as outras mãos / construirão aqui novas estrelas / nas cinzas do sonho sobrevivente», porque é um sonho…
« - clássico pirilampo / apontando a disponibilidade / de sermos clientes / em qualquer futuro.»

Este poema tem uma data e estamos em Junho de 1992, já é um futuro que não era aquele, e vamos caminhar talvez para a paz.

Quando aqui não era possível falar em democracia!

Democracia era uma palavra sacrílega, demoníaca.

A democracia era só a democracia do Partido!

É preciso que se assumam os erros. É preciso ter coragem para isso, sem tibiezas.

Agora, não arranjem, como ouvimos, bodes expiatórios.

Samora era economista, engenheiro?

Quem fez os projectos? Não foi ele, entende-me?

(p.706/708, extracto)

Anónimo disse...

"...porque nos últimos tempos a quantidade de amigos de Heliodoro não passava de uma palma da mão. Quase ninguém lhe telefonava. Quase ninguém tinha pachorra para ouvi-lo. Digo, dos amigos com que ele privara desde a juventude pouquíssimos tiveram paciência para o acompanhar nos últimos anos."
Quantos, hoje, aparecerão a reivindicar-se seus amigos e cúmplices de batalhas?

Sensualidades disse...

linda combinacao de dois mundos


jokas

PAULA

Zé Paulo Gouvêa Lemos disse...

Carlos Serra,

Quero aqui parabenizá-lo pea forma que vem homenageando a memória do recém "desaparecido" Heliodoro Baptista.
Não há Estado que melhor represente uma homenagem que se vê sincera, em um formato simples e em um espaço tão importante e representativo como é o seu blog.
Tenho pena de não ter acompanhado mais de perto, também por estar de facto fisicamente muito longe, a caminhada do Heliodoro Baptista, pois pelas suas palavras e das dos seus "comentaristas" mostra que foi um guerreiro que não lutava por amizades fáceis e sim por valores que lhe poderiam render poucas amizades.
Mais uma vez, parabéns pela sua postura.
E que o Heliodoro Baptista encontre muita boa gente lá por cima.
Zé Paulo