10 março 2009

Novos cincos de Fevereiro?

Inquieta, a nossa imprensa tem reportado a intranquilidade social surgida nomeadamente nas províncias de Cabo Delgado, Nampula e Zambézia, intranquilidade da qual tenho dado conta neste diário em várias postagens.
Pessoas acreditam que alguém prende a chuva ao céu, outras acreditam que alguém as quer matar introduzindo intencionalmente a cólera na água.
Muitos tentam perceber o que se passa. Muitos partem do pressuposto de que estamos perante actos que radicam completamente na ignorância e/ou na desinformação.
Crimes qualificados estão a ser cometidos, linchamentos têem tido curso.
Todos condenamos. Legitimamente. Condenamos - e devemos continuar a condenar - os assassinatos de pessoas inocentes.
Porém, teremos de esforçar-nos por estudar o que se esconde por trás de manifestações tão violentas, teremos de esforçar-nos para sair do jusante das coisas para entrarmos no seu montante, teremos de esforçar-nos por sermos um pouco como os médicos que em lugar de condenar uma doença linfática, por exemplo, procuram estudá-la e curá-la.
Essas manifestações são produto de insegurança, de mal-estar, de desequilíbrio social.
Deixem-me avançar uma hipótese: estamos perante novos cincos de Fevereiro, expressos de uma certa forma. Se no 5 de Fevereiro de 2008 da cidade de Maputo o protesto foi contra o aumento das tarifas dos chapas e do preço do pão, agora, lá para o centro e norte do país, o protesto é contra as mortes por cólera e contra a falta de chuvas, é contra o preço desmesurado disso tudo. No fundo, defendo, por hipótese também, que estamos perante uma linguagem política expressa sob formas culturalmente antigas, reactualizadas no envelope da magia e da feitiçaria, perante uma mensagem de protesto contra a insegurança e contra as desigualdades sociais.
À retaguarda de uma atitude aparentemente incoerente pode esconder-se a coerência terrivelmente lógica de uma carência. E esta carência, por hipótese uma vez mais, veicula menos uma crítica ao Estado do que um apelo, do que um pedido de socorro, do que uma sua maior presença junto das comunidades.
Fisionomias diferentes para uma mesma inquietação: o sentido da vida. Só são bizarras as coisas que não entendemos nem vivemos.

11 comentários:

Anónimo disse...

Pois é, o que nao entendemos e nao vivemos nao só se torna bizarro como também "objecto de contenda entre vizinhos". Lá virao os intelectuais íntegros falar da irrelevancia dos que caminham na íngreme margem da pesquisa sistémica, nas picadas do estudo contínuo, nas rampas da procura de percepcao dos fenómenos sociais. Nao se preocupe que eles sempre virao. Mas olha que eles só tomam a palavra para replicar...continuamos a espera que eles pesquisem algo e, enfim, deixem eles próprios de habitar o reino da IRRELEVANCIA
Phambeni!!!

Anónimo disse...

Prof. Serra acho interessante a hipótese que levanta. Porém, ressalta uma questao: porquê noutras regiões onde tambem ha carrencias, nao se verificam "cincos de fevereiro"? To a pensar em alguns distritos áridos da nossa província de Tete, onde a chuva parece também estar amarrada. Será que nesses, o Estado está mais presente?

Abraços

Jonito

Joaqum Macanguisse disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mário disse...

Professor!
Nós, população de Cabo Delgado, Nampula e Zambezia precisamos de orientação. Estamos em crise e esperávamos que alguém nos indicasse o caminho a seguir. Esse “alguém” não aparece, gerou-se um caos e procuramos uma saida, uma medida alternativa para sair do caos. Se acham que as medidas que nós tomámos, recorrendo ao nosso acervo de conhecimentos, à nossa interpretação tradicional, não são correctas, problema vosso.
De que nos serve o governo se não nos mostra o caminho? De que nos servem as vossas universidades? De que nos servem as vossas políticas agricolas, Se nós nos tornamos cada vez mais pobres?
Deixem-nos aliviar a tensão. Deixem-nos morrer. Quem disse que a nossa morte é pior que a vida que levamos?

Nelson disse...

Uff Mario!!! Forte esse teu curto comentario!

umBhalane disse...

"Quem disse que a nossa morte é pior que a vida que levamos?"

Fiquei siderado!!!

Estarrecido.

E, nem são precisas grandes deambulações de pensamento para entender o que está escrito, e essencialmente, o que se quis transmitir.

Forte, fortíssimo….

Carlos Serra disse...

Jonito: obrigado pela pergunta, que alguns e amiúde me têem feito. Deixe-me pensar, "tá" bem? Entretanto, procure ler o primeiro livro dos linchamentos que saiu sob minha direcçcão, especialmente o meu fecho. Que os espíritos manhungwe nos protejam.

Anónimo disse...

Caros...

Gostei da abordagem, da perspectiva...

Incrivelmente o estado da nação é bom...o país está a desenvolver imenso...

Então isto são sinais de que ? Acho que é a resposta da vida real aos papeis e estatisticas dos politicos...

Tsin Tsi Va

Anónimo disse...

Gostei do comentario Jonito e acho interessante Professor analisarmos a questão das mortes associadas a CHUVA na provincia da Zambezia.

Exemplo: Eu nasci e cresci na provincia de tete, esse fenomeno de amarar chuva não é novo, ném é novidade para mim, sempre cresci a ver e ouvir que a chuva foi amarada, etc.

Em tete sempre que se sente que vai cair a chuva (atraves do nosso conhecimento da vida quotidiana, o conhecimento do senso comum que nos guiou a vida toda)e minutos depois a chuva não cai a aparece um arco iris no céu, isso é sinónimo de que alguem amarau a chuva.

Esse fenomeno acotence sempre em tete, mas nunca ouvi nehum caso de alguem que foi morto ou lutas por causa de chuvas amradas.

Esse fenomeno tem outra dimensão, ao meu ver, POBREZA, FOME CRESCENTE, CRISE.

Carlos Serra disse...

De Nicolau Zalimba recebi um email com o seguinte teor:

CRISE SOCIAL E BODES EXPIRATÓRIOS


Bom dia Professor, é com muito prazer que venho por este meio contribuir com meus conhecimentos ( do senso comum), conhecimentos da vida quotidiana, que fui adquirindo na experiência da minha vida.

O que esta acontecer na Zambézia poderia ter acontecido em Tete por exemplo, digo isso por aquilo que vivi durante anos na minha província. Em Tete existe a crença de que indivíduos prendem a chuva nos céu's pelos seguintes motivos:

1 - Acredita-se que alguns indivíduos por se encontrarem atrasados na preparação da sua terra para cultivo prendem a chuva;
2 - Alguns porque querem concertar sua casa por que se avizinha época chuvosa.

São vários motivos, sempre que aparece o Arco Iris no céu, todo mundo acredita que alguém prendeu a chuva. Se o tempo mostra que cairá uma chuva mas minutos depois aparece o Arco Iris no Céu, todo mundo fica descansado, já se sabe que não mais caira a chuva.

Cresci ouvindo esses conhecimentos e cresci acreditando isso. Existem histórias de pessoas que fazem com que a chuva não caia no seu terreno ou sua casa, ou que faça cair apenas no seu quintal ou machamba.

E todos esses anos nunca ouvi falar em nenhum conflito.

O que esta acontecer na Zambézia pode não ser explicado pela chuva que não cai, mas pela fome, pobreza, crise que se vive, e a agricultura é o sustento dessas famílias, a falta de outros recursos pode levar as pessoas a cometerem esses crimes.

Em tete exietm regiões onde não cai a chuva como casos do distrito de changara, a Cidade de tete e aredores, zonas que anos atras eram potencias em agricultura. E nesses lugares a crença de que existem pessoas que amaram achuva existe e sempre existiu.

É só chegar em tete e perguntar as pessoas o que significa o Arco Iris no Ceu, concerteza muitos responderão que significa que alguem amarou achuva

Anónimo disse...

Obbrigado Mario, foste curto,sincero e grosso;palavras pra que???