10 setembro 2008

Brasileirando a alma (16) (continua)


Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual (...) - Oscar Niemeyer
Pela primeira vez hoje saí da periferia de Brasília e entrei no coração da cidade, no coração que tem muito de Oscar Niemeyer, arquitecto que ainda ontem à noite tive o imenso prazer e a imensa honra de escutar na televisão (completará 100 anos no dia 12 de Novembro).
Ao sair do Núcleo Bandeirante, cidade periférica, saí de algo que é profundamente táctil, humano, feito a cada instante, algo que guarda na sua ordem urbana muito da desordem do fazer humano de cada dia, muito do imprevisto desse fazer múltiplo, algo que nasceu de baixo para cima.
E ao entrar no coração de Brasília - quente, seca -, entro na ordem, em tudo o que é planificado, em tudo o que foi previsto com rigor, entro na modernidade do concreto armado, de algo que não nasceu naturalmente de baixo para cima, mas de cima para baixo, algo pensado pelo Estado e executado numa mesa de arquitecto. Sem dúvida que há lá coisas belas, há lá como que catedrais profanas - espécie de apelos geométricos a um céu distante mas complacente -, como que sonhos espantosos de humanos, mas que são coisas sem fissuras de imprevisto, coisas niveladas, coisas que assumem num ápice o selo do fantástico - mesmo se belo, como é -, do ainda não vivido. Por exemplo, ao passar pelo edifício da Procuradoria-Geral da República (na imagem), tive a sensação nítida de que passava por algo que não pertencia aos humanos, de algo tão espantoso na suas linhas arquitectónicas que parecia importado de uma outra galáxia. Mas mais: espécie de ameaça iminente, sensação de uma justiça acusadora sem alma.
O que é Brasília para mim, eu que tenho uma alma paroquial, de burgo, antediluviana? É ordem, cimento armado e uma vertigem urbana ecoando algo como o 1984 de Orwell.
Regresso ao Núcleo Bandeirante, saio do frio e entro no calor da vida humana, no viver empático, calórico, imediato, na desordem doce de plantar o imprevisto nas esquinas da vida, bela e feia, doce e acre. Aqui está, definitiva, afinal, a verdadeira curva livre e sensual de Niemeyer.
Adenda: ser-me-ia muito grato escutar a opinião de Brasileiros sobre esta minha tosca pintura.

2 comentários:

Lisa disse...

Essa modernidade do concreto armado pode ser bonita prof: Mas a mim não há nada mais bonito que as construçôes do século passado..
Não sou apologista da modernidade..
Quando se entra dentro desses edificios não há calor humano, não se sente a alma de quem os fez.
Ficamos de boca aberta pela grandeza da construção mas só isso..
Ao contrário as de, épocas passadas sente-se em cada devisão a alma, o calor, de quem os construi.

Esse é o meu ponto de vista é claro..

Abraço

Lisa

Carlos Serra disse...

Obrigado pelo seu ponto de vista, Lisa.