Termino esta breve série, destinada a colocar alguns pontos para reflexão sobre o que chamo ritos de iniciação à violência.
Um problema capital hoje diz respeito aos linchamentos, uma tecnologia política de punição e dor total, irremediável. É como se a memória dos períodos anteriores, da era colonial à era revolucionária passando pela dolorosa guerra civil, tivesse sido herdada, reactivada, tornada popular nos bairros periféricos de algumas cidades do país; é como se os espíritos dos mortos tivessem decidido que o destino dos vivos é o de manter intacta a recordação actuante e definitiva do passado; é como se, afinal, o aguilhão da violência anterior mostrasse a sua eficiência ininterrupta.
Nessa tecnologia de punição e dor extrema que é o linchamento, centenas de crianças e de adolescentes ensaiam e cristalizam desde os anos 90 os passos iniciáticos da tortura, do descarte da vida, do desprezo pelo outro, da festa catárquica.
Manifestações do pecado, disse, a esse propósito, ao semanário "O País" desta semana o bispo dos Libombos, Dinis Sengulane, em sua cristã linguagem. Mas também, em suas palavras mais terrenas, produto de "mentes armadas" (p. 6).
A expressão "mentes armadas" parece-me excelente. E, a esse propósito, recordei-me de uma outra expressão que ele usou no decorrer de uma série de discussões em que participámos juntos a propósito das manifestações de 5 de Fevereiro. Na altura, Sengulane fez uso de mais uma excelente expressão, a expressão visão bifocal, no sentido de sabermos como proceder em relação à violência violenta.
Sem dúvida: numa visão bifocal (e agora no que se segue as ideias são minhas), ver ao perto significa desencadear todo um conjunto conjuntural de acções profilácticas, sensibilizadoras, destinadas a lidar preventivamente com as mentes armadas; ver ao longe significa saber que acções a médio prazo (se não mesmo a curto prazo) são necessárias para inverter as condições sociais geradoras de violência e de armamento das mentes. De nada servirá mostrar continuadamente em inúmeras instâncias de debate e persuasão que a violência é desnecessária e nociva, se não forem desarmadas as condições sociais que armam as mentes (as margens que comprimem o rio) e que contêm, ainda, o aguilhão de épocas cuja memória permanece, seja porque ainda estão vivos os actores da violência, seja porque a memória passa como passam as tradições orais: de geração em geração, persistentemente.
Finalmente, creio ser necessária uma extrema re-atenção aos reflexos no país do aumento dos preços do combustível e dos alimentos a nível mundial.
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