Com Karl Marx aprendemos a estudar as desigualdades sociais através das mercadorias e das relações políticas; com Sigmund Freud aprendemos a estudar o inconsciente que tantas vezes influencia o nosso comportamento formalmente consciente; com Pierre Bourdieu (na imagem à esquerda) - frequentemente referido neste diário - aprendemos a estudar os múltiplos mecanismos produtores e reprodutores de dominação nas relações, nas palavras, nos gestos e nos cerimoniais do dia-a-dia. Três exercícios de subversão dos processos naturalizantes do social. Ficar-me-ei aqui apenas em Pierre Bourdieu (falecido a 23 de Janeiro de 2002), o sociólogo francês que continua, hoje ainda, a suscitar um enorme debate, uma grande controvérsia e, claro, uma crítica permanente. Cientista com uma enorme prática de pesquisa empírica, cientista que jamais fez da sociologia uma instância de autoridade acima de si e da sua forma de pensar a sociedade, cientista que jamais trocou a sociologia de terreno pela opinião - sistematicamente doutrinal - disfarçada de sociologia, cientista que nunca escondeu o activismo social em prol dos oprimidos de todos os tipos, cientista que respondia aos seus inúmeros críticos com novas pesquisas e novos artigos e livros, cientista que marcou com o seu livro A Miséria do Mundo (um excepcional documento produzido em equipa e divulgado em 1993) um marco fundamental na reflexão sobre o destino das sociedades e das ciências e dos cientistas sociais, cientista que sempre se interrogou e investigou sobre os mecanismos produtores e reprodutores do poder e da dominação política e simbólica a todos os níveis, Pierre Bourdieu merece que não o esqueçamos, especialmente numa era na qual - como escreveu alguém - se tornou corrente (creio que não só em França) um novo tipo de intelectual, o deferente. Permitam-me sugerir-lhe que, em meio à vasta obra de e sobre Bourdieu, leia, sobre ele, um trabalho crítico do filósofo, também francês, Jacques Bouveresse (autor da expressão intelectual deferente), publicado na versão brasileira do Le Monde Diplomatique.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
2 comentários:
(cientista que nunca escondeu o activismo social em prol dos oprimidos de todos os tipos), sim, mas: ‘Good causes’are not substitute for epistemological justifications and do not allow one to dispensate with the reflexive analysis which sometimes leads to the discovery that the propriety of ‘good intentions’ does not necessarily exclude an interest in the profits associated with fighting a good cause…, the fact remains that the best of political movements will inevitably produce bad science, and, in the long run, bad politics, if it is not able to convert its subversive dispositions into a critical firstly of itself. P. Bourdieu (2001) Male domination. Cambridge: Polite Press, pp. 113-14.
C´est pas par hasard votre commentarire, mon cher ami...
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