Quando em 2004 se realizaram as eleições presidenciais e legislativas e Armando Guebuza se tornou o candidato presidencial da Frelimo, partido no poder, dois fenómenos mapeavam a geografia política do país.
Em primeiro lugar, um crescente peso de Afonso Dhlakama e da Renamo nas preferências votais dos Moçambicanos. Assim, quando a 22 de Dezembro de 1999 a Comissão Nacional de Eleições anunciou os resultados das eleições de 3/5 de Dezembro, verificou-se que o presidente Chissano da Frelimo teve 52,29 % de votos e Afonso Dhlakama 47.71%, uma diferença pouco abonatória para o primeiro. Enquanto isso, para as legislativas, a Frelimo teve 48,54% dos votos (ganhando 133 assentos na Assembleia da República) e a Renamo 38,81% (ganhando 117 assentos). Duas novidades: Chissano venceu oficialmente por apenas cerca de 400 mil votos e a Renamo venceu em seis províncias do Centro/Norte (Niassa, Nampula, Zambézia, Tete, Manica e Sofala), com a novidade de ter ganho Niassa, um dos berços da luta armada de libertação nacional dirigida pela Frelimo, ficando esta unicamente com as cinco províncias do Sul. Isto era e foi surpreeendente, dado que a Renamo sempre foi considerada a fautora da guerra civil de 1976/1992 e a responsável pelos massacres e pela destruição que quase arruinaram o país.
Em segundo lugar, uma grande insatisfação popular com a injustiça e a corrupção larvando em todo o país a todos os níveis.
Assim, a crescente renamização do eleitorado e a insatisfação popular reinante (sendo possível estabelecer-se uma co-relação entre ambos os fenómenos) ajudam a compreender a necessidade sentida no seio da Frelimo de encontrar um timoneiro capaz de medidas drásticas, renovadoras, samorianas, um líder carismático. A escolha de Guebuza para candidato presidencial foi, claramente, uma tentativa, de resto bem sucedida na campanha eleitoral, para travar a Renamo e reerguer o ânimo popular.
A Frelimo e Guebuza reduziram o fosso das direcções votais de forma clara, com um estilo samoriano de campanha, ainda que as eleições tenham, uma vez mais, sido marcadas por fraude. Quando em Janeiro de 2005 Guebuza se tornou presidente da República, o terceiro na história do país após Samora Machel (1975/1986) e Joaquim Chissano (1986/2004), o estilo e as promessas de campanha puseram-se em marcha.
A era guebuziana é, de forma vincada, um regresso do samorismo que não pode, porém, perder de vista o chissanismo.
O estilo intervencionista, a muliplicação da figura do dirigente carismático, inspector e punidor recordando as ofensivas políticas e organizacionais dos anos 80, o regresso do sonhos milenaristas (combater e vencer a pobreza "absoluta"), a preocupação com os anseios populares, o reinado ressurgido do peso da palavra interventora, as decisões rápidas e arbitrárias, a pressa de tudo resolver em luta contra a espessura do chamado deixa-andar chissânico, tudo isso constitui a matéria-prima, o combustível de uma era que é uma espécie de sobressalto samoriano com o lastro chissaniano.
Ainda preciso de mais tempo para aprofundar as ideias e as hipóteses que aqui vou deixando, mas tenho para mim que o guebuzismo é, de forma clara, o produto de uma preocupação política evidente, tal como a enunciei mais acima, com os dois fenómenos que já enunciei: crescente prestígio da Renamo e insatisfação popular.
O regresso ao estilo samoriano de governação faz-se com a "ressurreição dos mortos" (estilo samoriano), como diria Marx, para que a nova luta seja magnificada e a imaginação popular reganhada. Não foi por acaso que Samora Machel foi tão recordado o ano passado em múltiplas cerimónias e na imprensa oficial. Não é por acaso que ainda hoje Samora é considerado nos bairros populares como o salvador da nação.
E assim temos o guebuzismo samorizado (com as características acima apontadas) no leito do chissanismo, um leito que tem por húmus o capitalismo de Estado e por modelo de exibição as regras formais do Estado de direito.
O guebuzismo é um braço messiânico entalado no corpo chissânico. Quer correr quando o passado exige que ande devagar. É, portanto, o exercício de uma fase de transição cujo passado ainda existe e os contornos do futuro ainda não nasceram. Armazena, por consequência, a vibração de um desejo e a tensão dos fenómenos por resolver.
As atitudes, as posturas correctivas, o imediatismo visível nas decisões são como que o protesto samoriano em meio chissaniano. O povo exige, nós corremos para o escutar. Temos a vertigem dos horizontes nas savanas expectantes.
Em primeiro lugar, um crescente peso de Afonso Dhlakama e da Renamo nas preferências votais dos Moçambicanos. Assim, quando a 22 de Dezembro de 1999 a Comissão Nacional de Eleições anunciou os resultados das eleições de 3/5 de Dezembro, verificou-se que o presidente Chissano da Frelimo teve 52,29 % de votos e Afonso Dhlakama 47.71%, uma diferença pouco abonatória para o primeiro. Enquanto isso, para as legislativas, a Frelimo teve 48,54% dos votos (ganhando 133 assentos na Assembleia da República) e a Renamo 38,81% (ganhando 117 assentos). Duas novidades: Chissano venceu oficialmente por apenas cerca de 400 mil votos e a Renamo venceu em seis províncias do Centro/Norte (Niassa, Nampula, Zambézia, Tete, Manica e Sofala), com a novidade de ter ganho Niassa, um dos berços da luta armada de libertação nacional dirigida pela Frelimo, ficando esta unicamente com as cinco províncias do Sul. Isto era e foi surpreeendente, dado que a Renamo sempre foi considerada a fautora da guerra civil de 1976/1992 e a responsável pelos massacres e pela destruição que quase arruinaram o país.
Em segundo lugar, uma grande insatisfação popular com a injustiça e a corrupção larvando em todo o país a todos os níveis.
Assim, a crescente renamização do eleitorado e a insatisfação popular reinante (sendo possível estabelecer-se uma co-relação entre ambos os fenómenos) ajudam a compreender a necessidade sentida no seio da Frelimo de encontrar um timoneiro capaz de medidas drásticas, renovadoras, samorianas, um líder carismático. A escolha de Guebuza para candidato presidencial foi, claramente, uma tentativa, de resto bem sucedida na campanha eleitoral, para travar a Renamo e reerguer o ânimo popular.
A Frelimo e Guebuza reduziram o fosso das direcções votais de forma clara, com um estilo samoriano de campanha, ainda que as eleições tenham, uma vez mais, sido marcadas por fraude. Quando em Janeiro de 2005 Guebuza se tornou presidente da República, o terceiro na história do país após Samora Machel (1975/1986) e Joaquim Chissano (1986/2004), o estilo e as promessas de campanha puseram-se em marcha.
A era guebuziana é, de forma vincada, um regresso do samorismo que não pode, porém, perder de vista o chissanismo.
O estilo intervencionista, a muliplicação da figura do dirigente carismático, inspector e punidor recordando as ofensivas políticas e organizacionais dos anos 80, o regresso do sonhos milenaristas (combater e vencer a pobreza "absoluta"), a preocupação com os anseios populares, o reinado ressurgido do peso da palavra interventora, as decisões rápidas e arbitrárias, a pressa de tudo resolver em luta contra a espessura do chamado deixa-andar chissânico, tudo isso constitui a matéria-prima, o combustível de uma era que é uma espécie de sobressalto samoriano com o lastro chissaniano.
Ainda preciso de mais tempo para aprofundar as ideias e as hipóteses que aqui vou deixando, mas tenho para mim que o guebuzismo é, de forma clara, o produto de uma preocupação política evidente, tal como a enunciei mais acima, com os dois fenómenos que já enunciei: crescente prestígio da Renamo e insatisfação popular.
O regresso ao estilo samoriano de governação faz-se com a "ressurreição dos mortos" (estilo samoriano), como diria Marx, para que a nova luta seja magnificada e a imaginação popular reganhada. Não foi por acaso que Samora Machel foi tão recordado o ano passado em múltiplas cerimónias e na imprensa oficial. Não é por acaso que ainda hoje Samora é considerado nos bairros populares como o salvador da nação.
E assim temos o guebuzismo samorizado (com as características acima apontadas) no leito do chissanismo, um leito que tem por húmus o capitalismo de Estado e por modelo de exibição as regras formais do Estado de direito.
O guebuzismo é um braço messiânico entalado no corpo chissânico. Quer correr quando o passado exige que ande devagar. É, portanto, o exercício de uma fase de transição cujo passado ainda existe e os contornos do futuro ainda não nasceram. Armazena, por consequência, a vibração de um desejo e a tensão dos fenómenos por resolver.
As atitudes, as posturas correctivas, o imediatismo visível nas decisões são como que o protesto samoriano em meio chissaniano. O povo exige, nós corremos para o escutar. Temos a vertigem dos horizontes nas savanas expectantes.
Digamos, sempre multiplicando as imagens, que Guebuza é Samora abraçado a Chissano. Do primeiro recebe o impulso, do segundo os limites; Samora era o pai fundador do socialismo moçambicano, Guebuza é o continuador de Chissano no reforço do capitalismo de Estado que colhe em Samora a tinta que sobrou da casa socialista; Guebuza é uma bissectriz, é uma antífrase, é, para fazer uso da física quântica, uma "desordem" samoriana regida pela "ordem" chissaniana.
Finalmente: a grande movimentação a todos os níveis do Partido Frelimo tem um duplo sentido, em primeiro lugar a preocupação política com Dhlakama e com a Renamo e, em segundo, a aposta em eliminar politicamente a robustez da oposição. Aqui, o sibindysmo joga um papel interessante em sua função de auto-ariete.
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Pode acontecer que eu regresse a este texto e o modifique, como muitas vezes faço neste diário.
1 comentário:
Tenho acompanhado com um emotivo interesse as suas hipoteses de interpretação da história política recente do nosso país.Chegada á (6) parte decidi dar vazão a algumas ideias que gostaria de partilhar consigo Prof e restantes visitantes,sempre dentro esse espirito de criatividade de ideias que anima este seu magnifico blog.Também sem investigação consolidada,num esforço apenas de ordenamento de ideias que poderão servir para uma futura investigação.Começarei pela parte (3) samoriana (A. de Bragança) com a qual estou de acordo com aquilo que me parece serem as teses centrais: urgência da mudança,estigmatizar o passado colonial e projecto de um futuro igualitário.Há obviamente nestas teses,e aquí perdoe-me Prof pelo meu abusivo juízo,uma relação entre os meios (mudança,diabolização do colonialismo) e os fins a atingir (igualitarismo).Só que a esta relação,aparentemente justificável do ponto de vista moral e político no contexto de então,se sobrepõe/justapõe uma outra relação apenas decifrável na trama estonteante da Revolução,mas também de “meios para atingir os fins”,e que resumiria com a seguinte formula:
a) monopólio do poder pós-independência pelo movimento de libertação FRELIMO.Por isso o reconhecimento de outras forças políticas,eleições livres depois do periodo de transição,entre outros,foram temas quase afastados das negociações que conduziram aos Acordos de Lusaka.Mais grave ainda foi a cúmplicidade entre o governo português e a FRELIMO na eliminação física/massacre de uma parte da elite política nacional (Simango,Joana e outros); b) substituição das elites (pequena-burguesia nacional emergente a partir dos anos 60,concessão tardia do colonialismo português).E aquí entrariam o despotismo do arbritrário (puro pleonasmo meu),o
“matar o crocodilo no ovo,a personagem normativa do xiconhoca,as lojas dos dirigentes,a ruralização da admnistração do Estado,etc; c) e finalmente a legitimação da chamada “vocação histótrica da FRELIMO” com o propósito de eternizar o seu poder pela via da simbiose, muito em voga na África pós-colonial,entre as formas de poder tradicional em que as hierarquias (sobretudo o Chefe) se ligitimam frequentemente por via da filiação clanica,gerontocrática,etc,e as formas modernas de totalitarismo desenvolvidas pelas revoluções socialistas euro-asiáticas.A manipulação da história do nacionalismo moçambicano e da própria história da FRELIMO,a escolha selectiva dos herois da resistencia á penetração colonial,a visão de Samora sobre a sua sucessão (ver último livro de A.Santos) e o paroxismo delirante do mesmo Samora quando pede que se investigue sobre a sua suposta linhagen real (do Reino de Gaza) que Fernando Ganhão,primeiro Reitor da UEM, poderá descrever melhor.Concluíndo Prof, convido a todos a recrear o contexto do nosso país dos anos 70,prévios á Independência: guerra colonial,controlo efectivo de pouco mais de 1/3 do territótio nacional pelo movimento de libertação,o efeito inesperado da Revolução dos Cravos, uma pequena-burguesia nacional relativamente acomodada (negros e mestiços na sua maior parte integrantes da admnistração colonial...mas nem por isso menos nacionalistas),uma economia,que embora sob os efeitos da guerra,havia atingido o seu apogeu numa região dominada inteiramente por economias de mercado,e uma cultura urbana - pese a discriminação racial – relativamente enraízada.Que fazer¿ (continua ainda a preguntar Lenine no seu sarcófago...) para retirar os dividendos de 10 anos de luta? Resposta:uma Revolução. Por outras palavras, “a pureza e justeza” do projecto igualitario só existiu realmente na mente do escritor de versos Jorge Rebelo e alguns revolucionarios románticos.Os outros,a grande maioria,tinha outro desenho que de resto ficou comprovado pelos factos que se seguiram até á actualidade.Aquele abraço amigo Prof.,com promessa que voltarei sempre que encontrar tempo...Tempo,esse grande mestre das esferas do real.AOS
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