17 abril 2007

Passageiros incómodos no comboio de Guebuza

Todos os comboios presidenciais levam passageiros cómodos e incómodos. Em qualquer parte do mundo. Deixem-me enunciar as coisas assim, nada sociológicas, para escrever um pouco sobre os passageiros do comboio do presidente Guebuza.
Não me interessam os passageiros cómodos desse comboio.
Também não me interessam todos os passageiros que, em minha opinião, são incómodos nesse comboio.
Apenas me interessa salientar, por agora, quatro dos passageiros incómodos. A saber:
1. Picos de cheia no vale do Zambeze. Milhares de pessoas ficaram em situação dramática. Pode acontecer que esses picos de cheia não tenham sido naturais, mas socialmente provocados na barragem de Cabora-Bassa. O eng.º José Lopes chamou a atenção para isso. Depois, a oposição pediu uma comissão de inquérito na Assembleia da República. Mas como o pedido vinha dela, a bancada da Frelimo chumbou-o com o argumento de que não havia razões para o inquérito (siga as peripécias no portal mais atrás indicado).
2. Explosões no paiol de Malhazine. Mais de uma centena de mortos e mais de 500 feridos. Desta vez vez o presidente nomeou uma comissão de inquérito. Os membros da comissão detectaram negligência grave à retaguarda da tragédia. Mas não há, por agora, qualquer indício de responsabilização face a um fenómeno que data de 1985 (quando das primeiras explosões) e que este ano ocorreu por duas vezes, a última das quais com o saldo trágico referido. O que há, para além do apelo às causas naturais da tragédia, é quem, numa tentativa para atenuar a gravidade do fenómeno e a indignação popular, tenha dito que houve responsabilidade e demissão colectivas.
3. Saque das florestas. Todos os anos, das mais variadas formas, a nossa imprensa tem dado a conhecer como a corrupção mina os esforços para que haja uma gestão florestal sustentável. Relatórios diversos têm mostrado a mesma coisa, não obstante o grande esforço oficialmente feito tendente a minimizar as denúncias e a mostrar que o nível de abate é muito inferior às metas fixadas pelo Estado. Também aqui nunca houve um inquérito.
4. Linchamentos na periferia da cidade de Maputo. Os linchamentos tiveram o seu início nos anos 90, sofreram um interregno e ressurgiram em 2006. Mais do que uma manifestação de desordem irracional, os linchamentos devem ser encarados com um protesto contra a pobreza multilateral, contra a desordem e contra a ineficiência do Estado ao nível dos tribunais e da polícia. Neste caso - e felizmente -, a Unidade de Diagnóstico Social do Centro de Estudos Africanos estuda o fenómeno.
Finalmente, um aforismo: um Estado é tanto mais respeitado quanto mais ouve os seus cidadãos e menos se ouve a si.
Corremos, no país, o risco do autismo político.

2 comentários:

Patricio Langa disse...

“Mais do que uma manifestação de desordem irracional, os linchamentos devem ser encarados com um protesto contra a pobreza multilateral, contra a desordem e contra a ineficiência do Estado ao nível dos tribunais e da polícia”.

Não seria mais apropriado, e menos normativo, formular em termos de hipótese está – hipótese, passe a redundância? É que, por exemplo, a descrição do último (?) linchamento, ontem, em Kongolote parece ter outros elementos distintos do proposto nesta hipótese. Pode ser que as mesmas pessoas que incitam e perpetuam este tipo de acto criminoso e se escudem por detrás da ideia de cólera colectiva sugerida pela hipótese.

ninozaza disse...

Nenhum destes passageiros, provavelmente saíra do comboio presidencial nas paragens efectuadas pelo PR. Isto porque, existe um passageiro VIP que o PR não sew cansa de evocar que é a pobreza absoluta, portanto, todo o seu discurso esta em volta deste passageiro.
Muita pena porque assim o PR recusa-se a olhar para além do seu umbigo e abrir por conseguinte hipoteses amplas.