Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
25 outubro 2006
Perguntas e perguntas às perguntas
Passamos a vida a querer saber as causas dos fenómenos. Se existe o fenómeno B tem de haver necessariamente uma causa A.
E se os fenómenos nos parecem extraordinários, fora do comum, então as nossas perguntas tornam-se desesperadamente etiológicas, somos encaminhados para o reino das causas das doenças sociais.
Por exemplo: qual a causa ou quais as causas dos linchamentos?
Nos últimos dias dezenas de pessoas preocupadas têm estado na rádio e na televisão martelando, a maior parte delas, numa causa linear, simples, pronta a vestir: os linchamentos são actos de pessoas cansadas da falta de protecção policial. Alguns, mais etiológicos, avançam logo teorias vastas do género: os linchamentos são produto da anomia social.
Depois, surge a terapêutica. Quase todos estão de acordo: é preciso punir severamente os linchadores, é preciso uma acção policial enérgica, é preciso punir os assassinos, julgá-los.
Resumindo, o quadro é este:
-Fenómeno: linchamentos
-Causa: polícia incapaz
-Solução: polícia enérgica, tribunais actuantes
Como reparam, tudo isso é claro, nada opaco. Estamos perante a fascinante situação de sabermos tudo a montante e a jusante do fenómeno, nada falha entre a causa e a solução.
E como somos dotados da rara qualidade de sabermos sem necessidade de sabermos, até nem precisamos de nos perguntar se sabemos o que sabemos e fazemos saber.
Fazer perguntas, todos as fazemos. Fazer perguntas às perguntas já é um pouco mais difícil.
Por exemplo: Por que razão a senhora, o senhor diz o que diz? A senhora, o senhor estudou o fenómeno? Quanto tempo o esteve a estudar? Onde? Que métodos usou? Falou com moradores? Com quantos? Quais os seus perfis sociais? Teve a oportunidade de falar com linchadores? Com quantos? Por quanto tempo? Qual a amostra de bairros que estudou? Quais as suas características sociais? Falou com a polícia? Que perguntas fez e que respostas obteve? Tem a certeza de que tudo se resume a um protesto contra a ausência da polícia ou contra a sua ineficácia ou contra a sua corrupção? Previu outro tipo de fenómenos? Por que propõe uma acção policial enérgica? O que exactamente significa isso? Avaliou as consequências do que propõe? De que maneira?
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2 comentários:
-Fenómeno: linchamentos
-Causa: polícia incapaz
-Solução: polícia enérgica, tribunais actuantes.
..."
… e eu, na minha humilde forma de fazer perguntas, pq ás vezes sei respostas, mas já muito cansada de não ver soluções, dou-me a pensar em alta voz ... deparei-me com esta "trigonometria" fenomenal e simples, de fazer ver o que realmente se passa, sem perguntar, apenas fazendo acordar.
Nos entretantos, durmo todas as noites a pensar, que é desta que estou no meio do meu sono, e me entram de novo no meu quarto, dois indivíduos armados e me sacam tudo de valor que tenho em casa, inclusive as alianças dos meus pais, os dois já falecidos… um dia esta sensação passa-me, espero que até lá, não me linxem no meio do meu quarto no meu do meu sono no meio da minha vida.
Aqui fica a minha humilde definição de linchamento: acto desesperado de revolta massiva, de se tirar uma vida que teimou em tirar outras vidas.
Nunca deixarei de estar atento a depoimentos como o seu, Su. Vá lendo a série que hoje aqui comecei e tente acompanhar o que eu e outros dirão próximo domingo, 11.30,TVM.
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