22 outubro 2006

Das minissaias às tchuna-babes passando pelas melissas


Com a independência do país, em 1975, o fundamentalismo moral fez das jovens que usavam minissaias o seu alvo punidor. Casais de mão dada na rua era logo acusados de corrupção sexual.
Nos anos 80, vendiam-se na Interfranca, onde as compras se faziam em dólares, sandálias brasileiras chamadas melissas. Usá-las equivalia de imediato, para as nossas jovens, ao epíteto de prostitutas.
Lembro-me bem de ambos os fenómenos.
Ultimamente são as tchuna-babes, também brasileiras, que são motivo de inquietação para os mais velhos e obstinados guardiões da moral (leiam as cartas de leitores que, a esse propósito, frequentemente surgem no diário "Notícias"). Ajustadas ao corpo das nossas jovens, as tchuna (=bonito) deixam entrever a superfície das calcinhas, ao estilo da cantora Britney Spears. Mas por quê tanta raiva pelo corpo das jovens?
"O que está em causa é, mais uma vez, o controle das mulheres, do seu corpo, a ausência dos seus direitos sexuais e reprodutivos, em nome de uma moral e de uma tradição estática e desconhecida, elaborada e reproduzida pelos que detêm o poder”, esta a posição da minha colega Isabel Casimiro.
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Portal que serviu de informação para esta entrada, incluindo a fotografia:
http://www.sida.org.mz/index.php?option=com_content&task=view&id=147&Itemid=77
Recordo que existem neste diário várias entradas referentes às tchuna-babes.


12 comentários:

Anónimo disse...

Recorrendo ao raciocínio de Foucault em "vigiar e punir" pode-se dizer que é pelo facto de as mulheres estarem tão sujeitas ao olhar do Outro, à observação e ao comentário alheio, que os seus comportamentos se tornam reprimidos.

Carlos Serra disse...

O seu recurso a Foucault parece-me excelente. Abraço!

Carlos Serra disse...

João Feijó: por favor, mande-me de novo o email com a tese, pois houve aqui um problema e perdi o que me enviou. Obrigado!

Egidio Vaz disse...

A sua questão merece mais discussão:
"Mas por quê tanta raiva pelo corpo das jovens?"
R1. Tratar-se-ia mesmo de "raiva"?
A resposta de Feijó parece-me razoável apensar de suscitar mais desconfiança: será apenas o corpo das mulheres que não escapa à vigilância dos olhares o "Outro"? E para já, em que termos considerariamos a palavra "Observação e comentário alheio"? lembro-me, já agora, do NHANGO, rito de passagem dos jovens de Niassa, muitas vezes feito contra a vontade destes últimos porque doloroso e lisivo ao calendário escolar.Não se trata também da vigilância que se lança aos jovens? Aliás, essa vigilância continua até que o jovem case. Aí, passa a pertencer ao grupo dos mais velhos.
Gostava de dar uma resposta provisória (provocativa) à questão do Professor.
As mulheres são mais susceptíveis ao olhar e comentário alheios por serem fundamentais à reprodução social. Portanto, não se trata de raiva mas sim atenção. Só que, infelizmente, esse "zelo" não é acompanhado por medidas compensatórias (controlo dos homens pelos homens para proteger a mulher). Daí que a mulher se torna numa espécie de presa, válvula de escape. (À maneira dos linchamentos, onde todos pretendem expressar a sua ira.)

Anónimo disse...

Talvez a fronteira entre a raiva, a atenção, o desejo, a inveja e o ciúme seja aqui bastante ténue. Também concordo com a perspectiva que as mulheres são mais susceptíveis ao olhar e comentário alheios por serem fundamentais à reprodução social. Julgo ser essa a perspectiva de Engels, na análise da origem da família, da propriedade e do Estado. Reclamando o seu papel na fecundação, e dado o interesse no domínio dos territórios e na reprodução das riquezas, os homens esforçam-se por criar as condições que lhes garantam a passagem dos seus bens para os seus filhos. Seria aí que estes interferem nas questões reprodutivas por intermédio do controlo do corpo das mulheres. Um abraço.

Carlos Serra disse...

Egídio, "raiva" foi usado como termo brincalhão. Toda a nossa vida é marcada, a vários níveis, pela vigilância, nossa e exterior. No caso das mulheres, nós, homens, mas tb as mulheres mais idosas,por hipótese, somos profundamente vigilantes do corpo das jovens, da sua sexualidade, especialmente da exposta, sexualidade que, em todos seus matizes repressivos, está belamente tratada em Foucault. O Egídio fala em reprodução social, provavelmente tem razão. Mas creio que a Isabel coloca o dedo na ferida.Abraço.

Carlos Serra disse...

Existem algumas boas obras sobre o privilégio cognitivo androcêntrico. Apesar de todas as críticas que lhe foram feitas, "A dominação masculina" de Bourdieu continua a ser um clássico a todos os níveis, em meu entender, especialmente no que concerne à maneira como ele chamada a atenção para a forma como os dominados (mulheres compreendidas) acabam por aceitar a dominação auto-dominando-se. Creio que já deve haver um livro tb de Touraine, há 4 anos atrás assisti à aula inaugural dele em Paris a propósito justamente da...dominação masculina. E ele começou assim: "La femme ça n´existe pas"= a mulher não existe, forma irreverente de iniciar o seminário e de provocar logo murmurinhos nas mulheres que assistiam.

Carlos Serra disse...

Ok, João, acabo de receber de novo a tese, muito obrigado, farei aqui uma referência.

Carlos Serra disse...

Ainda sobre o livro de Bourdieu, permito-me recordar as páginas brilhantes sobre a sociedade kabila mediterrânica, mostrando as estruturas simbólicas do "incosnciente androcêntrico" que sobrevive nos homens e nas mulheres de hoje.

Carlos Serra disse...

João: diga-me se a tese já foi defendida e onde. Diga-me tb se posso aqui, no blogue, criar condições para que ela possa ser conhecida. Obrigado.

Anónimo disse...

O mestrado em Relações Inter-Culturais foi realizado na Universidade Aberta no Porto (apesar de, no meu caso, ter implicado uma espécie de programa Erasmus de meio ano na universidade de Jyväskylä na Finlândia. Tratou-se de uma pós-graduação em Intercultural Communication). A tese ainda não foi defendida. Julgo que o será no início do próximo ano. Se o professor considerar que o trabalho tem interesse claro que o pode disponiblizar no seu blog. Também acho que estes trabalhos devem ser tornados públicos, lidos e comentados. O Diário de um Sociólogo constitui, de facto, uma óptima plataforma de divulgação. Um abraço. João

Carlos Serra disse...

Obrigado, João. Mandei cópia da sua tese ao PCA do Savana. Abraço.