20 fevereiro 2011

Mal-estar na civilização (2)

"Todas as relações fixas e enferrujadas, com o seu cortejo de vetustas representações e intuições, são dissolvidas, todas as recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo o que era das ordens sociais e estável se volatiliza, tudo o que era sagrado é dessagrado, e os homens são por fim obrigados a encarar com olhos prosaicos a sua posição na vida, as suas ligações recíprocas."
O ano passado, greves gerais agitaram a Europa, multidões surgiram nas ruas. Agora, multidões manifestaram-se e manifestam-se no norte de África e no Médio Oriente. Ei seis perguntas de fundo: (1) estamos perante um mesmo tipo de crise?, (2) se sim, que tipo de crise?, (3) que tipo de actores protesta?, (4) os protestos são contra o quê e quem?, (5) quais as características dos protestos?, (6) qual o futuro dos protestos?
Uma introdução neste segundo número da série: corremos sempre um grande problema quando adoptamos um julgamento de ordem tão geral que - socorrendo-me de uma frase do livro de Freud citado no número inaugural - "esquecemos a grande diversidade de seres e de almas". Se tomarmos como quadro de referência a Europa, o norte de África e o Médio Oriente, estamos, sem dúvida, confrontados com muitas diferenças de percurso histórico e social. Portanto, sustentar que Europa, norte de África e Médio Oriente passam por um mesmo tipo de crise e de problemas em si (ou de que, tão-somente, o problema se resume a jovens que se rebelam contra velhos dirigentes) parece ser um incómodo julgamento geral do tipo indicado. Mas acontece que se o modo capitalista de produção é um produtor e reprodutor por excelência de desigualdades sociais, tem, porém, uma virtude identitária global: incessantemente, une continentes, países e povos com mecanismos de comunicação, mercadorias, ideias e sonhos. E, fazendo-o, dota-os, afinal, de um mesmo sistema de produção e de reprodução sociais que dilui, que dissolve em permanência diferenças e fronteiras, mesmo as mais sólidas.
Prossigo mais tarde.
(continua)
Adenda: o título é o de um livro de Sigmund Freud.

2 comentários:

V. Dias disse...

Sobre a crise na Europa sugiro que leia:

http://atamamoriya.wordpress.com/2010/07/12/colapso-na-uniao-europeia-pelo-corte-dos-deficits-publicos/

ou ainda, em último caso, leia os economistas Jean Paul Fitousse e Manuel Branco Court em: Economics Versus Human Rights, este último meu docente na Universidade de Évora.

Estou agora sem tempo para escrever mais, mas gostaria de encorajar o professor Serra para continuar com esta série, porquanto tem a ver com a minha área de estudo. É muito interessante.

Zicomo

Xiluva disse...

Sim senhor grande série a correr!