10 maio 2007

A racionalidade dos ladrões do desenvolvimento (4) (continua)

O investigador Bayano Valy escreveu o seguinte comentário numa entrada minha a propósito do roubo de água mineral. Sublinhei a vermelho as passagens que me interessam:
"Há sensivelmente dois anos fazia uma tournée pela Tanzania na companhia de alguns jornalistas moçambicanos. Em Arusha deparei-me com vários técnicos da SADC, que lá estavam num seminário sobre o ambiente. Estavam a debater a monitoria da implementação da Convenção de Estocolmo sobre os Poluentes Orgânicos Persistentes (POP), que visa a eliminação segura e a diminuição da produção e da utilização destas substâncias nocivas para a saúde humana e para o ambiente. A medida deve ser feita de forma gradativa até 2025 e definitivamente até 2028. Ao todo são 12 os químicos - chamados por Dirty Dozen - visados pela Convenção de Estocolmo. O que é que isso tem a ver com o roubo do óleo nos transformadores? É que o óleo dos transformadores contém os bifenilos policlorados (PCB), que são visados pela convenção. Na Tanzania, por exemplo, sabe-se que as populações pobres utilizam o óleo para cozinhar e as mulheres usam-no para embranquecer a pele. O que a Convenção pretende é que os transformadores sejam substituídos por outros que não contenham o PCB. A SADC, sem excepções, assinou a Convenção de Estocolmo em Maio de 2001. O que posso especular é que as populações roubam o óleo para usarem-no na cozinha. Não vejo as nossas mulheres a utilizarem-no como produto de beleza."

3 comentários:

Carlos Serra disse...

No número 1 desta série, Bayano Valy introduziu o seguinte acréscimo: "Esqueci-me de referir que o PCB é um químico tóxico e tem consequências nocivas à saúde e ambiente."

10/5/07 5:10 PM

Anónimo disse...

Alguém disse um dia: “ NÃO NOS ENGANEMOS: HÁ PAÍSES E POVOS SUBDESENVOLVIDOS E NA MISÉRIA PORQUE O HOMEM É ELE PRÓPRIO SUBDESENVOLVIDO”.
No meu entender, esta é a questão de fundo! O roubo de cantoneiras, de cabos eléctricos e telefónicos, de óleo mineral dos transformadores, de bombas manuais dos furos de água junto às comunidades rurais ao longo do país; colocar sete milhões nas mãos de alguém sem definir para quê, e tantas outras coisas no mínimo estranhas são, em síntese, subdesenvolvimento, igual a PERPETUAÇÃO da pobreza.
Como se combate? (referência ao meio rural): Nos últimos anos do período colonial existia na então Direcção Provincial de Agricultura, ali onde hoje funciona o Ministério da Agricultura, uma DIRECÇÃO DE SOCIOLOGIA AGRÁRIA, cujo Director era um por um Sociólogo, que tinha como missão coordenar uma equipe multidisciplinar, que actuava sobre o agregado familiar no seu todo: (1) o técnico agrícola; (2) a assistente social; (3) a professora; (4) a enfermeira; (5) outros técnicos. O objectivo era levar o conhecimento ao agregado familiar: produzir mais (crescimento económico) PARA melhorar a dieta alimentar, os cuidados de saúde e higiene, o vestuário, comprar material escolar etc, (desenvolvimento). Simultaneamente, essas equipas promoviam o associativismo rural, começando pelos armazéns comunitários, evoluindo para a pré-cooperativa e depois para as cooperativas de produção, transporte, etc. Há exemplos com resultados interessantes, em particular na zona sul do país. A ofensiva de ESCANGALHAMENTO do aparelho de Estado colonial, MAIS a ideia sacrílega de poderem prosperar sistemas cooperativos do tipo capitalista: cooperativas de produção, aprovisionamento de factores de produção e materiais de construção; de comercialização da produção dos associados, abortou o trabalho até então realizado; a propriedade colectiva dos meios de produção não vingou.
Confesso que desconheço se este tipo de acção global, de olhar para a família camponesa como um “projecto”, se insere hoje em algum dos programas de extensão rural, ou de desenvolvimento.
Parece-me, contudo, prevalecer uma certa confusão entre o conceito (i) FOMENTO /ENQUADRAMENTO dos camponeses para a produção de mais algodão, tabaco e outras culturas (sem as quais as industrias transformadoras não sobrevivem), com possibilidade de mais receitas, utilizadas, em grande parte, em mau consumo, não reprodutivo, perpetuando o subdesenvolvimento, e (ii) o conceito de DESENVOLVIMENTO rural, de incremento do bem estar do agregado familiar no seu todo, mediante a difusão de conhecimentos que induzem ao bom consumo.
Um abraço
Florêncio

Carlos Serra disse...

E eu que não sabia da Direcção de Sociologia Agrária...Excelente ideia.