07 maio 2007

Frelimo abandonou os trabalhadores? (2) (fim)


No IXº Congresso da Frelimo, realizado o ano passado em Quelimane, estiveram presentes 1326 delegados, dos 1.345 previstos, tendo faltado 19 por motivos considerados justificados. Num efectivo com 470 delegados pertencentes aos aparelhos do Estado e 276 ao aparelho partidário, apenas estiveram representados 9 operários e 9o camponeses. Mas os empresários eram 29 e os "proprietários" (assim se auto-descreveram) 19.
Naturalmente que não é a presença de um número significativo de trabalhadores num partido que o dota de uma postura defensora dos trabalhadores. Igualmente não é a sua ausência ou o seu número insignificante que o torna menos pró-trabalhadores.
De qualquer das formas, são bem significativos os números apresentados mais acima. E estão em perfeita consonância com a situação dos trabalhadores desde 1987 e com o comando exercido pelo neo-liberalismo.
Com efeito, num país onde os trabalhadores vão perdendo os seus empregos desde 1987 (9.000 só em 2006, segundo a OTM- CS), onde o salário mínimo nacional não é reajustado desde Maio de 2006 e onde o Estado, o maior empregador do País, tem todo o interesse em atrair o investimento estrangeiro oferecendo-lhe o atractivo de salários que não cubram a reprodução dos trabalhadores, num país assim não espanta que a Frelimo - gestora do Estado e cujos membros séniores possuem poderosos interesses empresariais um bocado por todo o lado -, tivesse abandonado, faz dois anos, o encontro anual que tinha com os trabalhadores em cada 1.º de Maio, mesmo se, desta vez, uma delegação sua tivesse desfilado.
Os sindicatos estão reféns de intermináveis encontros de "parceiros sociais" onde apenas ganham mais alguns magros meticais que nunca permitem a aquisição de um cabaz mensal decente. O apelo à unidade nacional substituiu completamente o apelo à luta pela melhoria da situação laboral. Longe estão os tempos em que se criticava o colonialismo por pagar salários de miséria. A famosa canção da era revolucionária "não vamos esquecer o tempo que passou" faz, agora, parte da memória abandonada.

4 comentários:

Anónimo disse...

Hoje estive no CEA para marcar entrevista com o Prof. Inflizmente quando cheguei já havia se retirado do seu gabinete. Posso aparecer amanhã, a que horas mais ou menos. A conversa é sobre as relações de poder (o poder da Frelimo no imaginário popular).
Beúla, semanário SAVANA

Carlos Serra disse...

Sim, apareça amanhã, lá estarei a partir das 8 horas. Abraço.

Anónimo disse...

Tem interesse ler a respeito do post Bento de Jesus Caraça, que já em 1939 dizia o que abaixo transcrevo. A citação é longa, mas creio valer a pena pô-la aqui.

“A vitória de uma ideia revolucionária significa, na época em que se dá, um acomodamento momentaneamente estável, mais perfeito que o anterior, entre as forças em presença; significa que se deu um novo passo no sentido de subtrair o colectivo à tirania do individual; sentem-no bem as massas que, nessas épocas de comoção dos fundamentos da sociedade, se lançam, numa explosão de entusiasmo, ao assalto do corpo decrépito parasitário que sobre elas vive.

Mas a sua falta de preparação cultural, o não reconhecimento de si mesmas como um vasto organismo vivo e uno, torna as incapazes de levar a sua obra mais além da destruição do passado; impossibilita-as de proceder à construção da nova ordem que a sua revolta preparou.

E então dá-se, no dia seguinte ao do triunfo, a sua abdicação, num grande gesto de renúncia - essa obra de reconstrução, é um novo grupo, uma nova classe, mas não a colectividade inteira, que a vai empreender sob a égide da bandeira que presidiu à vitória.

As novas forças detentores do poder realizam as reformas indispensáveis, os interesses gerais estão por um momento satisfeitos; numa base mais larga que a passada, concordam o individual e o colectivo – abre-se um período de acalmia, período cuja duração depende da medida em que a nova classe dirigente se conserva fiel aos motivos que originaram o seu o advento e também do grau de consciência colectiva das massas.

Passa algum tempo e começa nova diferenciação - os interesses egoístas dos dirigentes sobrepõem-se aos interesses gerais, são novos elementos individuais que começam a exercer opressão sobre a colectividade; aparecem contradições, a massa sente-a e afasta-se intimamente dos que a governam; surge nova ideia ou nova doutrina de antecipação que encarna as aspirações surdas dos que sofrem; tudo recomeça - a situação torna-se revolucionária; daí à revolução vai um passo. Evitá-la? Só seria possível por uma reacomodação da classe dominante, mas esta é levada insensivelmente, a despeito da evidência e dos avisos de alguns dos seus membros mais clarividentes ou mais desinteressados, a aferrar-se aos seus privilégios, a defender-se pela força, em vez de se voltar para aqueles princípios que, na sua pureza, a levaram ao triunfo passado.

Dá-se assim um anquilosamento da classe dirigente; a doutrina ou teoria, em cujo nome antes lutara e vencera, perde o seu carácter revolucionário, torna-se, primeiro, conservadora, e mais tarde, quando os antagonismos são flagrantes e se trava a luta, reaccionária.

Tudo recomeça, disse acima, mas seria vão pretender-se que recomeça exactamente nas mesmas bases. Não; da etapa anterior, alguma coisa, às vezes muito, ficou definitivamente adquirido.

A marcha para o estado superior da orgânica, para a supressão do antagonismo entre o individual e o colectivo é permanente, simplesmente o caminho seguido não é direito e fácil, é antes um caminho tortuoso, sempre ascendente - 'la route en lacets qui monte' de que falava Renan. Que essa aquisição de um estado superior de unidade só pode fazer-se pela luta e através de contradições, é a lei fundamental da vida; não há que pretender, fora da realidade, modificá-la, mas sim que interpretá-la, compreendê-la e actuar em consequência.

Cada fase da luta é um passo novo dado no caminho para a unidade do individual e do colectivo; ela interessa cada vez mais as camadas profundas, que assim surgem progressivamente para a luz, se arrancam a si mesmas da treva e conquistam um lugar ao de sol.”

(in: A Cultura Integral do Indivíduo, problema central do nosso tempo – textos ITAU nº 4, ITAU Edições, pp. 15-17)

Carlos Serra disse...

Beúla, desculpe-me, eu quis dizer 10 e não 8 horas, espero que ainda esteja aí. Quanto ao leitor que enviou a citação, saiba que, para mim, é bela, é admirável. Obrigado.