Pois é, lá estou eu aqui, ao mesmo tempo em dois sítios, acordado pela hora de Maputo (7:26), sem conseguir dormir pela hora de São Paulo (2:26), aqui nesta múltipla São Paulo onde a madrugada reina. Um intenso tráfego ocupa a rua onde estou. E, como sempre, interrogo-me sobre os destinos de toda esta gente que vejo, sentado nas escadas dos olhos, café na mão, cachimbo na boca, olhos culimando a noite. Lá passam dois catadores, lá estão os táxis pega gente larga gente, lá estão as trabalhadoras do sexo (continuo a surpreender-me com a imensa juventude delas, em suas curtas saias, em seu futuro ansioso), lá está aquele pequeno povo engravatado gestor dos corpos e dos prazeres femininos, lá passam os carros da polícia, um pouco mais à frente, numa esquina, estão quatro carros policiais, dois têem as luzes de aviso, polícias falam-se, certamente houve ali algum problema, dois jovens dormem junto a uma recipiente de lixo embrulhados em mantas que já não são mantas. E lá passa uma ambulância, sempre há uma ambulância de noite, em seu misterioso destino pisca-pisca, mas desta vez sem sirene accionada. Aqui está gente que faz dia da noite e aqui está gente que tenta noitar artificialmente de dia, bronzeando-se em estabelecimentos especializados. Que tem isto de especial? Absolutamente nada. Mas justamente porque amo o banal, aqui o descrevo, nesta São Paulo deste imenso Brasil de tão grandes contrastes sociais.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
7 comentários:
Todas as noites, todas as madrugadas trazem uma magia nova ao nosso olhar.Nem sempre é agradável ver tamanha complexidade, mas faz-nos sem dúvida pensar.Sentir de outra forma.Por isso se inventou o luar! Para que nos possamos olhar, olhos nos olhos e compreender que a noite pode ser o fim de um dia, ou um eterno recomeço.
Gostei da crónica, só não entendí isto e cito: "...lá está aquele pequeno povo engravatado gestor dos corpos e dos prazeres femininos..."
Esses gravatados são gestores dos corpos em que sentido? O que gerem?
Agradecia imenso a explicação!
Disse tudo professor...o Brsil é um dos páises mais desiguais do mundo...infelizmente
Gostei da descricao, remete-se ao realismo de eca de queiros. Nao so o Brasil que é um país desigual, em todo o mundo existe desigualdade, acho que daqui a pouco a propria desigualdade sera desigual :). Desculpe professor, estou a fazer a fazer um projecto de um blog desportivo(www.axinene.moz.zip.net), e gostaria que todo o amante do desporto nacional (futebol em especial), contribuisse para o seu funcionamento. Mais uma vez, desculpe-me professor.
Sim, gostei da descricao também. Mas a noite foi sempre a inspiracao de poetas, nao? A minha analise nao pode se cingir ao momento descrito pelo professor, embora sejam esses os únicos dados de que dispomos. Mas revendo a propria historia brasileira, principalmente a crescente ansia pos-ditatorial de criar uma cultura propria credivel made in brasil, fez com que houvesse varios choques entre os saudosistas do tempo da ditadura (os ex-poderosos que mandavam executar por um da ca aquela palha), os progressistas (que tinham uma agenda composta de fé sobre o futuro do Brasil) e as importacoes de valores externos movidos pelo consumismo. Estes tres elementos lutaram entre si, tentando impor uma cultura nacional brasileira, que se esqueceram do motor da cultura de qualquer sociedade: o povo! Quando despertaram, o povo já tinha o carnaval, que servia de base para todo o comportamento do brasileiro, porque, para mim, o carnaval à brasileira junta o santo e o profano no mesmo altar. Confirme professor, essa noite que descreveu de Sao Paulo nao pode ser considerada uma parte (mesmo ínfima) do carnaval à brasileira? Aquelas miudas de mini saias nao serao sambistas? Os carros da policia, as ambulancias, nao serao carros alegoricos? Os dormidores com mantas em retalhos nao serao os "pingucos" à cachacada brasileira? E o proprio professor Serra nao será um dos observadore dos desfiles do carnaval?
Obrigado a todas e todos! Vamos lá ver o blogue desportivo,Shommar! Não tive nunca a oportunidade de carnavalar visualmente, Américo....
Adérito: referia-me aos chulos, aos guardas e por aí fora.
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