04 maio 2007

Morreu Jeremias Ngwenha


Morreu na noite de ontem Jeremias Ngwenha, que tanto cantou as desigualdades e a precaridade social no país, que tanta gente levou aos seus espectáculos, que tanta força, juventude, esperança e luta transmitiu.
Não esqueço o nosso almoço de 2000, no Centro de Estudos Africanos.
Aqui ficarás para sempre neste diário, em mais uma entrada, entre as várias entradas que são e serão sempre tuas.
Que tristeza, que tristeza.
Mas se o teu corpo se calou, a tua alma, a tua luta e a tua coragem ficarão para sempre connosco.
Que os deuses te protejam, Jeremias.

Come sozinha, esta gente
I
Dizem para não dormir
Com um olho, irmão
Vai inchar e despertar
Ver o nascer do sol
Estão a festejar, desperta
II
Comem sozinhos e limpam as bocas
Esta gente até nos ajuda a chorar
III
É cá comigo, que sou pato, irmão
As galinhas esgaravatam
O cabrito come onde está amarrado
E eu estou sendo morto porque não estudei
IV
Na escola sou grande
No serviço sou pequeno
Estou sendo morto porque não estudei
Come sozinha, esta gente
_______________________
Estão a comer o pão da criança
(odja pawa ra nwana)
I
A bicha anda? Não anda
Anda lá à frente, onde eles estão
Levem os de trás também por favor
Põem-nos a beber água em recipiente impróprio
Põem-nos a pentear o cágado
Põem-nos a pentear um careca
II
Não estamos a dizer que a vida é dura
Não é dura com o salário no bolso
Porque está-me a roer, está-me a dar cabo, está-me a morder
III
Trabalho para apanhar o chapa
Enquanto o salário não chega
IV
A vida está a massacrar-me, está massacrar-me
(gravação a 20/09/2000 - tradução do Changana por Suzana Afonso)

11 comentários:

chapa100 disse...

hoje perdi um grande amigo. vai com deus geremias.

Egidio Vaz disse...

paz a sua alma

Bayano Valy disse...

Jeremias Ngwenha, como a tradução das suas mais famosas canções ilustra, conseguiu capturar a essência social deste povo e imortalizou-a em ricas canções que certamente terão dado alento aos milhares, senão mesmo milhões, de moçambicanos nessas situações. Não sei se o seu apelo terá conseguido fazer com que os governantes mudassem as políticas que ele criticava.

Como honrar Jeremias Ngwenha?Penso que moçambicanos conscientes devem fazer pressão para que se promova músicos cujas mensagens capturem o imaginário social e nos possam ajudar a reflectir, e não essa corja de pseudo-músicos que pululam nas "nossas televisões". Começarmos da Mcel que com os "nossos dinheiros" vai promovendo espectáculos gratuítos (no sentido de rêles) como se um organizador de eventos fosse - a propósito, alguém noutro dia escrevia que existe uma discriminação na forma como se procuram apoios para os músicos. Onde estavam os tais que promovem espectáculos para este e aquele músico? Já notaram que grande parte de apoios de solidariedade vai para os "exímios(?)" da vulgaridade camuflada de música?

Carlos Serra disse...

Bayano, um país pulsa tão mais quanto mais crítica houver. Como amava e ama dizer o escritor congolês Henri Lopes, nenhuma sociedade jamais progrediu sem fazer a sua própria crítica, sem que os seus criadores e pensadores se metessem a contra-corrente dos bem-pensantes. Precisamos de "imprecadores" - escreveu ele. E Ngwenha era um saudável imprecador, um excelente músico, um homem excepcionalmente atento ao social.Tive a ocasião de com ele falar sobre isso quando um dia almocei com ele. Uma tristeza profunda.

Anónimo disse...

Como Chorar-te Jeremias Ngwenha!

Jeremias, um dos poucos músicos moçambicanos de cujas letras recuperam a realidade circundante, o imaginário social gravado no povo, não só foi um exímio criador, como também humanista. Nas suas músicas sempre magistrais e originais ecoava o grito das maiorias silenciosas, as massas populares. Tenho para mim que Jeremias Ngwenha era o povo em miniatura, o arauto do sofrimento, da injustiça, da indignação popular.
É triste perdermos um grande homem, verdadeiro tributo à criatividade humana. Bem haja o seu nome!
Beúla

Anónimo disse...

Geremias Ngwenya foi um compositor e, sobretudo, um letrista original. Devo dizer que, como todas as traduções, a tradução das músicas de Ngwenya para a língua portuguesa fa-las perder, e muito, o seu sentido de humor, a sua força, a sua ironia.

Era simplesmente arrebatador assistir ou ouvir este grande filho da nossa terra. Até sempre Geremias, que os verdadeiros herois não morrem.

Gabriel Muthisse

Anónimo disse...

E por falar da crítica, ontem, no Sindicato Nacional de Jornalistas, houve um debate interessante sobre os 16 anos da liberdade de imprensa.
Um dos pontos que me impressionaram foi a questão do poder da Frelimo. Alguns jornalistas temem que a actual muscultura da Frelimo poderá, no futuro, revelar-se perniciosa à missão de informação.
Discutiu-se muito a questão de Poder (da Frelimo). Quando cheguei lembrei-me que tinha, no ano passado, imprimido umas postagens do seu blog sobre o Poder (as relações de poder). Relí e captei muitos conceitos importantes na análise do tal Poder da Frelimo. A dominação,obedecer, a aceitação, etc.
Gostaria de marcar uma entrevista pra segunda-feira, no período da tarde para falarmos das relações do Poder entre o Poder instituido e a sociedade, e no sentido restrito entre a Frelimo e os Media. Beúla, aguardo a resposta!
Abraços.

Carlos Serra disse...

De acordo com todos vós, de acordo com Gabriel no tocante às traduções. Suzana, por exemplo, levou montes de dias para conseguir traduzir do Shangan uma das duas letras que apresentei. Falta agora, entre outra coisas, esperar que alguém reúna a obra de Jeremias e a ponha em cd.

Anónimo disse...

Que a alma do Geremias descanse em paz. Deixas-te marcas em nos que jamais serao esquecidas.

Pelo que pude aperceber-me no topo da noticia colocada, a morte do Geremias esta relacionada com o SIDA. A ser verdade, isto cria em mim uma grande revolta porque estamos todos indo aos poucos (ou muitos) por algo que ate podia ser evitavel. Estas mortes, tal como de muitos anonimos, ilustra que a nossa batalha contra a SIDA e uma causa perdida.

Ja nao ha tempo para pensar-mos em estrategias, em politicas, temos que agir. No passado disse que deviamos capitalizar na situacao da Zaida para evitar que os outros seguissem o mesmo caminho. Nao o fizemos.Sub o meu ponto de vista, nem que fosse para compensar a familia do Geremias mas tem que se capitalizar a sua popularidade para que situacoes identicas ao menos sejam evitadas. Para que agente tome consciencia plena de esta coisa do SIDA mata mesmo. De nada nos vale ficar pelo choro, porque amanha voltaremos a chorar como ja choramos antes.

A continuarmos assim, eu diria ao Geremias...Choro por ti, como chorei pela Zaida e tantos outros. Choro porque amanha vou voltar a chorar..por quem?? so o futuro dira, se os outros nao ficarem a chorar por mim.

SP

Carlos Serra disse...

Faz meses que ele andava doente.

Anónimo disse...

Que momento triste para a NACAO!!!

Permita-me que deste canto da Oceania extenda os meus sentidos pesares, em primeiro lugar, a familia Ngwenha. Voces perderam um ente querido e o pais perdeu um imbondeiro. Um jovem que enquanto vivo dedicou a sua vida pela causa social, juntando no mesmo saco opressores e oprimidos.

Penso que a proposta do Prof me parece judiciosa porque o Jeremias e o pais merecem...

Jerimias ate sempre....descanse em PAZ!!

Aljofre