19 abril 2007

"Médicos sociais" em África (2)

1. A construção social da doença na "medicina" das forças do invisível opera não com as causas naturais ou orgânicas de biomedicina, mas com as causas que socialmente fazem sentido. A doença não é, por regra, um desajuste orgânico, mas um desajuste social em geral e um desajuste familiar em particular.
O mundo da biomedicina tem apenas um universo, o do doente, um universo individual. O mundo das forças do invisível tem vários universos, o da sociedade, viva e morta, na qual vive o doente. Lá é o corpo do doente que faz sentido, aqui são os objectos e as crenças associadas ao mundo escondido do invisível. Lá as coisas não têm cura quando esse é o caso, aqui sempre é possível acreditar na cura pela crença.
A construção social das etiologias localiza, assim, no maneio social e para-social, a chave das doenças e das terapias.
Mesmo ao nível dos herbanários é esse maneio que conta.

2. Tomando em conta 1) a extensão do recurso às forças do invisível, seja ao nível dos crentes, seja ao nível dos "médicos sociais" e 2) as consequêencias, jamais estudadas, da actividade desses gestores das forças do invisível (por exemplo, as consequências das acusações de feitiçaria conduzindo à morte por espancamento, como acontece com frequência na Zambézia), como é que se poder avaliar a contraparte do erro médico da biomedecina e proceder à legisperícia no caso de danos físicos e mortes? De que maneira se pode estabelecer uma avaliação pericial considerando o dano, o nexo causal ou concausal e as circunstâncias em que se verifica o equivalente aqui do erro médico?
São problemas delicados que a nossa paixão pela "cultura tradicional" raramente decide ter em conta e estudar.

2 comentários:

fatima ribeiro disse...

Acho assustadora a permissividade geral que rodeia estes ditos “médicos tradicionais”, seus anúncios, suas placas, suas práticas, algumas por todos sabidas menos lícitas, higiénicas ou respeitadoras dos direitos “do outro”. Numa visão mais radical, não poderá a oferta de serviços do tipo “Soltar presos de cadeias”,“Enlouquecer um ofensor” (no anúncio do post anterior) ser vista como predisposição para realizar ou inspirar delitos, crimes?
O Estado, isto é, as autoridades de saúde, municipais, da comunicação social, enfim, quem de direito, parece-me de total complacência, uma atitude diametralmente oposta à que parece quer demonstrar com o sector formal público e privado de saúde. Ou será que estou enganada? Se não, que leitura poderemos fazer de tal atitude?

Carlos Serra disse...

A mim tb me preocupa e por isso voltarei ao tema!