03 dezembro 2009

O real problema

Entro no campus da Universidade Eduardo Mondlane, 7:20, ali à entrada da Faculdade de Agronomia, vejo um chapa 25 lugares. Estado miserável, todo cheio de mazelas, um horror fumegante, pneus carecas, o pneu traseiro esquerdo em baixo, completamente lotado de estudantes e funcionários. Páro a minha viatura e chamo a atenção do condutor, devo confessar que estou nervoso e exaltado, estou verdadeiramente indignado, digo ao senhor que ele poderia matar pessoas com aquele carro. Depois prossigo e estaciono em frente ao edifício do Centro de Estudos Africanos. De novo o chapa, sacolejando, estaciona, saem estudantes. Aproximo-me do condutor e barafusto uma vez mais, coisa de catarse, digo alto você vai matar a nossa gente, a seu lado o chama-gente jovem e arrogante em sua juventude puxa de um cigarro no banco dianteiro junto ao condutor e apanho com uma baforada na cara, viro-me para ele e riposto rápido no meu pobre Shangaan algo como hé wena! combela, unga ni quatisse (=olha cuidado, não aborrece), o condutor agradece em Shangaan também, pede desculpa, já ouvi senhor não precisa repetir, viro-me para os estudantes e pergunto como é possível vocês aceitarem viajar neste crime ambulante que é este carro? Nenhuma resposta, um sorriso calmo. Moral da história: o problema não está no ilícito culposo materializado no carro e nos polícias que o deixam circular, o problema não está na dominação dos pequenos caciques que querem enriquecer rapidamente e sem escrúpulos, o problema real está em nós aceitarmos a dominação, em a termos na alma. É esta impotência que me molesta, é este o real problema.
Adenda às 8:10: “A indiferença, essa forma ateia de salvação” – Frantz Fanon.
Adenda 2 às 8:33: nos anos 90, dirigi os primeiros trabalhos de estudo sobre o que, na altura, chamei mentalidade chapa 100, trabalhos que estão publicados. Mas, afinal, uma coisa é estudarmos chapas, outra vivermos chapas.
Adenda 3 às 10:19: sensação: a aceitação do anormal no chapa pareceu-me tão normal, tão natural, tão naturalizada, que a minha intervenção deve ter sido entendida como anormal, como decididamente doente (ainda penso nas caras dos estudantes, caras de espanto).

11 comentários:

Anónimo disse...

Dr.
Se os Estudantes não fazem isto chego tarde ao teste, ao trabalho ao mercado a mais lugares desta vida.
Esta muito dificil apanhar chapa por estes dias, todos nos somos culpados policias passageiros autoridades municipais (que sempre prometem acabar com esta anarquia e numca o fazem).`
É triste e hediondo.
Mário Litsuri

sitoejunior disse...

prof o problema esta no estado esse sim e que e o grande culpado desta triste situacao ao eximir-se da sua responsabilidade de garantir servicos de transportes publicos e confiar no sector privado inresponsavel se as parceria publico privadas mas ten que ser feito com normas,alias existem normas mas elas sao para o ingles ver nao sao implementadas por quem de direito policia de transito e policia municipal....,ontem passei pelo parque do stae/cne esta repleta de viaturas de luxo suponho que sejam de marca hundai top de gama para serao estas viaturas sera para os CAMBAZAS que pululam pelos orgaos de estaoo os delapidores do bem publico,porque nao reforcar de facto e nao fingir que estao a comprar autocarros para os tpm,
prof esta gente e insensivel a morte...aconteceu com o paiol e ninguem foi responsabilizado

QUEM MATOU SAMORA MACHEL?
BASTA!!!!!!!

Anónimo disse...

Professor

É verdade que muitos dos "chapas" que circulam por aí, deveriam há muito estar nos ferros-velho.
A circulação dos cahapas pelo campus da UEM, constitui um "desvio e encurtamento de rota" - tais chapas foram licenciados para viajar até a praça dos combatentes, vulgo xiquelene. Acredito que aqui chega a estabelecer-se uma relação de cumplicidade (permita-me usar este termo) entre os utentes (estudantes) e os chapeiros. Se por um lado os estudantes acreditam que estes chapas ao entrarem na zona dos campus, estão a prestar-lhes um favor, por outro lado os chapeiros interiorizaram que por estar a prestar este favor aos estudantes (infrigindo a rota) nada mais se lhes exige senão o transporte, seja em que condiçoes forem.

Lopes

Reflectindo disse...

Parabens professor Serra por ter feito o seu dever. Nós todos temos que agir, temos que fazer a nossa parte.

Depois volto ao assunto

umBhalane disse...

Todos nós estamos cansados de saber onde está o problema, já "vimos"...

- O rei vai nú - gritou uma criança do meio da multidão.

Os forcados agarram o touro pelos cornos.

Moçambique precisa DEMAIS de forcados...

Ah, e de uma criança,...uma já não chega, desconsegue!

Precisa de muitas crianças a gritarem - o rei vai nú...

Pode ser que os grandes também comecem a GRITAR o óbvio, aquilo que todos sabem, e consentem!

Fazer o quê?

Elisio Leonardo disse...

Creio que este eh um dos problemas em que vai ser dificil se encontrar alguma solucao... Chapeiros nao se preocupam em fazer upgrade das suas maquinas de trabalho, e os estudantes não podem ir a pe a faculdade senao perdem os testes....

Depois vem a policia, que não deixa chapeiros circularem por estas bandas porque não existe nenhuma rota ou licenca que os permita...

Se o Professor viu o chapa na zona da Agronomia,é porque provavelmente os policias estavam na rua da Franca, na coop, e o chapeiro teve de dar a volta...

É simplesmente.... o nosso dia-a-dia!

Gata disse...

A culpa do Estado e daqueles que deveria velar pelo bom funcionamento deste mesmo. Mas porque faze-lo se eles não sabem o que se passa num chapa, já que têm carros protocolares de luxo e privados tambem, conseguidos com as comissões que todos nós pouco entendemos porquê. Porquê mudar a situção se o deputado que deveria velar recebe uma ford ranger para o seu uso pessoal, já que não faz trabalhos de campo? A culpa não é nossa, porque mal é o que nos é destinado viver, enquanto não decidirmos mudar de atitude quando nos é dada a oportunidade de escolher quem queremos para nos governar. Este é o preço da nossa escolha muito mal feita.

ricardo disse...

Ainda me lembro de apanhar um autocarro do TPM que fazia a linha campus - alto maé de hora a hora. Era o único, mas circulava, só que quase sempre vazio...

Com excepção da hora de ponta (07H00, 12H00 e 18H00). Os chapeiros são muito mais flexíveis e muito mais atentos às dinâmicas sociais e mercantis da cidade. O TPM vive de planos anuais e contratos-programa.

Quanto à mentalidade Chapa 100. Ela é equivalente ao Síndrome de Estocolmo. Quando a vítima, de tanto conviver com o sequestrador (da sua alma), começa a simpatizar com ele.

ricardo disse...

SÍNDROME DE ESTOCOLMO.
Quando nossa humanidade é deixada em paz,
sem pressão e em liberdade para escolher
o rumo que pretende dar à própria Vida,
ela se mostra confiável em sua criatividade
e cheia de entusiasmo pelo futuro.
Por isso mesmo nossa humanidade não é deixada em paz
e, atualmente, se pretende tirar dela
o máximo possível de liberdade de expressão e pensamento.
Durou pouco a festa em que celebramos
o fim das ditaduras, porque os mesmos humanos
que lutaram e deram seu sangue para terminar com elas
foram tomados pela “Síndrome de Estocolmo”, que explica
a razão de os sequestrados defenderem os sequestradores.
A ditadura ressuscita hoje em dia
através dos que lutaram contra ela.
E vai tentar dormir à noite com uma idéia dessas na cabeça!

in
http://arautodofuturo.wordpress.com/2009/11/14/sindrome-de-estocolmo/

Melhor caracterização não poderia haver, não acha Professor?

Reflectindo disse...

O grande problema não só em relacão aos chapas, mas de mais males como é a corrupcão, fraudes, etc, penso ser que Ricardo identificou como sendo Sindrome de Estocolmo. Sindrome de Estocolmo é conceito que devíamos conhecer para identificarmos o nosso comportamento perante fenómenos ou atitudes que não devíamos aceitar, mas defendemo-los. Por isso, meus parabéns ao Ricardo que nos deu uma importantíssima licão.

Indo a este caso, pessoalmente tenho este tipo de reaccão quando algo que julgo repudiável se dá aos meus olhos. Tenho muitos exemplos, e um deles foi quando ajudei a uma jovem escapar de uma violência sexual por dois jovens em 2006, em Nampula. O que me espantou e irritou foi o facto de a tentantiva de violência sexual ter acontecido numa zona populosa e apenas eram 21 horas, mas ninguém foi socorrer aquela mulher que estava gritando e os homens exigiam-na o que queriam em voz alta.

No mesmo ano, agi contra um chapeiro que tendo batido uma pessoa em Monapo, queria prosseguir a viagem abandonando a sua vítima. Era de noite, mas o mais estranho é que ele parou a alguns metros do local do acidente e pediu a opinião dos passageiros e muitos concordavam que ele abandonasse a vítima. O mais importante para eles era que chegassem a Nacala-Porto no mais cedo possível. Porém, para a minha satisfacão, quando eu reagi tive apoio de alguns, sobretudo de uma mulher que vim saber que era enfermeira. Ela fez os primeiros socorros e mesmo no hospital do Rio-Monapo.

Isto que contei acima pode não ser importante, mas a verdade é que no caso de chapas e conducão tenho as minhas exigências sempre que eu puder. Evito que um chapeiro ou qualquer motorista que eu saiba que bebeu álcool me transporte, nem que isso signifique adiar a minha viagem por algumas horas ou dias. Mas o grande problema é de não haver muitos que facam as mesmas exigências, embora quando ocorre um acidente muitos reclamem que o motorista estava bêbado e conduzia com velocidade excessiva. Para que serve a reclamacão depois do acidente?

Não acho que justificar que os estudantes tinham que chegar às faculdades ao custo das suas vidas não seja suficiente. E se ocorresse acidente por motivos descritos pelo Prof.Serra, eles haviam de chegar e fazerem os testes? Quando é que os como cidadãos reagirão contra este tipo de perigo?

Dizer-se que o culpado é o Estado, acho ser abstracto demais. Pelo menos divia-se dizer que é o governo. Entretanto, quem pode despertar esse governo e como se desperta? A nossa atitude em Mocambique não é a Sindrome de Estocolmo?

A adenda 3 desta postagem precisa do nosso aprofundamento.

Sou de opinião que deve-se levantar um debate nas escolas e universidades sobre isto e não menos sobre a atitude de cada cidadão perante fenómenos perigosos como este.

Anónimo disse...

Caros camaradas!
Chapa é dos Boss´s!

Polícia de Transito manda parar, não pra verificar estado da viatura e legalidade mas para recolher propina

Uma vez ouvi apareceu na TV um indivíduo que se dizia da polícia ou da associação dos transportadores e afirmava de viva voz que mais de 80% dos chapas que circulam na Cidade de Maputo não estão legalizados, mas esses mesmos chapas param todos os dias nos postos de controle da PT e da Camarária, alguém tem que ter vergonha na cara.

O concelho municipal nada controla senão aumentar o peso dos seus camarários!

O proplema está muito mais a fundo meus camaradas, a postura dos motoristas e cobradores é apenas uma gota!