10 agosto 2008

Do poder dos universitários (7) (fim)

Termino esta série da seguinte maneira:
O mundo universitário é, também, um mundo de reajuste corporal, de reorganização corporal, de divinização profana. Na verdade, não é qualquer corpo que frequenta a universidade: é um corpo produtor de saber especializado, destacado das massas do senso comum, um corpo da aristocracia do saber, divorciado da produção diária dos meios de produção comezinhos.
Por isso sofre uma grande transformação. Pense-se nos graus de ascensão institucional à maturidade (ao nível do professorado: professor auxiliar, professor associado, professor catedrático), nas togas e nas becas, no andar majestoso, no falar pausado e cardinalício, nas cerimónias de graduação, nas defesas de tese, nas orações de sapiência, etc.
Na realidade, é todo um ritual rigoroso destinado a demarcar, com grande visibilidade, a natureza da divinidade profana inscrustada no universitário, especialmente no professor.
Um aspecto particular dessa natureza está, por exemplo, nos cartões de visita e no fervor colocado pelo seu proprietário em assinalar que tem um PhD (ele nem diz que é doutorado: diz, antes, que tem ou é PhD, assim a coisa fica ainda mais fantástica, mais única).
Somos um país com muitos poucos anos de independência. Esta uma das razões por que a Síndroma da Imuno-Deficiência Doutoral é muito forte entre nós, por que a doutorice PhDada tem tanta ênfase e publicidade: pense-se, por exemplo, na procissão doutoral (sic) que todos os anos ocorre, no pujante exercício de exibição do majestoso saber científico que aí tem curso.
O percurso PhDista tem o auge na muito cultivada oração de sapiência: aqui, o oficiante do saber científico afirma aos crentes e aos profanos a sua estatura inexoravelmente religiosa, indiscutível, de verdade irrefutável.
Depois, passados os anos, enfim, o PhD só tem que envelhecer contemplando carinhosamente, ano após ano, o certificado embalsamado, folheando a querida tese de doutoramento (à qual se limita a acrescentar notas de rodapé até ao fim da vida) e indo periodicamente ao seminário ou ao congresso internacional onde apresenta um artigo que mais não é, uma vez mais, do que uma nota de rodapé da tese, a famosa, gloriosa e intransponível tese.
O poder dos universitários vem da sua capacidade pessoal e institucional para produzir e reproduzir as relações epistemológicas de força que dividem o mundo em sábios e ignorantes, pondo em campo um permanente jogo cénico capaz de produzir o PhDado halo divino, reactualizando e modernizando os velhos sacerdotes clássicos.

4 comentários:

Xiluva/SARA disse...

Uauuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!!!!

Anónimo disse...

... ai o PhDados! Ha tempos, me foi dado a conhecer o significado do PhD, numa outra perspectiva:

PhD - Permanent head Damage

V.I

Anónimo disse...

Conheco um docente, PhDado, alto funcionário do ministério da funcao pública, docente na UEM e no ISUTC, que nao aceite (recomenda mesmo!) que nunca escrevam o seu nome antecedido de Dr., porque, diz ele, "eu sou Doutor e nao Dr" O estudante que se arrisca a lhe abreviar "Dr" apanha um bom raspanete...

Carlos Serra disse...

Há quem discuta isso, sem dúvida, a colocação correcta do nome mágico.Ainda não temos estudos sobre brazões de honra, sobre títulos, etc.