Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
31 outubro 2006
Pineu! Deita pineu (7)
6. O pineu: lógica federadora e catarse
"Tornar o mais fraco dos argumentos o mais forte" (Aristóteles, Retórica, II, 24, 1402A)
Chega a noite. A noite é o medo, o risco do assalto, o perigo da emboscada, a possibilidade do roubo ou da morte, o espectro das possibilidades doentias.
Há nos bairros como que uma doença, uma doença social prolongada, formada por sucessivos problemas encavalitados uns nos outros, com coeficientes diferentes, mas todos confluindo para uma mesma situação de mal-estar profundo. Já não basta viver com dificuldades de sobrevivência: mesmo essas dificuldades são motivo de assalto, de pilhagem.
A espoliação, física e moral, espreita cada cidadão. A doença social indiferencia toda a gente, qualquer pessoa está à mercê da doença, reina um profundo eclipse cultural. A suspeita está em cada ponto, em cada poro. Existe como que a consciência ao mesmo tempo súbita e perene da perda do social, das regras, da moral, o mesmo está em todo o lado e o mesmo é o crime, o medo, a insegurança. Cada morador sente que existe uma poluição social, poluição contra a qual não há defesa pois o vazio institucional é evidente, a polícia não protege, o Estado está nas ruas iluminadas, lá longe, no bem-estar.
Uma noite alguém surpreende uma tentativa de roubo. Ou alguém vê passar outro alguém cujos sinais exteriores lhe parecem suspeitos. Esse alguém está casado com a noite. Se a noite é suspeita, ele também é suspeito. É ninja e pronto.
E surge um grito súbito: Ladrão!!!!!
Imediatamente, como molas rapidamente distendidas por contágio, um bocado de todos os lados, todos berrando, todos exigindo punição, os moradores, sem distinção de sexo e de idade, saem das suas casas de blocos, armados com tudo o que puderam encontrar, catanas, paus, enxadas, não importa o quê. Está rapidamente formada a multidão linchadora e mimética.
O ladrão ou o suposto ladrão é interceptado. Tentar impedir isso representa imediato risco de vida. A multidão age sem freio.
Segue-se o linchamento. Agride-se duramente, todos agridem, todos querem agredir, é fundamental agredir, é como se uma necessidade vital, da natureza estrangeira ao social e à razão, coloca-se um pneu no pescoço da vítima já semi-consciente, chega-se-lhe petróleo, alguém acende um fósforo. O linchado é queimado vivo, por todo o lado se berra.
É a conclusão sacrifical, a catarse, a purificação, a libertação dos males acumulados, da poluição social. Não importa se a vítima é ou não culpada, o que conta é que ela representa o bode expiatório que deve receber toda a mágoa social acumulada, ela é a peça vicária fundamental.
Os moradores julgam, dessa forma, que o social foi restabelecido, que a identidade foi recuperada, que o mesmo deu, de novo, lugar à diferença, a diferença entre a segurança e a insegurança.
Mas a sua mensagem é polissémica: eles advertem os governantes de que também são capazes de violência e de punição, de que também têm leis alternativas, de que são capazes de reorganizar as suas vidas, de que são capazes de encontrar soluções quando as normais não chegam de onde deviam chegar.
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A reconstituição do cenário linchatório foi feita com uma adaptação da grelha teórica de René Girard:
__Des choses cachées depuis la fondation du monde/Entretiens avec Jean-Michel Oughourlian et Guy Lefort. Paris: Grasset, 1978;__ Le bouc émissaire. Paris: Grasset, 1982.
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Aguardo que comentem o texto, que sugiram, que critiquem, etc.
Por que me interesso pelos actos humanos?
"Curavi humanas actiones, non ridere non lugere, neque detestari, sed intelligere" - "Interessam-me os actos humanos, não para rir-me deles, nem para deplorá-los, nem sequer para os detestar, mas simplesmente para os compreender".
- Baruchi Spinoza
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Uma bela coisa, sem dúvida, um extraordinário manifesto de neutralidade axiológica. Mas digam-me lá, companheiros desta cruzada cognitiva: podemos realmente meter em quarentena as nossas crenças normativas, somos nós efectivamente capazes de ser spinozistas, de não rir, de não deplorar, de não detestar os actos humanos, para unicamente os compreender enquanto cientistas sociais? Creio que não. Vejam a paixão que Zico em nós despertou.
- Baruchi Spinoza
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Uma bela coisa, sem dúvida, um extraordinário manifesto de neutralidade axiológica. Mas digam-me lá, companheiros desta cruzada cognitiva: podemos realmente meter em quarentena as nossas crenças normativas, somos nós efectivamente capazes de ser spinozistas, de não rir, de não deplorar, de não detestar os actos humanos, para unicamente os compreender enquanto cientistas sociais? Creio que não. Vejam a paixão que Zico em nós despertou.
Houve fraude nas eleições presidenciais de 2004 segundo AWEPA
Citando um boletim da AWEPA (Associação dos Parlamentares Europeus para África), o "Canal de Moçambique" (CM) afirma que a União Europeia reconhece ter havido fraude nas eleições presidenciais de 2004, com problemas em mais de duas mil assembleias de voto (16%) das 12.807 existentes. Segundo o CN, o boletim da AEWPA afirma que "Armando Guebuza teve 70 mil votos frutos da introdução de votos fictícios nas urnas e Afonso Dhlakama teve igualmente 70 mil votos a menos porque os seus apoiantes foram impedidos de votar”. Em 1999 a diferença oficial entre Chissano e Dhlakama foi apenas de 200 mil votos.
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http://www.canalmoz.com/default.jsp?file=ver_artigo&nivel=1&id=6&idRec=1115
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http://www.canalmoz.com/default.jsp?file=ver_artigo&nivel=1&id=6&idRec=1115
30 outubro 2006
Maboasudas: uma canção que desqualifica
Maboasudas - eis o nome de uma canção famosa (mistura de marrabenta e de rap) que está a dar um pouco por todo o lado neste país, cantada por Zico, com a letra que vos mostro. Prestem bem atenção ao "até albina".
Ninguém pode ser desqualificado por ser albino.
Esta é a segunda vez que me refiro neste diário a essa canção, como estais recordados.
Sobre a mediocridade da letra e da música, permito-me não entrar em pormenores. Mas o tempo está cool para este tipo de criatividade calórica.
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Deverá sair brevemente no semanário "Savana" uma análise jurídica e ética da canção, escrita por Carlos Serra Jr (jurista). A letra pertence a esse trabalho.
Pineu! Deita pineu! (6)
5. Principais problemas sociais
O principal problema é o desemprego, disseram-me os entrevistados. A vida assume, por isso, para milhares de pessoas em busca de sentido na vida, a feição generalizada do desenrasca, do salve-se quem puder. Se não há emprego local ou na grande Maputo (serralharias, padarias, como no Bairro Polana Caniço A), as pessoas enveredam pelo comércio informal, ambulante ou fixo em dumba-nengues, cujos ganhos são modestos e contigentes. E/ou pelo roubo.
Quando a noite chega, chegam também o tormento e a inquietação. Os meliantes espreitam os incautos, chegam, em grupos, a bater à porta das casas.
O roubo campeia. Dentro das casas os alvos preferidos são as aparelhagens e os aparelhos de televisão; fora delas, nos becos, nas ruelas, são os celulares e o dinheiro.
Bairros preocupantes nesse campo são, por exemplo, os bairros Ferroviário e Saul.
Os moradores queixam-se à polícia dos roubos. Mas, segundo os meus depoentes, os ladrões são pouco tempo depois soltos pelas famílias a troco de dinheiro.
Acresce que, segundo ainda os depoentes, as pessoas estão cansadas, também, da polícia comunitária, a quem acusam de corrupção e de maldade.
Mas a noite é, também, a noite das barracas e das aparelhagens com o som no máximo prolongando-se até altas horas, em meio ao álcool e à suruma.
Deixados à sua sorte, vítimas de uma violência multilateral (do desemprego ao roubo), não confiando na polícia, os moradores estão psicologicamente preparados, eles-também, para serem violentos. Basta uma pequena faísca para que essa violência tome curso.
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Aguardo comentários, correcções, críticas dos leitores. Eu tenho estado a fazer algumas correcções diariamente. Esta diário é uma oficina na qual, afinal, o produto está sempre a ser montado num trabalho sem fim. Entretanto, chamo a vossa atenção para o texto brilhante de "la strega" (creio que é antropóloga) que aparece nos comentários a esta entrada.
29 outubro 2006
Pineu! Deita pineu! (5)
3. Morfologia dos bairros
Os bairros são formados por um imenso casario de blocos, aqui e acolá por choupanas de caniço. Estreitas ruelas atravessam as casas muito juntas umas às outras. Estas têm regra geral iluminação, os moradores tudo fizeram e fazem para que um ramal de energia lhes chegasse e lhes chegue a casa. Porém, à noite não existe iluminação externa. Os bairros ficam mergulhados na escuridão. A electricidade está distante, nas estradas de grande circulação, como, por exemplo, a estrada nacional n.º 1, a Avª Vladimir Lenine, a Avª de Moçambique, lá onde passam à noite os polícias.
As barracas preenchem o quotidiano das pessoas. À noite as aparelhagens fazem-se ouvir até muito tarde.
Nesses bairros existem regra geral postos policiais (mas o da Zona Verde, por exemplo, não tem) , mas poucos são os que têm polícia comunitária. Contudo, segundo os nossos depoentes os postos policiais são insuficientes e de poucos meios logísticos dispõem. Não têm, por exemplo, viaturas.
4. Características sociais
Nos bairros moram milhares de pessoas, que foram afluindo desde a guerra civil e procedendo a uma ocupação regra geral desordenada.
Os agregados familiares são enormes, existindo famílias com mais de nove membros ocupando uma mesma casa. Um dos nossos entrevistados falou mesmo em famílias com 15 membros.
Parte significativa dos moradores está desempregada ou vive de biscatos, como, por exemplo, do comércio informal. Além dos vendedores informais, morram nos bairros professores, operários, encarregados de limpeza, modestos trabalhadores dos serviços do Estado, etc.
O chapa é o meio de transporte, apanhado regra geral nas vias de grande circulação.
Os bairros populares da cintura de Maputo são procurados pelos pastores de igrejas diversas, regra geral protestantes. Por todo o lado, quase, há pequenas igrejas. Um dos nossos depoentes disse: "Igrejas aqui é mato!" (bairro Polana Caniço A). As igrejas zione, por exemplo, estão povoadas por mulheres - "as que mais problemas sociais têm", disse uma moradora do bairro Ferroviário das Mahotas. Os curandeiros perderam terreno face a essas igrejas, que surgem como cogumelos face à necessidade local de sentido para a vida.
À noite, as barracas enchem-se, bebe-se e, muitas vezes, fuma-se suruma; à noite, também, regressam a casa trabalhadores e estudantes.
28 outubro 2006
Pineu! Deita pineu! (4)
2. Limites do diagnóstico
Foram ouvidas 10 pessoas, com distribuição igual por género, moradoras nos seguintes bairros:
-Polana Caniço A (2)
-Polana Caniço B (1)
-Inhagoi (2)
-Ferroviário (1)
-Ferroviário das Mahotas (1)
-Congolote T3 (1)
-Zona Verde (1)
-Infulene (1)
Não foram ouvidos representantes da polícia, dos secretariados de bairro, das chefias de quarteirão, dos tribunais comunitários e das igrejas, o que seria indispensável num estudo em profundidade.
Estamos, portanto, conscientes dos limites deste rápido diagnóstico.
Todavia, os testemunhos recolhidos, em entrevista colectiva semi-dirigida e em situação de empatia dado os inquiridos conhecerem o inquiridor, constituem uma primeira aproximação indispensável.
27 outubro 2006
Retrato
Jovem, 32 anos, mãe de três filhos, moradora no Bairro Ferroviário das Mahotas, chegava da escola, noite, interceptada por três homens, apalpada minuciosamente na busca de celular e dinheiro, três horas de espera, três horas de angústia. Mas chegou a casa, sem lesão física. Apenas ficou a lesão moral. Deixou de estudar à noite.
Pineu! Deita pineu! (3)
1. Sobre a sociologia
Existem muitas definições de sociologia.
Eu forneço a seguinte: sociologia é o estudo das lógicas não visíveis do funcionamento de uma sociedade, de como ela se constrói e se mantém produzindo e reproduzindo práticas e imaginários.
O que se vê é apenas um conjunto de indicadores (práticas, crenças, imaginário social). Mas esses indicadores são meros factos sociais. Os factos sociológicos obtêm-se pela construção teórica. A construção teórica decompõe o magma de senso-comum e de mitos que permeiam os factos sociais.
O produto final da construção teórica é uma sociedade cujas lógicas de funcionamento nem sempre correspondem às lógicas quer da consciência imediata dos actores sociais em geral, quer da consciência interessada dos produtores oficiais de opinião.
Por isso nem sempre a construção sociológica agrada às lógicas de uns e de outros.
Diário de um amante das palavras
Sabem, por vezes sinto-me como na prisão de Comte (passou a vida a escrever mal para ser melhor cientista), vigiando as palavras para lhes sugar a emoção e o sentimento e, dessa maneira, ficarem decentemente científicas.
Por isso abri um novo diário, herege, subvertor, com a seguinte referência:
http://diarioamante.blogspot.com
Por isso abri um novo diário, herege, subvertor, com a seguinte referência:
http://diarioamante.blogspot.com
Pineu! Deita pineu (2)
Falei-vos na entrada anterior sobre o meu diálogo esta manhã com moradores de bairros periféricos da cidade de Maputo.
Com base nos seus testemunhos, escreverei um pouco, repito, um pouco (apenas) sobre o pineu. E decidi que seria sensato elaborar um sumário da intervenção, precedido de uma curta tentativa para explicar o que é sociologia. Eis o sumário:
1. Sobre a sociologia
2. Limites do diagnóstico
3. Morfologia dos bairros
4. Características sociais
5. Principais problemas sociais
6. O pineu: lógica federadora e catarse
7. Justificações para o pineu
8. Soluções para evitar o pineu
9. Razões por que o pineu não existe na cidade central
10. Conclusões
Se me permitirem, serei livre de alterar este sumário caso sinta necessário fazê-lo.
Abraço sociológico.
Pineu! Deita pineu! (1)
Sabeis que tenho escrito sobre linchamentos. Outros sabem que tenho estado a intervir na televisão, na rádio e nos jornais locais sobre isso.
Mas tenho escrito e tenho falado sempre com a dúvida de nada saber sobre linchamentos para além das hipóteses que tenho lançado. Não tenho a bela capacidade de certas pessoas que sobre linchamentos falam e escrevem sem precisar de os estudar porque já tudo sabem.
Acontece que hoje dialoguei mais de três horas com trabalhadores e moradores de vários bairros populares de Maputo para perceber melhor o fenómeno.
Linchamentos que nos bairros populares se convertem em palavras que todos percebem lá: "pineu" (forma de dizer pneu) ou "Deita pineu!". Tal como não se diz tráfico de seres humanos, mas, antes, "tatá papá, tatá mamã".
Sinto-me agora um pouco mais à vontade para falar e escrever sobre o fenómeno do pineu.
Aqui o farei se possível ainda hoje e também o farei na TVM, domingo, às 11.30.
Aguardem.
Estamos juntos.
26 outubro 2006
É perto mas não é perto
Sempre me fascinou uma coisa, desde a minha meninice, lá na minha terra, vasta, que é Tete: o oxímoro.
Em várias ocasiões, por motivos diversos, em vários dos distritos da província, por vezes em sítios recôndidos, perdido muitas vezes, sem qualquer sentido de orientação geográfica, tive de perguntar a camponeses onde ficava o sítio xis.
E a resposta era, invariavelmente, a mesma: um dedo apontando a estrada e um breve "Ali, siô". E, não menos invariavelmente, eu perguntava: "É longe?"
Uma vez mais, invariavelmente, a resposta era: "É perto mas não é perto" (ni pafupi koma pafupi). E, aqui e acolá, o acréscimo: "Não precisa pressa, há-de de chegar ao destino. Obrigado" (Bzinfunika lini kankulumize uti ufike ulendo bwako. Ndatenda).
O que representa o oxímoro "É perto mas não é perto"? Uma contradição? A falta de um relógio? Uma contabilidade temporal distinta?
É possível dar uma resposta pronta-a-vestir a cada uma dessas perguntas. Mas, ao fim destes anos todos, cheguei a uma conclusão por via da alma: "É perto mas não é perto" é uma forma de nos cumprimentar, de nos saudar, de nos suavizar as agruras das viagens, de trazer o longe para perto e o tornar familiar.
Mesmo que não aceitem a minha conclusão, nada podereis fazer contra a minha alma, porque ela é a minha emoção contra a vossa razão, a emoção que os embondeiros de Tete ensinam.
Em várias ocasiões, por motivos diversos, em vários dos distritos da província, por vezes em sítios recôndidos, perdido muitas vezes, sem qualquer sentido de orientação geográfica, tive de perguntar a camponeses onde ficava o sítio xis.
E a resposta era, invariavelmente, a mesma: um dedo apontando a estrada e um breve "Ali, siô". E, não menos invariavelmente, eu perguntava: "É longe?"
Uma vez mais, invariavelmente, a resposta era: "É perto mas não é perto" (ni pafupi koma pafupi). E, aqui e acolá, o acréscimo: "Não precisa pressa, há-de de chegar ao destino. Obrigado" (Bzinfunika lini kankulumize uti ufike ulendo bwako. Ndatenda).
O que representa o oxímoro "É perto mas não é perto"? Uma contradição? A falta de um relógio? Uma contabilidade temporal distinta?
É possível dar uma resposta pronta-a-vestir a cada uma dessas perguntas. Mas, ao fim destes anos todos, cheguei a uma conclusão por via da alma: "É perto mas não é perto" é uma forma de nos cumprimentar, de nos saudar, de nos suavizar as agruras das viagens, de trazer o longe para perto e o tornar familiar.
Mesmo que não aceitem a minha conclusão, nada podereis fazer contra a minha alma, porque ela é a minha emoção contra a vossa razão, a emoção que os embondeiros de Tete ensinam.
PT lança inquérito sobre criminalidade
Segundo o presidente do pequeno Partido Trabalhista (PT), Miguel Mabote, o seu partido vai organizar uma campanha chamada "crime zero", ouvindo cidadãos através de um modelo de inquérito elaborado pelo seu Gabinete de Estudos e Planificação, com margem de erro de 15%, nas províncias de Maputo, Sofala e Nampula, com vista a conhecer percepções populares sobre a criminalidade no país. Estarão em acção - afirmou- 670 brigadistas distribuídos por 134 brigadas.
De acordo com Mabote, o resultado do inquérito será entregue ao Governo.
Como cidadão, louvo plenamente a iniciativa.
Como sociólogo, tenho dúvidas de que esta iniciativa pró-governamental e de que este evidente casamento com a Frelimo, partido no poder, traga qualquer benefício para o PT, ainda que a busca de dividendos políticos me pareça ser o desejo escondido de Mabote, cujo partido não teve até agora, nos pleitos eleitorais, qualquer representatividade nacional, mínima que fosse ou seja ("Notícias", edição de hoje, 26/10/06, p. 3).
De acordo com Mabote, o resultado do inquérito será entregue ao Governo.
Como cidadão, louvo plenamente a iniciativa.
Como sociólogo, tenho dúvidas de que esta iniciativa pró-governamental e de que este evidente casamento com a Frelimo, partido no poder, traga qualquer benefício para o PT, ainda que a busca de dividendos políticos me pareça ser o desejo escondido de Mabote, cujo partido não teve até agora, nos pleitos eleitorais, qualquer representatividade nacional, mínima que fosse ou seja ("Notícias", edição de hoje, 26/10/06, p. 3).
Máximo Dias ficou furioso
O deputado e advogado Máximo Dias, da bancada parlamentar da Renamo-União Eleitoral, zangou-se há momentos na enorme sala da Assembleia da República, protestando pelo facto de o debate sobre a criminalidade no país ter descambado, pelo lado da Frelimo, partido no poder, para uma crítica politizada ao "terrorismo" estrutural da Renamo. E pediu para abandonar a sala.
O deputado tinha e tem razão. Estou a ouvir a transmissão da sessão pela Rádio Moçambique. Nenhuma vontade por parte dos deputados da Frelimo em verdadeiramente apresentarem uma visão séria da criminalidade e dos linchamentos.
O deputado tinha e tem razão. Estou a ouvir a transmissão da sessão pela Rádio Moçambique. Nenhuma vontade por parte dos deputados da Frelimo em verdadeiramente apresentarem uma visão séria da criminalidade e dos linchamentos.
Estado é responsável pelos linchamentos segundo Salomão Moyana
Até ao momento em que escrevo, nenhum jornal publicou um trabalho de investigação sobre os linchamentos que ocorrem na cidade e na província de Maputo.
Na Assembleia da República sucedem-se as intervenções ruidosas condenando os linchamentos ou, no caso da oposição, condenando o Estado por não agir.
Entretanto, hoje, em editorial vigoroso, o director do semanário "Zambeze", Salomão Moyana, ataca violentamente o Ministério do Interior, onde, segundo ele, existem polícias mais ricos do que os empresários. De acordo com Moyana, o verdadeiro responsável pelos linchamentos é o Estado e quem é linchada é a legalidade. O maior terror é da responsabilidade dos polícias ("Zambeze", edição de hoje, 26/10/06, p. 7).
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Os crocodilos mágicos do rio Púnguè
De acordo com a edição do "Notícias" de hoje, apenas o administrador do Parque Nacional da Gorongoza (PNG) não acredita que os crocodilos não sejam domesticados para fins mágicos nas margens do rio Púnguè, mais concretamente em Madlangua, distrito de Nhamatanda, província de Sofala. Esses crocodilos, supostamente comandados à distância, comem especialmente mulheres e crianças. Quando os caçadores do PNG os querem abater, eles não aparecem. O chefe tradicional da terra, fumo Base Saringo, tem, porém, uma dúvida: ele não sabe se, ultimamente, a acção dos crocodilos se deve à feitiçaria ou à acção dos espíritos dos antepassados. Os espíritos podem estar zangados pois, segundo Saringo, agora as pessoas vão tomar banho ao rio e aí até fazem amor, além de lavarem panelas, o que afronta os espíritos ("Notícias", edição de hoje, 26/1o/o6, p.2).
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Foto reproduzida do seguinte portal:
http://www2.uol.com.br/fluir/destaque_mes/239_rio_zambeze.shtml
Recordo, ainda, a entrada neste diário sobre os leões, considerados mágicos, de Muidumbe, província de Cabo Delgado, 20/04/06.
25 outubro 2006
Sapato satírico
Um dos 250 deputados da Assembleia da República disse esta manhã, em plena sessão, referindo-se ao norte da província da Zambézia, que os polícias têm tão poucos meios que andam nas bicicletas dos ladrões.
Um sapato satírico para um eventual pé real.
Um sapato satírico para um eventual pé real.
Dois tipos de sociólogos com pedigree
Existem, na praça, dois tipos de sociólogos com pedigree: os perguntadores e os respondedores.
O primeiro tipo é constituído por aqueles que passam a vida a fazer perguntas aos outros sem nunca dizerem quais as suas respostas.
O segundo tipo é constituído por aqueles que passam a vida a dar respostas a tudo sem precisarem de perguntas.
Elegantes cultivadores do espírito, nenhum deles precisa de investigar e de sujeitar os pneus da teoria à estrada dos factos.
O primeiro tipo é constituído por aqueles que passam a vida a fazer perguntas aos outros sem nunca dizerem quais as suas respostas.
O segundo tipo é constituído por aqueles que passam a vida a dar respostas a tudo sem precisarem de perguntas.
Elegantes cultivadores do espírito, nenhum deles precisa de investigar e de sujeitar os pneus da teoria à estrada dos factos.
A teoria cristalina do barão de Münchhausen
Tenho quase a certeza de que a técnica do barão de Münchhausen consistindo em sair do pântano puxando pelos seus cabelos só podia surtir efeitos caso ele tivesse uma teoria cristalina como a seguinte:
-Quase todas as semanas temos linchamentos
-Mas por quê?
-Porque a polícia não é eficiente
-E que provas tem disso?
-Porque quase todas as semanas temos linchamentos
Perguntas e perguntas às perguntas
Passamos a vida a querer saber as causas dos fenómenos. Se existe o fenómeno B tem de haver necessariamente uma causa A.
E se os fenómenos nos parecem extraordinários, fora do comum, então as nossas perguntas tornam-se desesperadamente etiológicas, somos encaminhados para o reino das causas das doenças sociais.
Por exemplo: qual a causa ou quais as causas dos linchamentos?
Nos últimos dias dezenas de pessoas preocupadas têm estado na rádio e na televisão martelando, a maior parte delas, numa causa linear, simples, pronta a vestir: os linchamentos são actos de pessoas cansadas da falta de protecção policial. Alguns, mais etiológicos, avançam logo teorias vastas do género: os linchamentos são produto da anomia social.
Depois, surge a terapêutica. Quase todos estão de acordo: é preciso punir severamente os linchadores, é preciso uma acção policial enérgica, é preciso punir os assassinos, julgá-los.
Resumindo, o quadro é este:
-Fenómeno: linchamentos
-Causa: polícia incapaz
-Solução: polícia enérgica, tribunais actuantes
Como reparam, tudo isso é claro, nada opaco. Estamos perante a fascinante situação de sabermos tudo a montante e a jusante do fenómeno, nada falha entre a causa e a solução.
E como somos dotados da rara qualidade de sabermos sem necessidade de sabermos, até nem precisamos de nos perguntar se sabemos o que sabemos e fazemos saber.
Fazer perguntas, todos as fazemos. Fazer perguntas às perguntas já é um pouco mais difícil.
Por exemplo: Por que razão a senhora, o senhor diz o que diz? A senhora, o senhor estudou o fenómeno? Quanto tempo o esteve a estudar? Onde? Que métodos usou? Falou com moradores? Com quantos? Quais os seus perfis sociais? Teve a oportunidade de falar com linchadores? Com quantos? Por quanto tempo? Qual a amostra de bairros que estudou? Quais as suas características sociais? Falou com a polícia? Que perguntas fez e que respostas obteve? Tem a certeza de que tudo se resume a um protesto contra a ausência da polícia ou contra a sua ineficácia ou contra a sua corrupção? Previu outro tipo de fenómenos? Por que propõe uma acção policial enérgica? O que exactamente significa isso? Avaliou as consequências do que propõe? De que maneira?
24 outubro 2006
Professor Staffan Bergström, Morten Nielsen e João Feijó
Conto proximamente incluir neste diário trabalhos do Professor Staffan Bergströom, ginecologista sueco (Chair, International Health, Division of International Health, Karolinska Institutet, Stockholm, Sweden), cujo trabalho com outros colegas em África muito vos deverá certamente interessar; do doutorando dinamarquês Morten Nielsen, investigador associado do Centro de Estudos Africanos; e do antropólogo português, João Feijó.
Linchamentos e histerias
Os linchamentos são o exercício total da histeria popular. Habitantes de bairros convenceram-se de que a justiça chegará com a morte dos bodes expiatórios.
Mas, por outro lado, já tem curso um outro tipo de histeria: a dos que advogam o uso "drástico" dos meios policiais, convencidos de que assim a onde linchatória terminará.
A uma violência se opõe outra em meio a um eclipse da razão.
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Sugiro a leitura do seguinte portal:
http://www.prometeu.com.br/mat-soc-linch.htm
Linchamentos: hipótese e variantes de explicação
O que é uma hipótese: uma hipótese é uma relação entre dois ou mais fenómenos. Preposição provisória, destina-se a ser testada na investigação. Aqui, é confirmada ou infirmada. A hipótese que se segue é grande, mas não me preocupei por agora em torná-la mais sintética. O fundamental para mim foi tornar claras algumas ideias. A hipótese é acompanhada por duas variantes.
Hipótese para os linchamentos: moradores dos bairros periféricos da cidade de Maputo vivem um conglomerado de problemas entre os quais a criminalidade. Exasperados com a ausência de protecção, confrontados com uma polícia que não lhes inspira confiança, decidem fazer justiça por suas próprias mãos. O linchamento surge como o exutório natural, como a despoluição, como a válvula de escape que permite evacuar temporariamente a tensão e a cólera sociais. O linchado é o bode expiatório, ele tanto pode ser criminoso como inocente. Mas o linchado simbólico é a polícia. Através do linchamento, da violência brutal, sumária, os moradores passam dos sentimentos hostis a uma acção terapêutica. Esta acção terapêutica, catárquica, dá aos moradores o sentimento da justiça finalmente feita e permite adormecer temporariamente outros problemas sociais que os apoquentam, derivados da dificuldade crescente de sobrevivência social. E se interrogados, em únissono, cúmplices, solidários, dirão que nada sabem, nada viram, nada ouviram.
(Esta hipótese salvaguarda a autenticidade popular do fenómeno)
Hipótese tornada mais complexa
Variante A: esse fenómeno genuíamente popular pode, no entanto, estar a ser ampliado pela acção de agitadores com intenção não política, destinada a criar condições para fenómenos como: ajustes de contas de natureza e amplitude a estudar, delimitação de territórios de acção futura das gangs, etc.
(Esta variante não é de natureza complotária e por isso não retira ao movimento a sua matriz popular, endógena)
Variante B: esse fenómeno genuínamente popular pode estar a ser ampliado pela acção de agitadores com uma intenção política, mas disfarçada, com o intuito de retirar dividendos políticos, igualmente de natureza e amplitude a investigar, a médio ou longo prazo.
(Esta segunda variante também não é complotária e por essa razão não subtrai ao fenómeno a sua raiz popular genuína)
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Estou completamente aberto a um debate.
Mais um linchamento
23 outubro 2006
A propósito da festa linchatória
Há uns anos atrás, quando analisei em livro os linchamentos que ocorriam nos bairros periféricos da cidade de Maputo nos anos 90, referi-me ao que então chamei "festa linchatória", à alegria dos moradores dos bairros ante a morte brutal dos linchados, à crença de que os linchamentos eliminavam o que então intitulei "poluição social".
Hoje, em conferência de imprensa, num intervenção onde falou da perda de valores morais numa cidade a contas com o crime e com as armas, a presidente da Liga dos Direitos Humanos, Alice Mabota, mostrou o seu profundo desagrado pelo facto de crianças assistirem aos linchamentos, de fazerem disso uma festa.
Como cidadão, junto-me a Alice Mabota, condeno veementemente o que se está a passar.
Mas como sociólogo, vejo-me obrigado a ir mais longe do que um pedido urgente de medidas policiais drásticas e do que uma condenação não menos drástica dos linchadores.
O problema para mim é bem mais complexo, tem um rosto poliédrico, já aqui nesta diário levantei várias questões e por isso não me parece errado colocar mais duas:
(1) O que leva pacatos cidadãos a tornarem-se repentinamente assassinos?
(2) Por que razão os linchamentos suscitam alegria?
Se se quiser, governamentalmente falando, responder a essas questões, entre outras, através de um estudo sério, talvez seja possível termos um quadro bem mais terapêutico a longo prazo.
Em meu entender, o que mais falta faz no país é a produção de trabalhos sérios que permitam, nos momentos certos, diagnosticar com profundidade as razões que estão à retaguarda de comportamentos que tanto nos ferem.
Isso é, para mim, bem mais urgente do que responder à violência com a violência na violência de deixarmos a violência inexplicada num país que já viveu e vive violência a mais.
Linchamentos prosseguem: enterrados e queimados vivos com capim e petróleo em Marracuene
"Só uma violenta tempestade pode iluminar um céu tão negro" (Shakespeare)
Dois indivíduos, suspeitos de serem cadastrados, foram na sexta-feira de manhã interceptados num bairro de Marracuene, a cerca de 30 quilómetros a norte da cidade de Maputo, e enterrados e queimados vivos com capim e petróleo (método que substitui o pneu da cidade de Maputo), de acordo com um despacho no sábado da estação televisiva STV.
Os dois linchados não viviam no bairro referido.
Como eu previa, o fenómeno dos linchamentos amplia-se agora para fora da cidade de Maputo.
As pessoas parecem estar confrontadas com um enorme vazio institucional e viver uma catarse punidora sem precedentes na história do país.
Estamos sem saber se os linchados são efectivamente criminosos. Por outro lado e por hipótese, os polícias podem também ser alvo de linchamento caso procurem intervir. Podemos mesmo prever a eventualidade futura de linchamento de polícias, acusados de não deter os criminosos.
Este é fenómeno que não requer apenas medidas policiais, mas, também e especialmente, um estudo em profundidade das causas, um diagnóstico sério.
Os linchamentos parecem assumir, de forma cada vez mais vincada, a morfologia de válvulas de segurança, de estabilizadores da intranquilidade e da saturação sociais. A busca de bodes expiatórios poderá agravar-se consideravelmente.
Um mesmo fio condutor parece atravessar a história da humanidade no tocante a fenómenos com morfologias diferentes, mas com uma mesmo anseio de catarse social, de purificação social: desde a peste que atacava Tebas e que, no mito de Édipo de Sófocles, tornou Édipo responsável por ter morto o pai; passando pelo massacre de Judeus acusados de introduzir a peste negra na França do século XIV segundo o poema escrito pelo obscuro poeta Guillaume de Machaut; até à histeria em massa na Costa do Marfim em 1996, quando catorze supostos feiticeiros foram assassinados por multidões, dois em Abidjan e doze no Gana, porque jovens haviam ficado desesperados acreditando que os seus pénis haviam desaparecido (ou encolhido) depois de estranhos terem usado um aperto de mão "enfeitiçado" - assim se acreditou - para cumprimentá-los.
Os linchamentos em Maputo, cidade e província agora, possuem o mesmo sinete de inquietação social perante o eclipse do social e do cultural que o crime representa, diante da indiferenciação gerada, face à impotência em que as pessoas se encontram. A descarga em vítimas sacrificiais representa a libertação da tensão. E essa descarga tanto pode ocorrer sobre responsáveis identificados como autores da inquietação, como sobre vítimas de substituição, sobre inocentes. Entretanto, segundo o "Notícias", 300 moradores no bairro do Zimpeto na periferia de Maputo condicionaram sábado o fim dos linchamentos no bairro à construção de uma esquadra da polícia (edição de hoje, 23/10/06, p. 19).
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Para uma visão dos linchamentos no Brasil, veja o seguinte portal:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141995000300022
22 outubro 2006
Das minissaias às tchuna-babes passando pelas melissas
Com a independência do país, em 1975, o fundamentalismo moral fez das jovens que usavam minissaias o seu alvo punidor. Casais de mão dada na rua era logo acusados de corrupção sexual.
Nos anos 80, vendiam-se na Interfranca, onde as compras se faziam em dólares, sandálias brasileiras chamadas melissas. Usá-las equivalia de imediato, para as nossas jovens, ao epíteto de prostitutas.
Lembro-me bem de ambos os fenómenos.
Ultimamente são as tchuna-babes, também brasileiras, que são motivo de inquietação para os mais velhos e obstinados guardiões da moral (leiam as cartas de leitores que, a esse propósito, frequentemente surgem no diário "Notícias"). Ajustadas ao corpo das nossas jovens, as tchuna (=bonito) deixam entrever a superfície das calcinhas, ao estilo da cantora Britney Spears. Mas por quê tanta raiva pelo corpo das jovens?
"O que está em causa é, mais uma vez, o controle das mulheres, do seu corpo, a ausência dos seus direitos sexuais e reprodutivos, em nome de uma moral e de uma tradição estática e desconhecida, elaborada e reproduzida pelos que detêm o poder”, esta a posição da minha colega Isabel Casimiro.
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Portal que serviu de informação para esta entrada, incluindo a fotografia:
http://www.sida.org.mz/index.php?option=com_content&task=view&id=147&Itemid=77
Recordo que existem neste diário várias entradas referentes às tchuna-babes.
Sobre o conflito
Conflito e harmonia, ruptura e integração são processos indissociáveis dos sistemas sociais. Todos os missionarismos beatos e nefelibatas que se convencem de que é possível criar um mundo de harmonia absoluta fracassam inevitavelmente. E um conflito tem uma regra básica: oscilar como um pêndulo na distribuição de recursos de poder.
Existem no nosso país muitas organizações que procuram evitar ou sanar conflitos sem nunca os terem estudado e, muito menos, descoberto que a paz apenas é razoavelmente possível quando existe uma distribuição razoável de recursos de poder.
Da mesma forma, abundam por aqui os auto-ditos cientistas sociais que passam a vida a pregar a paz sem nunca terem estudado conflitos e que, tal como certas organizações pacifistas, concorrem especialmente para abrir a caixa de Pandora.
O livro à esquerda, de Lewis Coser, é um clássico da sociologia americana do conflito social, publicado pela primeira vez em 1956, que muito recomendo. O segundo, é um estudo, executado sob minha direcção, sobre racismo e etnicidade em Moçambique, publicado em 2000, que procura mostrar como a distribuição desigual de recursos de poder gera sentimentos e atitudes hostis, que são predisposições ao conflito.
21 outubro 2006
Vida e morte
Maputo, Avª Friedrich Engels, Jardim dos Namorados, hoje, sábado, 10 horas. Os carros começam a chegar. À frente o mercedes, engalanado com fitas e folhos. Depois toyottas. A seguir um autocarro do ministério. Fecha a caravana um séquito de chapas apinhados. O agregado parental e de amigos escalonados por diferenças sociais visíveis. À frente, os vestidos feitos pelas costureiras de ponta, à retaguarda os vestidos e as blusas xicalamidade. Buzinas, paragem, saída. O coral, a festividade corporal, sai a noiva primeiro, sai o noivo depois, ambos com ar sério, solene, de boletim da república. Ida ao jardim, a filmagem, o ritual da homenagem, a saída. A noiva está grávida talvez de sete meses.
No mesmo momento, cemitério de Lhanguene, centenas de pessoas visitam os seus mortos, recontactam os espíritos. Os cortejos, as flores, as vestes pesadas, aqui e acolá o choro. Os adolescentes que oferecem água para as flores e que cuidam das campas. Crianças brincam ao pé coxinho. No exterior, as vendeiras de flores, os guardadores de carros, o tráfego buliçoso dos chapas, a estrada internacional privatizada pelos visitantes.
Releio Heráclito, cumprimento os contrários. "O mesmo está em nós, vida e morte".
No mesmo momento, cemitério de Lhanguene, centenas de pessoas visitam os seus mortos, recontactam os espíritos. Os cortejos, as flores, as vestes pesadas, aqui e acolá o choro. Os adolescentes que oferecem água para as flores e que cuidam das campas. Crianças brincam ao pé coxinho. No exterior, as vendeiras de flores, os guardadores de carros, o tráfego buliçoso dos chapas, a estrada internacional privatizada pelos visitantes.
Releio Heráclito, cumprimento os contrários. "O mesmo está em nós, vida e morte".
As duas vezes em que Samora leu Marx
Nos anos 80 o sociólogo suíço Jean Ziegler perguntou a Samora Machel quando tinha lido Marx pela primeira vez. Respondeu Samora que quando era pequeno ajudava o pai camponês e verificou que os camponeses eram subpagos pelos Portugueses. O sociólogo insistiu na pergunta. O presidente Samora prosseguiu dizendo que depois, já adulto, juntou-se à Frelimo e tomou parte na luta armada. Impaciente, Jean Ziegler repetiu a pergunta sobre Marx. Então, Samora terminou a sua resposta dizendo que na luta armada aprendera a "ler" Marx pela segunda vez.
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Christie, Iain, Machel of Mozambique. Harare: Zimbabwe Publishing House, 1988, p.123.
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Christie, Iain, Machel of Mozambique. Harare: Zimbabwe Publishing House, 1988, p.123.
Indivíduo escapa ao linchamento
Segundo o "Notícias", um indivíduo acusado de roubo escapou quinta-feira ao linchamento por ter sido salvo pela polícia no bairro Magoanine B.
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http://www.jornalnoticias.co.mz/pt/contentx/11486
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http://www.jornalnoticias.co.mz/pt/contentx/11486
20 outubro 2006
Desqualificação
Maboazudas, assim se chama a canção de Zico. Ele diz que ama todas as mulheres, mesmo as albinas. Um claro exercício de desqualificação.
Ainda sobre os heróis
Há alguns anos atrás, lutando contra uma cheia uma mulher moçambicana subiu a uma árvore e aí teve um filho. Uma equipa de socorro salvou ambos. Uma fotografia correu mundo, mãe e filho foram receberam depois apoio estatal.
Na mesma altura, um homem, algures neste país, também ele confrontado com a cheia, passou creio que duas noites em jangada (se a memória não me atraiçoa, construiu, até, uma segunda jangada) salvando pessoas, dezenas de pessoas. Mereceu algumas linhas na imprensa local, mas não correu mundo. Não teve nenhuma hipótese mediática de salvar pessoas empoleirado numa árvore.
Essas duas histórias chegaram à margem da minha memória quando reflectia, estirado na almadia do meu ócio, nos debates que tem havido no nosso país sobre heróis, sobre quem deve ser herói, sobre monumentos a heróis, etc.
Se, por destino dos bons deuses e dos bons espíritos, os que governam este país e os que esperam governá-lo, decidissem conjugadamente, com a alma dos irmãos gémeos, fazer um inquérito nacional para conhecerem as percepções populares sobre heróis, sobre quem são, sobre quem merece estátuas, talvez se surpreendessem com o nascimento de heróis que, por hipótese, teriam as seguintes dimensões hierarquicamente organizadas:
(1) Heróis familiares ou de parentela alargada
(2) Heróis locais, extra-familiares
(3) Heróis distritais
(4) Heróis ao nível de uma província, eventualmente de duas provínciais o máximo
(5) Heróis conhecidos em todo o país
Estatisticamente, os gestores da heroicidade talvez viessem a saber que quanto mais saímos do círculos familiar, local e distrital, mais difícil é conhecer os heróis que lhes são oficialmente propostos em dias festivos, na rádio, nos comícios, etc.
Se ao conhecimento dos heróis popularmente reconhecidos juntássemos o conhecimento sobre as suas características, talvez nos espantássemos ao verificar a variedade de critérios para estabelecer o perfil de heroicidade. Poderia até acontecer que tivéssemos por heróis espíritos de heróis.
Por hipótese, também, um trabalho desse género permitiria que soubessemos um pouco mais sobre as razões por que os estudantes e nós, afinal todos nós, pouco sabemos dos heróis.
Na mesma altura, um homem, algures neste país, também ele confrontado com a cheia, passou creio que duas noites em jangada (se a memória não me atraiçoa, construiu, até, uma segunda jangada) salvando pessoas, dezenas de pessoas. Mereceu algumas linhas na imprensa local, mas não correu mundo. Não teve nenhuma hipótese mediática de salvar pessoas empoleirado numa árvore.
Essas duas histórias chegaram à margem da minha memória quando reflectia, estirado na almadia do meu ócio, nos debates que tem havido no nosso país sobre heróis, sobre quem deve ser herói, sobre monumentos a heróis, etc.
Se, por destino dos bons deuses e dos bons espíritos, os que governam este país e os que esperam governá-lo, decidissem conjugadamente, com a alma dos irmãos gémeos, fazer um inquérito nacional para conhecerem as percepções populares sobre heróis, sobre quem são, sobre quem merece estátuas, talvez se surpreendessem com o nascimento de heróis que, por hipótese, teriam as seguintes dimensões hierarquicamente organizadas:
(1) Heróis familiares ou de parentela alargada
(2) Heróis locais, extra-familiares
(3) Heróis distritais
(4) Heróis ao nível de uma província, eventualmente de duas provínciais o máximo
(5) Heróis conhecidos em todo o país
Estatisticamente, os gestores da heroicidade talvez viessem a saber que quanto mais saímos do círculos familiar, local e distrital, mais difícil é conhecer os heróis que lhes são oficialmente propostos em dias festivos, na rádio, nos comícios, etc.
Se ao conhecimento dos heróis popularmente reconhecidos juntássemos o conhecimento sobre as suas características, talvez nos espantássemos ao verificar a variedade de critérios para estabelecer o perfil de heroicidade. Poderia até acontecer que tivéssemos por heróis espíritos de heróis.
Por hipótese, também, um trabalho desse género permitiria que soubessemos um pouco mais sobre as razões por que os estudantes e nós, afinal todos nós, pouco sabemos dos heróis.
"Douctor" Moto: o curandeiro-turbo
Esse é um anúncio, em português peculiar, de um curandeiro, reproduzido pelo semanário "Savana" na sua edição de hoje (20/10/06), p.6. Perante tão espantosa lista de curas possíveis, creio firmemente que o "Douctor" Moto até a cura é capaz de curar, porque, como ele escreveu, "tudo e possivel com a ajuda de Deus" (reproduzo fielmente o que está no anúncio, sem acentos).
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Recordo que há neste diário várias entradas sobre curandeiros.
19 outubro 2006
Frelimo procura robustecer hegemonia
A oligarquia de Frelimo cerra fileiras no sentido de robustecer a sua hegemonia - um artigo de Xavier de Figueiredo in «África Monitor Intelligence», reproduzido pelo Canal de Moçambique.
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http://www.canalmoz.com/default.jsp?file=ver_artigo&nivel=1&id=7&idRec=1028
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http://www.canalmoz.com/default.jsp?file=ver_artigo&nivel=1&id=7&idRec=1028
18 outubro 2006
Este livro não está à venda
19 de Outubro de 1986: tragédia de Mbuzini
19 de Outubro de 1986: o avião presidencial moçambicano despenha-se em Mbuzini, território sul-africano. Morrem o presidente Samora Machel e 33 membros da sua comitiva. Amanhã é, portanto, o 20º aniversário da tragédia.
As fotos aqui reproduzidas, de um livro de Iain Christie cuja referência coloco mais abaixo, mostram : (1) Uma fotografia de Samora, na capa do livro; (2) os destroços do avião, (3) o transporte dos restos mortais do presidente, (4) o funeral de Samora, vendo-se à frente, da esquerda para a direita, Marcelino dos Santos e o ex-presidente Joaquim Chissano e (5), finalmente, soldados chorando.
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Christie, Iain, Samora Machel, A biography. London/New Jersey: Zed Press/Panaf, 1989.
Falarei sobre Samora amanhã, com Emílio Manhique, no "café da manhã" da Rádio Moçambique, 7.30; e entre as 10 e as 12 na Televisão de Moçambique.
17 outubro 2006
Afirmações de Afonso Dlakhama e os pneus da bicicleta
Por ocasião do 27º aniversário da morte de André Matsangaissa, primeiro comandante militar da Renamo, morto em combate com as forças governamentais na base de "Casa Banana", distrito da Gorongosa, em 1979, o presidente do partido, Afonso Dlakhama, reuniu-se hoje com militantes do seu partido para assinalar a efeméride.
Nesse encontro, reportado pela RTP-África ao princípio da tarde, ele reafirmou que a democracia e a paz estão em perigo em Moçambique pois, nas suas palavras, a Frelimo, partido no poder, criou, com os seus "ditadores" (sic), todas as condições para as inviabilizar, a começar pela violação dos acordos de Roma de 1992, pelo que a Renamo iria tomar medidas caso a situação prevalecesse. O dirigente da Renamo chegou mesmo a afirmar que o crime organizado em Moçambique tem o beneplácito dos "ditadores da Frelimo" (sic).
Recentemente, na Beira, numa viva intervenção castrense, Dlakhama não excluiu o retorno a nova guerra caso a actual situação se mantivesse.
As declarações de Dlakhama permitem considerar quatro janelas para reflexão.
Em primeiro lugar, elas mostram , uma vez mais, quanto o estoque de heróis está polarizado no país, com a Frelimo e o próprio Estado a assinalarem recentemente o 40º aniversário do assassinato do comandante Filipe Samuel Magaia em plena luta de libertação nacional e, agora, a Renamo a assinalar a morte do comandante André Matsangaissa na guerra civil que pôs o país a ferro e fogo durante 16 anos (1976/1992)*.
Em segundo lugar, as declarações de Dlakhama, quer as feitas na Beira, quer as feitas hoje, sucedem a um cortejo de supostos desertores da Renamo com destino à Frelimo, fenómeno largamente publicitado na imprensa de orientação governamental, tendo-se formado o quadro público de uma Renamo desnorteada e exangue. O próprio Dlakhama reconheceu, poucos dias atrás, que as coisas não estavam bem no seu partido.
Em terceiro lugar, as declarações do presidente da Renamo parecem constituir uma resposta imediata, de urgência, musculada, por um lado ao aparente clima de desmoralização reinante no partido e, por outro, aos sectores que consideram que é o lado ditatorial do presidente que impede uma genuína democratização da Renamo.
Em quarto lugar, as declarações de Dlakhama como que criam a plataforma adequada, precoce que seja ainda, para colocar um ponto de interrogação nas futuras disputas eleitorais (eleições para assembleias provinciais poderão realizar-se no próximo ano) e preparar a eventualidade de pressões internacionais bi-direccionais, por um lado no sentido de levar primeiro a Frelimo a ceder fatias de recursos de poder à Renamo (para além dos assentos na Assembleia da República) e, por outro, no sentido de conduzir depois a Renamo para um jogo político despido de ameaças militares. Por outras palavras, um diplomacia internacional destinada a evitar que um dos pneus da bicicleta esteja demasiado vazio.
As declarações de Dlakhama ocorrem ainda num duplo contexto de cariz internacional: por um lado, os doadores criticam a corrupção em Moçambique e inquietam-se com a generalização da criminalidade, o que periga o investimento internacional; por outro lado, não deixam de louvar o êxito da macro-economia moçambicana e a estabilidade política reinante desde 1992.
Enquanto isso, a Rádio Moçambique anunciou hoje, no seu jornal das 19.30, que habitantes de Cheringoma queixaram-se apreensivas ao governador de Sofala da existência de homens armados em Inhaminga. O porta-voz da Renamo, ouvido em Maputo, não desmentiu a notícia, mas afirmou que, primeiro, os guerrilheiros da Renamo nunca tinham disparado sobre as populações e, segundo, que o problema fundamental estava no facto de a Frelimo não ter cumprido com os Acordos de Roma integrando-os na polícia.
Finalmente, a estação televisiva STV acaba de reportar uma conferência de imprensa dada por Policarpo Matique, director do Centro de Documentação da Universidade Eduardo Mondlane, que anunciou a sua saída da Renamo para, segundo disse, se filiar na Frelimo. Não tendo conseguido ser eleito deputado efectivo da bancada da Renamo na Assembleia da República, Matique afirmou-se desgostoso com o seu ex-partido e disse ter sido usado como mero "cavalo de batalha" (sic).
A saída de Matique, que tem um mestrado tirado no Brasil, desfalca ainda mais uma Renamo com grande défice de quadros com formação universitária, acentuando uma real crise de liderança civil num partido afectado desde 2000 com a saída de Raul Domingos (o negociador da Renamo nos Acordos de Paz em Roma frente a Armando Guebuza, actual presidente da República) e onde o único doutorado existente, caso de David Alone Selemane, parece jogar um papel subalterno.
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* Veja neste diário a entrada com o título "Consequências da guerra civil em Moçambique (1976/1992), de 01 de Maio.
Nesse encontro, reportado pela RTP-África ao princípio da tarde, ele reafirmou que a democracia e a paz estão em perigo em Moçambique pois, nas suas palavras, a Frelimo, partido no poder, criou, com os seus "ditadores" (sic), todas as condições para as inviabilizar, a começar pela violação dos acordos de Roma de 1992, pelo que a Renamo iria tomar medidas caso a situação prevalecesse. O dirigente da Renamo chegou mesmo a afirmar que o crime organizado em Moçambique tem o beneplácito dos "ditadores da Frelimo" (sic).
Recentemente, na Beira, numa viva intervenção castrense, Dlakhama não excluiu o retorno a nova guerra caso a actual situação se mantivesse.
As declarações de Dlakhama permitem considerar quatro janelas para reflexão.
Em primeiro lugar, elas mostram , uma vez mais, quanto o estoque de heróis está polarizado no país, com a Frelimo e o próprio Estado a assinalarem recentemente o 40º aniversário do assassinato do comandante Filipe Samuel Magaia em plena luta de libertação nacional e, agora, a Renamo a assinalar a morte do comandante André Matsangaissa na guerra civil que pôs o país a ferro e fogo durante 16 anos (1976/1992)*.
Em segundo lugar, as declarações de Dlakhama, quer as feitas na Beira, quer as feitas hoje, sucedem a um cortejo de supostos desertores da Renamo com destino à Frelimo, fenómeno largamente publicitado na imprensa de orientação governamental, tendo-se formado o quadro público de uma Renamo desnorteada e exangue. O próprio Dlakhama reconheceu, poucos dias atrás, que as coisas não estavam bem no seu partido.
Em terceiro lugar, as declarações do presidente da Renamo parecem constituir uma resposta imediata, de urgência, musculada, por um lado ao aparente clima de desmoralização reinante no partido e, por outro, aos sectores que consideram que é o lado ditatorial do presidente que impede uma genuína democratização da Renamo.
Em quarto lugar, as declarações de Dlakhama como que criam a plataforma adequada, precoce que seja ainda, para colocar um ponto de interrogação nas futuras disputas eleitorais (eleições para assembleias provinciais poderão realizar-se no próximo ano) e preparar a eventualidade de pressões internacionais bi-direccionais, por um lado no sentido de levar primeiro a Frelimo a ceder fatias de recursos de poder à Renamo (para além dos assentos na Assembleia da República) e, por outro, no sentido de conduzir depois a Renamo para um jogo político despido de ameaças militares. Por outras palavras, um diplomacia internacional destinada a evitar que um dos pneus da bicicleta esteja demasiado vazio.
As declarações de Dlakhama ocorrem ainda num duplo contexto de cariz internacional: por um lado, os doadores criticam a corrupção em Moçambique e inquietam-se com a generalização da criminalidade, o que periga o investimento internacional; por outro lado, não deixam de louvar o êxito da macro-economia moçambicana e a estabilidade política reinante desde 1992.
Enquanto isso, a Rádio Moçambique anunciou hoje, no seu jornal das 19.30, que habitantes de Cheringoma queixaram-se apreensivas ao governador de Sofala da existência de homens armados em Inhaminga. O porta-voz da Renamo, ouvido em Maputo, não desmentiu a notícia, mas afirmou que, primeiro, os guerrilheiros da Renamo nunca tinham disparado sobre as populações e, segundo, que o problema fundamental estava no facto de a Frelimo não ter cumprido com os Acordos de Roma integrando-os na polícia.
Finalmente, a estação televisiva STV acaba de reportar uma conferência de imprensa dada por Policarpo Matique, director do Centro de Documentação da Universidade Eduardo Mondlane, que anunciou a sua saída da Renamo para, segundo disse, se filiar na Frelimo. Não tendo conseguido ser eleito deputado efectivo da bancada da Renamo na Assembleia da República, Matique afirmou-se desgostoso com o seu ex-partido e disse ter sido usado como mero "cavalo de batalha" (sic).
A saída de Matique, que tem um mestrado tirado no Brasil, desfalca ainda mais uma Renamo com grande défice de quadros com formação universitária, acentuando uma real crise de liderança civil num partido afectado desde 2000 com a saída de Raul Domingos (o negociador da Renamo nos Acordos de Paz em Roma frente a Armando Guebuza, actual presidente da República) e onde o único doutorado existente, caso de David Alone Selemane, parece jogar um papel subalterno.
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* Veja neste diário a entrada com o título "Consequências da guerra civil em Moçambique (1976/1992), de 01 de Maio.
Criada Unidade de Diagnóstico Social
Criada a Unidade de Diagnóstico Social no Centro de Estudos Africanos.
Veja http://www.unidadediagnosticosocial.blogspot.com
Veja http://www.unidadediagnosticosocial.blogspot.com
16 outubro 2006
Normar
Fascina-me esta nossa imensa, tentacular necessidade de normar, de normalizar tudo, de contornar o múltiplo, de punir a infracção, de decapitar o diferente, de patologizar o desigual, de tornar doença e loucura o distante e o irregular, este nossa sede de criar regras, de procurar a alma da simetria absoluta, do igual.
As réguas, as gramáticas, os manuais, os códigos penais, os sinais luminosos.
Belas páginas existem a esse propósito em Michel Foucault e Georges Canguilhem.
O herói
O que é um herói? Um herói é a conjunção de dois fenómenos: os seus feitos reais ou imaginários e a nossa necessidade de feitos. Frequentemente o peso da nossa necessidade (popular, religiosa ou política) de feitos suplanta os feitos reais ou imaginários do herói e consegue dar-lhes uma dimensão mais marcante, mais sonante ainda, quase divina ou integralmente divina.
Quando queremos reconstituir a unidade psíquico-comportamental de um herói, confrontamo-nos com inúmeros espelhos com ângulos de refracção diferentes. O herói foi, evidentemente, várias coisas na sua vida, mas as nossas necessidades (da gente comum, dos povos em luta, dos historiadores, dos políticos, dos chefes religiosos) podem sobrevalorizar - e frequentemente fazem-no - esta ou aquela característica, característica seleccionada que acaba por eclipsar as outras facetas do herói.
Isso é especialmente marcante na ocorrência da morte. Com efeito, a morte de alguém concorre para a criação ou para a ampliação das características do herói ou da característica central do herói. As representações sociais que as produzem ou a produzem acabam por diluir, por atenuar, por disfarçar e, até, por apagar as facetas normais do homem comum, os seus defeitos, a aspereza do seu comportamento, etc. O herói surge, então, furtado à comezinha trajectória humana na sua qualidade mítica, sobre-humana, definitiva, eterna.
Quando queremos reconstituir a unidade psíquico-comportamental de um herói, confrontamo-nos com inúmeros espelhos com ângulos de refracção diferentes. O herói foi, evidentemente, várias coisas na sua vida, mas as nossas necessidades (da gente comum, dos povos em luta, dos historiadores, dos políticos, dos chefes religiosos) podem sobrevalorizar - e frequentemente fazem-no - esta ou aquela característica, característica seleccionada que acaba por eclipsar as outras facetas do herói.
Isso é especialmente marcante na ocorrência da morte. Com efeito, a morte de alguém concorre para a criação ou para a ampliação das características do herói ou da característica central do herói. As representações sociais que as produzem ou a produzem acabam por diluir, por atenuar, por disfarçar e, até, por apagar as facetas normais do homem comum, os seus defeitos, a aspereza do seu comportamento, etc. O herói surge, então, furtado à comezinha trajectória humana na sua qualidade mítica, sobre-humana, definitiva, eterna.
Faleceu o biólogo, escultor e pintor Augusto Cabral
Faleceu sábado, com 84 anos, vítima de doença, o biólogo, escultor e pintor Augusto Cabral, da Universidade Eduardo Mondlane, que tanto fez pelo Museu de História Natural em Maputo, onde estava como director desde 1977. Durante mais de 18 anos trabalhou sozinho como investigador no museu, tendo desenvolvido muita investigação na área de herpetologia (cobras, serpentes, lagartos, tartatugas, sapos e rãs). De igual modo foi, aí, responsável pela manutenção das colecções de aves, mamíferos e insectos.
Foi também, durante anos, colaborador em programas infantis da Rádio Moçambique, divulgando justamente toda a sua imensa sabedoria sobre animais.
Relatório da LDH sobre homossexualismo em Moçambique
Segundo o portal imensis, a Liga dos Direitos Humanos (LDH) apresentou na quinta-feira passada, num seminário em que participaram homossexuais de Moçambique, África do Sul, Brasil, Namíbia, Tanzânia e Zimbabué, um estudo no qual se afirma que 48% dos habitantes das cidades de Maputo, Beira, Nampula e Quelimane "admite a hipótese de poder ser homossexual" (sic).
O portal não refere como a amostra de inquiridos foi calculada, se foi do tipo probabilístico ou não e que tipo de quesitos foram colocados aos inquiridos. Acresce que ignoro o significado da frase extractada. De qualquer das formas, de acordo com o estudo da LDH, citado pelo imensis, as mulheres são mais receptivas ao tema.
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http://www.imensis.co.mz/news/anmviewer.asp?a=6759&z=15
O portal não refere como a amostra de inquiridos foi calculada, se foi do tipo probabilístico ou não e que tipo de quesitos foram colocados aos inquiridos. Acresce que ignoro o significado da frase extractada. De qualquer das formas, de acordo com o estudo da LDH, citado pelo imensis, as mulheres são mais receptivas ao tema.
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http://www.imensis.co.mz/news/anmviewer.asp?a=6759&z=15
14 outubro 2006
Hipóteses
Hipótese A
Quando um partido que gere o Estado não tem concorrência no mercado das ideias, os movimentos de independência interna são possíveis, o pensar diferente pode surgir e muitas vezes surge por dissidência. Mas quando esse partido está em concorrência com outros, os seus membros cerram fileiras e todas as ideias divergentes são publicamente silenciadas, virando-se os canhões para o exterior ameaçante, especialmente se os concorrentes são fortes ou se um dos concorrentes é forte. Este quadro é especialmente claro em países com uma prática eleitoral ainda jovem.
Hipótese B
Quanto mais contínua for a vitória de um partido em pleitos eleitorais, maiores serão as tendências separatistas nos partidos adversários e maior a possibilidade de filiação no partido vencedor.
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Após o comentário de um leitor, pequenas rectificações foram introduzidas nesta entrada. Poderei voltar a trabalhar nela. Aguardo por mais comentários.
Quando um partido que gere o Estado não tem concorrência no mercado das ideias, os movimentos de independência interna são possíveis, o pensar diferente pode surgir e muitas vezes surge por dissidência. Mas quando esse partido está em concorrência com outros, os seus membros cerram fileiras e todas as ideias divergentes são publicamente silenciadas, virando-se os canhões para o exterior ameaçante, especialmente se os concorrentes são fortes ou se um dos concorrentes é forte. Este quadro é especialmente claro em países com uma prática eleitoral ainda jovem.
Hipótese B
Quanto mais contínua for a vitória de um partido em pleitos eleitorais, maiores serão as tendências separatistas nos partidos adversários e maior a possibilidade de filiação no partido vencedor.
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Após o comentário de um leitor, pequenas rectificações foram introduzidas nesta entrada. Poderei voltar a trabalhar nela. Aguardo por mais comentários.
Confissão
Na confissão que fazemos ao padre na igreja ou na auto-crítica que fazemos aos camaradas do partido, declaramos os nossos pecados e depois tentamos emendar-nos cumprindo com o castigo que o padre ou os camaradas nos impõem. No primeiro caso apenas o padre conhece os nossos pecados, no segundo todos os camaradas os conhecem.
O homem/a mulher importante e o/a criado (a) de quarto
De onde bem a auréola do homem/da mulher importante? Vem dele (a) mesmo? Não, vem de nós, vem da nossa permanente sede de termos um deus homologador de um cada um dos nossos actos. Nós queremos do mais fundo de nós que o homem importante/a mulher importante guarde permanentemente aquela imagem do poder, do segredo, da distância que nos afasta e nos aproxima ao mesmo tempo. Dentro de nós há sempre um pedestal reverente, uma estrada para o divino e para a genuflexão. Claro, o homem importante/a mulher importante tenta impôr o poder, o segredo, a distância. Mas somos nós quem, em última análise, o/a dotamos com esses atributos e os reproduzimos. Ao amarmos a nossa pequenez damo-nos o supremo deleite de transferir para os deuses profanos a autoria da nossa felicidade em segunda mão.
Apenas há uma ovelha ranhosa nessa história, para dizer as coisas como Georg Simmel: o criado de quarto/a criada de quarto. Este/esta não tem heróis, conhece bem as comezinhas coisas humanas dos homens importantes/das mulheres importantes. Especialmente o cheiro da sua estupidez e da sua mediocridade.
Apenas há uma ovelha ranhosa nessa história, para dizer as coisas como Georg Simmel: o criado de quarto/a criada de quarto. Este/esta não tem heróis, conhece bem as comezinhas coisas humanas dos homens importantes/das mulheres importantes. Especialmente o cheiro da sua estupidez e da sua mediocridade.
Quelimane: táxi-bicicleta e passa-vale
Desde 2003 que na cidade de Quelimane os taxistas não usam carros, mas bicicletas.
Na cidade não há nunca trocos não importa onde e sob que transacção: o sistema é o passa-vale. O vale é o troco.
Na cidade não há nunca trocos não importa onde e sob que transacção: o sistema é o passa-vale. O vale é o troco.
13 outubro 2006
Associação
Os homossexuais tencionam criar uma associação no País (Jornal das 19.55, STV, hoje, 13/10/06).
Esta madrugada: dois linchados e um terceiro que escapa à morte
Dois indivíduos foram esta madrugada linchados e queimados vivos com pneus incendiados no bairro de Magoanine C (Matendene), periferia de Maputo, acusados de roubo e de violação de uma mulher. Um terceiro escapou à morte após ter sido socorrido por polícias, encontrando-se em estado grave no Hospital Central. Habitantes do bairro disseram que os três faziam parte de uma quadrilha constituída por cinco elementos e prometeram continuar os linchamentos enquanto a polícia não os proteger dos criminosos. Por sua vez, um porta-voz da polícia disse que os linchadores poderiam ser indiciados de crime.
Obtive esta informação há momentos, quando era entrevistado pela estação televisiva STV no noticiário das 19.55 justamente para comentar mais estes linchamentos.
A situação agrava-se, portanto, como num efeito bola de neve.
12 outubro 2006
Cheiros e nosso comportamento sexual
Uma pesquisa realizada por biólogos americanos do Fred Hutchinson Cancer Research Center, em Seattle, Estados-Unidos, e divulgada pela Nature, revelou que os cheiros dos feromónios humanos (substâncias químicas produzidas pelo corpo) podem influenciar o nosso comportamento sexual.
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http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia
Foto reproduzida do portal
Machismo esclarecido
O homem-macho não deve vergonha de olhar fundo nos olhos de uma mulher e de lhe dizer algo como "querida, sem dúvida que em alguns aspectos te sou superior". Hoje o masculinismo progride, o feminismo regride. O metrossexual dá origem ao retrossexual. Este não carece de olhar um espelho para ser macho: já é macho intrinsecamente.
Eis a nova linha do machismo esclarecido. Quem defende isso não sou eu, mas um dos titulares da Cadeira de Filosofia Política na famosa universidade americana de Harvard, sociólogo, Professor Harvey Mansfield.
Imagino o que seria o surgimento neste país de um movimento masculinista, com revistas, livros e recursos à ciência e à bíblia para mostrar quanto as mulheres estão a ser injustas com os homens, esquecendo-se da bio-superioridade destes. E com um slogan razoável do género: Homens de todo o mundo, uni-vos!
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Manfield, Harvey, Manliness. Yale: Yale University Press, 2006
Quelimane
Quelimane, cidade-coco, os palmares encostam-na ao céu, o casario vetusto alfineta-a no passado, as bicicletas originalizam-na. A cidade dos machuabo e das donas e das sinháras, ponto arquimédico de culturas de todos os azimutes, dos segredos nocturnos, dos amores sem fronteiras, dos rostos femininos de uma beleza secreta e mestiça espreitando em janelas fantásticas de casas paradas no tempo. Sorvo o cheiro quente do Rio dos Bons Sinais, encosto-me visualmente a Inhassunge na outra margem. Banho-me no século XIX, sinto-me lento, mas alegre, namorado pela sura e subitamente sorvido pela babilónia do compra-tudo-vende-tudo-desenrasca sempre do mercado Brandão. Desisto da gloriosa aventura de ir de chapa-bicicleta até Nhamacurra. Como mucapata e galinha à zambeziana, o piripiri é mesmo bom, definitivamente sacana.
Maputo: homossexualidade em debate
Hoje e amanhã debate-se em Maputo a homossexualidade, numa iniciativa da Liga dos Direitos Humanos em parceria com a HIVOS. A notícia surge em destaque na primeira página do "Notícias" de hoje, 12/10/06.
O castelo de Kafka dos nomes
Segundo o semanário "meianoite", uma senhora quis registar a sua filha num cartório de registos e notariado de Maputo com o nome Jenny. Mas um zeloso funcionário retorquiu-lhe que não podia aceitar semelhante nome, Jennifer sim, esse podia. De nada valeu à senhora o facto de o nome Jenny ter sido à filha pelo conselho de anciãos da família do marido. Uma outra quis registar o filho com o nome Holy, mas um outro zeloso funcionário redargiu que não podia aceitar esse nome porque claramente derivava de Hollywood.
Não existe no país um lei que determine que só certos nomes podem ser usados ("meianoite", edição de 10/16 de Outubro de 2008, pp. 8-9.
Não existe no país um lei que determine que só certos nomes podem ser usados ("meianoite", edição de 10/16 de Outubro de 2008, pp. 8-9.
11 outubro 2006
The Hague
Amesterdão, gare, comboio. Trinta quilómetros até The Hague, tulipas, bicicletas, tudo virgulado com verde e água. O casario parece a beleza arrumada numa foto para nós. The Hague. Uma cidade na qual os automóveis circulam com os faróis acesos em pleno dia e na qual durante uma semana não vi um único polícia nas ruas. Cruzo com gente do mundo, vejo africanos. O Instituto Clingendael no meio de um parque cheio de pássaros, que parecem sonhos coloridos encostados às nossas retinas. Apetece ser holandês sem deixar de ser moçambicano, remando neste lago europeu onde deposito a mestiçagem da vida e recordo as belas acácias de Maputo.
Ainda sobre a sociologia
A sociologia é a filosofia com problemas de consciência confessando-se à estatística.
Maledicência
A maledicência tem sempre a virtude de arrumar os outros naquilo que em nós está desarrumado: a mediocridade.
Gabriel Garcia Márquez
Gabriel Garcia Márquez é um sonho sem horizontes ao qual os livros impõem o horizonte de Macondo.
O terrível conflito partidário em torno das coisas modestas
A propósito do conflito de interpretações que na entrada anterior dei a conhecer (uma estátua, dos partidos, duas interpretações diferentes), recordei-me de Georg Simmel e das suas brilhantes páginas sobre o conflito.
Escreveu ele que dificilmente podemos renunciar a um instinto de luta a priori se tivermos em conta especialmente as coisas mais simples que dão origem aos combates mais graves.
Citando um historiador inglês, Simmel contou a história de dois partidos irlandeses que se bateram em todo o país por causa da disputa em torno da cor de uma vaca.
Por outro lado, na Índia - prosseguiu Simmel -, tempo houve em que perigosas revoltas eclodiram no seguimento de uma rivalidade entre dois partidos que ignoravam tudo um do outro salvo que um era o partido da mão direita e o outro, da mão esquerda.
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Simmel, Georg, Le conflit. Paris: Circé, 1992, p. 41.
Escreveu ele que dificilmente podemos renunciar a um instinto de luta a priori se tivermos em conta especialmente as coisas mais simples que dão origem aos combates mais graves.
Citando um historiador inglês, Simmel contou a história de dois partidos irlandeses que se bateram em todo o país por causa da disputa em torno da cor de uma vaca.
Por outro lado, na Índia - prosseguiu Simmel -, tempo houve em que perigosas revoltas eclodiram no seguimento de uma rivalidade entre dois partidos que ignoravam tudo um do outro salvo que um era o partido da mão direita e o outro, da mão esquerda.
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Simmel, Georg, Le conflit. Paris: Circé, 1992, p. 41.
Os caminhos duros da história
Na cidade da Beira, o partido Frelimo, no poder, pediu ao município autorização para construir uma estátua em memória de Samora Machel, primeiro presidente de Moçambique. O presidente do município, engenheiro Deviz Simango, que é da Renamo, partido na oposição, ainda não autorizou o pedido, argumentando que o terreno indicado pela Frelimo se situa em zona pantanosa e próximo da conduta de água que abastece a cidade. A bancada da Frelimo na Assembleia Municipal da Beira considera a posição de Simango como afronta à história do povo moçambicano ("Notícias" de hoje, 11/10/06, p.4).
Um tema, duas visões diferentes.
Através deste exemplo, que está a gerar muita controvérsia, podemos ter uma ideia das dificuldades que têm os historiadores para escrever a história de não importa o quê.
Um tema, duas visões diferentes.
Através deste exemplo, que está a gerar muita controvérsia, podemos ter uma ideia das dificuldades que têm os historiadores para escrever a história de não importa o quê.
Sida e mau-olhado
No Govuro, província de Inhambane, doentes com HIV/SIDA recusam tomar os retrovirais alegando estarem doentes devido ao mau-olhado de parentes (Rádio Moçambique, noticiário das 06 horas, edição de hoje, 11/10/06).
10 outubro 2006
Sólidas crenças de avestruz
Se alguém acredita que deve pensar da maneira X, com a qual eu não estou absolutamente de acordo porque penso da maneira Y, é racional pensar que ela é irracional?
Não é feliz o proprietário da digna maneira X e não sou eu também feliz com a minha digna maneira Y?
Não é avestruz feliz quando esconde a cabeça na areia face ao perigo? Se assim fazendo se convenceu de que não há perigo, por que deveria levantar a cabeça? Poderia adoptar outro método mais racional, de menos risco? Tentem lá convencê-la então!
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A ideia da avestruz veio-me de um texto de Charles Peirce.
A lâmina de Occam
Sabem, penso nas numerosas perguntas que amiúde me colocam os estudantes, os amigos, os desconhecidos, a propósito não importa de que tema.
E eu, pobre de mim, que regra geral tenho as dúvidas e a ignorância como refeições diárias!
Mas penso, penso, por exemplo, no belo princípio da lâmina de Occam: os múltiplos não devem ser usados sem necessidade.
Se tens uma hipótese, não queiras duas; se tens uma estrada, não lhe cries caminhos vicinais; se há gordos, é porque comem de mais; se os ladrões actual impunes, é porque a polícia é inepta; se os estudantes têm más notas, é porque não estudam; se és professor, é porque sabes tudo; se tens dores de dentes, é porque tens um dente cariado; se tens ideias contrárias às minhas, é porque não gostas de mim; se és camponês e vens para a cidade, é porque a cidade te atraiu; se alguém foi linchado, é porque era um criminoso; se morrem duas crianças no bairro, é porque um xicuembo está à solta.
Alguém põe em dúvida tão sacrossantos princípios dedutivos do nosso dia-a-dia, enfeitados com o nosso querido e simples porque, fertilizados pela alma occamiana?
É com o princípio de Occam, com esse princípio aticamente simples, que penso quanto as pessoas exigem, penso quanto todos nós exigimos respostas imediatas para problemas complexos, respostas que tenham a simplicidade dos troncos e que arredias estejam da confusão dos galhos das árvores, penso na nossa sede de causas imediatas e de respostas prontas a servir. Penso na sede de cada um de nós daquilo a que Charles Peirce chamava "estado de crença", sejam quais forem os problemas e os ângulos desse estado.
O que é conhecimento senão uma bofetada permanente de certeza na malfadada face da dúvida? Desmiss make believe, o famoso princípio de Peirce. Mas como obter isso, como não procurar as verdades últimas?
Penso, enfim, na sociologia, nesta fantástica ciência para a qual desde Comte muitos procuram as leis que façam entender e domesticar todo este nosso social.
Eu, pobre de mim, que regra geral apenas tenho as dúvidas e a ignorância como refeições diárias! Mas que, afinal, também como vós, tenho a permanente sede de crença, essa sede de cidadão que se infiltra, insidiosa, na frieza frágil do sociólogo, sociólogo ele também um crente em graça.
Enfim, estou crente de que não tomareis este texto como uma traição ao Occam, como uma facada complexa na simplicidade. O riso é um excelente tempero sociológico, sabem?
E eu, pobre de mim, que regra geral tenho as dúvidas e a ignorância como refeições diárias!
Mas penso, penso, por exemplo, no belo princípio da lâmina de Occam: os múltiplos não devem ser usados sem necessidade.
Se tens uma hipótese, não queiras duas; se tens uma estrada, não lhe cries caminhos vicinais; se há gordos, é porque comem de mais; se os ladrões actual impunes, é porque a polícia é inepta; se os estudantes têm más notas, é porque não estudam; se és professor, é porque sabes tudo; se tens dores de dentes, é porque tens um dente cariado; se tens ideias contrárias às minhas, é porque não gostas de mim; se és camponês e vens para a cidade, é porque a cidade te atraiu; se alguém foi linchado, é porque era um criminoso; se morrem duas crianças no bairro, é porque um xicuembo está à solta.
Alguém põe em dúvida tão sacrossantos princípios dedutivos do nosso dia-a-dia, enfeitados com o nosso querido e simples porque, fertilizados pela alma occamiana?
É com o princípio de Occam, com esse princípio aticamente simples, que penso quanto as pessoas exigem, penso quanto todos nós exigimos respostas imediatas para problemas complexos, respostas que tenham a simplicidade dos troncos e que arredias estejam da confusão dos galhos das árvores, penso na nossa sede de causas imediatas e de respostas prontas a servir. Penso na sede de cada um de nós daquilo a que Charles Peirce chamava "estado de crença", sejam quais forem os problemas e os ângulos desse estado.
O que é conhecimento senão uma bofetada permanente de certeza na malfadada face da dúvida? Desmiss make believe, o famoso princípio de Peirce. Mas como obter isso, como não procurar as verdades últimas?
Penso, enfim, na sociologia, nesta fantástica ciência para a qual desde Comte muitos procuram as leis que façam entender e domesticar todo este nosso social.
Eu, pobre de mim, que regra geral apenas tenho as dúvidas e a ignorância como refeições diárias! Mas que, afinal, também como vós, tenho a permanente sede de crença, essa sede de cidadão que se infiltra, insidiosa, na frieza frágil do sociólogo, sociólogo ele também um crente em graça.
Enfim, estou crente de que não tomareis este texto como uma traição ao Occam, como uma facada complexa na simplicidade. O riso é um excelente tempero sociológico, sabem?
Africa Confidential e corrupção em Moçambique
O Africa Confidential analisa a corrupção em Moçambique.
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http://www.africa-confidential.com/index.aspx?pageid=22&countryid=35
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http://www.africa-confidential.com/index.aspx?pageid=22&countryid=35
Pistoleiros em Maputo, elefantes no Guro
Se na cidade de Maputo os pistoleiros incomodam os cidadãos, em Manica os elefantes incomodam os camponeses.
Com efeito, no Guro, norte da província de Manica, elefantes estragam culturas, celeiros e põem em pânico os camponeses. As camponesas são frequentemente obrigados a refugiarem-se nas árvores, ajudadas pelos maridos. Existe um único caçador na área, mas impotente perante elefantes que não temem nem batuque nem fogo. Alguns homens estão agora a ser treinados como caçadores (Noticiário da Rádio Moçambique das 6 horas de hoje,10/10/06).
09 outubro 2006
Linchamentos: tema em debate na RM amanhã às 07.30
Amanhã, no programa "café da manhã", Rádio Moçambique, 07.30, estarei com o jornalista Emílio Manhique para falarmos dos linchamentos que têm ocorrido na periferia da cidade de Maputo.
Recomendo, entretanto, a breve análise que esbocei sobre linchamentos no livro cuja capa aqui apresento, 2ª ed., Imprensa Universitária, 2003, pp. 48-51.
Pesquisa sobre blogosfera em Moçambique
Conto poder divulgar brevemente resultados de um estudo sobre a blogosfera em Moçambique, executado por nove estudantes universitários de História sob condução do meu assistente, Teles Huo (recordo que há diversas entradas a propósito neste diário).
A equipa está ainda a processar a informação obtida e a reconferir certos dados.
Por enquanto posso adiantar que foram até agora identificados 164 blogues num movimento que parece ter o seu início em 2003. Estes números podem, porém, sofrer alteração.
A equipa está ainda a processar a informação obtida e a reconferir certos dados.
Por enquanto posso adiantar que foram até agora identificados 164 blogues num movimento que parece ter o seu início em 2003. Estes números podem, porém, sofrer alteração.
A luta continua!
08 outubro 2006
Fogo que devora Sofala, dinheiro queimado e ordens dos espíritos
O fogo devasta vários distritos nas província de Sofala há cerca de 15 dias, com estragos dramáticos, não existindo meios adequados para combate aos incêndios florestais. Por exemplo, o fogo destruiu já dinheiro que os camponeses têm por hábito guardar em casa. De acordo com Maria Augusta, chefe dos Serviços Provinciais de Florestas e Fauna Bravia, as queimadas têm a ver com mentalidade campesina: "Temos pessoas que dizem que estão a cumprir ordens dos espíritos, que lhes mandam queimar. São questões que não estão ligadas à ciência como tal. São aspectos sociológicos que temos de continuar a investigar, mas asseguro-lhe que não é falta de sensibilização" ("Domingo" de hoje, o8/10/06, p. 3.)
Ainda a propósito dos linchamentos na periferia da cidade de Maputo
A propósito da minha entrada neste diário com o título "Uma análise dos linchamentos na cidade de Maputo", de 02/10/06, o leitor Wetela fez o seguinte comentário: "Num debate realizado pela Televisão de Moçambique falava-se da necessidade de se abordar o crime como um fenómeno social, levantaram-se questões antropológicas a tentar explicar a natureza dos crimes e dos seus praticantes...Um dos intervenientes, perito em matérias de crime, falou da necessidade de se apostar nos estudos criminológicos, ou da necessidade de se desenvolver essa área da sociologia do crime...Os linchamentos sob meu ponto de vista reflectem de uma forma latente as fraquezas do Estado na area do controle da segurança pública. O enfurecimento da população e o desespero traduzem-se em atitudes radicais como as que vemos nos bairros periféricos. Uma dúvida surge em mim... Será que este comportamento é característico das pessoas residentes em bairros periféricos da cidade? Pois não me lembro de ter ouvido situações de linchamento em plena cidade de Maputo. Sexta-feira, Outubro 06, 2006 12:23:23 PM".
O comentário de Wetela contém três tipos de questões:
(1) Os perfis criminais (eventualmente com um apelo aos estudos de tipo bio-antropológico);
(2) O papel do Estado na monitoria e no controlo das crispações sociais;
(3) A natureza específica dos linchamentos em bairros periféricos da cidade de Maputo.
Eu não investiguei o que realmente se passa nos bairros periféricos. Se tivesse de o fazer, pôr-me-ia as seguintes nove perguntas de partida para uma problemática possível de análise:
(1) Que fenómenos têm nos linchamentos o seu desaguadouro, a sua foz?
(2) Quais as características desses fenómenos?
(3) Por que razão os residentes (se residentes forem) adoptam o linchamento como solução?
(4) Qual o tamanho dos grupos linchadores (se grupos forem)?
(5) Qual o estatuto social dos linchadores?
(6) Por que razão os linchamentos são efectuados de noite?
(7) Por que razão são usados pneus incendiados com combustível?
(8) Por que razão os linchamentos não ocorrem em plena cidade de Maputo?
(9) Que meios tem a polícia, aí compreendida a comunitária, para fazer face a esse tipo de fenómenos?
A propósito dos estudos antropológicos (proposta surgida num programa de televisão segundo Wetela) e, eventualmente, bio-antropológicos (com incidência na natureza natural dos criminosos) e biodinâmicos (no sentido de que os homens são por natureza anti-sociais, como defendeu Freud um dia, e por isso é tudo uma questão de ter uma polícia forte que evite a a-socialização completa e coiba o lupus hominis que cada um de nós é suposto ser) e da eventual especificidade dos linchamentos (bairros periféricos), permito-me, rapidamente, recordar algumas coisas que neste diário já abordei.
Na história da sociologia, da psicologia e da psiquiatria, no recurso à frenologia, ao alienismo, etc., momentos houve em que as figuras do associal, do criminoso, do renitente, do louco, se constituíram como êmbolo de teorias destinadas a evacuar da sociedade o perigo da anomia.
O desenvolvimento dos hospícios, das prisões "panópticas", das casas de correcção, tão brilhantemente descritos por Michel Foucault, foram aplicações das teorias citadas.
E entre essas teorias não podemos deixar de colocar as de Lombroso, com a sua formulação do criminoso atávico, suposto reproduzir em si os instintos mais ferozes da humanidade.
Todas essas teorias, todos esses estudos, punham-se problemas a jusante da sociedade, raramente a montante. Porque, na realidade, dificilmente encontramos nos séculos XVIII e especialmente XIX perguntas do género:
(1) Que características sociais dão origem aos criminosos?
(2) Existem tipos de sociedades mais propícias do que outras ao surgimento do crime?
Se, entretanto, quisermos reflectir ao nível da cidade de Maputo, podemos colocar-nos perguntas como as seguintes:
(1) Por que razão os linchamentos inexistem antes dos anos 90?
(2) Existe alguma relação entre linchamentos e economia de mercado?
06 outubro 2006
Unidade de diagnóstico social - portal em construção
A ideia vai avançado devagar, mas avança. Uma pequena equipa reuniu-se comigo hoje. Uma das preocupações centrais consiste em alargar crescentemente o fórum de debate, investigação e explicitação de resultados. Entretanto, eis o portal ainda em construção:
http://unidadediagnosticosocial.blogspot.com
http://unidadediagnosticosocial.blogspot.com
05 outubro 2006
O que é um sociólogo
Blogosfera e criatividade
Na net e na blogosfera também podemos ser interventores, criadores.
Claro, há quem diga que à net apenas chega a mediocridade. Mas também há quem diga que isso não é verdade.
Se sabe inglês, leia, a propósito, um belo artigo no The Economist (pertence-lhe a ilustração desta entrada) com elo mais abaixo.
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http://www.economist.com/surveys/displaystory.cfm?story_id=6794156
04 outubro 2006
Dlakhama e a memória da guerra
Hoje, 4 de Outubro, assinala-se o 14º aniversário dos acordos de Roma, entre a Frelimo e a Renamo, após uma guerra civil cruel que durou 16 anos. Mas justamente hoje, em intervenção pública reproduzida pela Rádio Moçambique no jornal das 19.30, o Sr. Afonso Dlakhama, presidente da Renamo, referindo-se à pressão dos seus generais, não excluiu o regresso à guerra se a Frelimo "não recuar" (sic).
Unidade de Diagnóstico Social - Carta aos governantes de Moçambique
Estimados Governantes
Permitam-me que, desta forma simples, informal, fazendo uso deste poderoso meio de comunicação, vos dirija esta carta e vos convide a lê-la.
Tendes muitas tarefas, mas espero que a possais ler. Se não a puderdes ler, eventualmente algum dos vossos subordinados vos poderá chamar a atenção para ela. Assim espero.
A questão é a seguinte: muitas vezes surgem no nosso país fenómenos cuja natureza e cuja amplitude passam despercebidas ou que não recebem a atenção necessária, fenómenos cuja gravidade requer um diagnóstico imediato e um conjunto de medidas de prevenção e correcção.
Por exemplo: os linchamentos que estão a ocorrer este ano e que parecem ter começado no bairro T3 na Matola; as acusações nas zonas ribeirinhas de Nampula de que o governo as está a matar com a cólera introduzindo deliberadamente cloro na água; o linchamento, há alguns anos atrás, de dezenas de pessoas acusadas em Cabo Delgado de serem proprietárias mágicas de leões; ou, se quiserdes, ainda, a impossibilidade de se pescar na lagoa de Pembe em Inhambane, farta de peixe, por se julgar que os maus espíritos isso impedem, são apenas alguns dos fenómenos que exigem uma investigação imediata e profunda e a apresentação de recomendações digamos que terapêuticas.
Nesse sentido, proponho-vos a criação de uma Unidade de Diagnóstico Social, formada por um pequeno grupo de investigadores experientes, uma unidade multidisciplinar intra e trans-governamental, cuja função consistiria justamente em estudar em profundidade fenómenos com a natureza dos indicados e divulgar os resultados por canais diversos.
Essa unidade não precisaria de gabinetes, viaturas, protocolo, etc. Os seus investigadores seriam professores universitários que saberiam criar as condições para funcionarem de forma multisectorial, rápida, eficiente e informal.
A única coisa necessária seria vocês financiarem as suas deslocações, as suas estadias e aquele pequeno mundo de despesas que é necessário fazer para se estudar algo.
A unidade responderia às seguintes cinco perguntas básicas:
1) De que fenómeno se trata?
2) Qual a sua morfologia?
3) Quais as suas causas?
4) Qual o seu potencial de irradiação?
5) Qual a profilaxia a adoptar?
Esta a sugestão que vos quis fazer. Espero que tenha utilidade.
Obrigado por me terem lido.
Recebam os meus mais cordiais cumprimentos.
Carlos Serra
Sociólogo
Professor Catedrático
Centro de Estudos Africanos
Universidade Eduardo Mondlane
P.S. - Solicito a todos aqueles que têm o meu blog nos seus elos, que divulguem este pedido. O meu muito obrigado.
Permitam-me que, desta forma simples, informal, fazendo uso deste poderoso meio de comunicação, vos dirija esta carta e vos convide a lê-la.
Tendes muitas tarefas, mas espero que a possais ler. Se não a puderdes ler, eventualmente algum dos vossos subordinados vos poderá chamar a atenção para ela. Assim espero.
A questão é a seguinte: muitas vezes surgem no nosso país fenómenos cuja natureza e cuja amplitude passam despercebidas ou que não recebem a atenção necessária, fenómenos cuja gravidade requer um diagnóstico imediato e um conjunto de medidas de prevenção e correcção.
Por exemplo: os linchamentos que estão a ocorrer este ano e que parecem ter começado no bairro T3 na Matola; as acusações nas zonas ribeirinhas de Nampula de que o governo as está a matar com a cólera introduzindo deliberadamente cloro na água; o linchamento, há alguns anos atrás, de dezenas de pessoas acusadas em Cabo Delgado de serem proprietárias mágicas de leões; ou, se quiserdes, ainda, a impossibilidade de se pescar na lagoa de Pembe em Inhambane, farta de peixe, por se julgar que os maus espíritos isso impedem, são apenas alguns dos fenómenos que exigem uma investigação imediata e profunda e a apresentação de recomendações digamos que terapêuticas.
Nesse sentido, proponho-vos a criação de uma Unidade de Diagnóstico Social, formada por um pequeno grupo de investigadores experientes, uma unidade multidisciplinar intra e trans-governamental, cuja função consistiria justamente em estudar em profundidade fenómenos com a natureza dos indicados e divulgar os resultados por canais diversos.
Essa unidade não precisaria de gabinetes, viaturas, protocolo, etc. Os seus investigadores seriam professores universitários que saberiam criar as condições para funcionarem de forma multisectorial, rápida, eficiente e informal.
A única coisa necessária seria vocês financiarem as suas deslocações, as suas estadias e aquele pequeno mundo de despesas que é necessário fazer para se estudar algo.
A unidade responderia às seguintes cinco perguntas básicas:
1) De que fenómeno se trata?
2) Qual a sua morfologia?
3) Quais as suas causas?
4) Qual o seu potencial de irradiação?
5) Qual a profilaxia a adoptar?
Esta a sugestão que vos quis fazer. Espero que tenha utilidade.
Obrigado por me terem lido.
Recebam os meus mais cordiais cumprimentos.
Carlos Serra
Sociólogo
Professor Catedrático
Centro de Estudos Africanos
Universidade Eduardo Mondlane
P.S. - Solicito a todos aqueles que têm o meu blog nos seus elos, que divulguem este pedido. O meu muito obrigado.
03 outubro 2006
A propósito ainda de eleições
Escrevi sobre eleições presidenciais na Zâmbia e no Brasil mais abaixo. Aproximam-se eleições aqui, em Moçambique.
Permitam-me o imodesto acto de vos recomendar a leitura do livro cuja capa aqui mostro.
As eleições serão sempre aquele enigmático momento, melhor, aquele conjunto de enigmáticos momentos nos quais uma crença profana (a nossa) avalia uma pregação divinizada (a dos políticos). Estudar a teatralização eleitoral constituiu o cerne do livro citado.
Semedoismo
O Sr. Artur Semedo, treinador da equipa de futebol sénior do Ferroviário de Maputo, actual campeã nacional, firmou uma filosofia cuja solidez me levou a criar o termo semedoismo.
Em que consiste o semedoismo? Profundamente heracliteano, consiste no seguinte: se o Ferroviário de Maputo ganha, isso é natural, é bem de ver que tem a melhor equipa; mas se o Ferroviário de Maputo perde, isso só pode dever-se seja aos árbitros, seja a jogadas baixas de bastidor, seja a ambas as coisas ao mesmo tempo.
Neste momento, a jovem e excelente equipa do Desportivo de Maputo tem todas as condições para se tornar campeã nacional.
Mas o Sr. Artur Semedo, confrontado com essa possibilidade objectiva, já declarou que não vai reconhecer como campeã qualquer equipa que ganhe jogos nos bastidores. O que significa que se o Desportivo ganhar, o Sr. Artur Semedo não vai reconhecer a vitória.
A filosofia do Sr. Semedo nada tem de paroquial, ela é, até, bem universal. Mas aqui na terra não tem rival.
Em que consiste o semedoismo? Profundamente heracliteano, consiste no seguinte: se o Ferroviário de Maputo ganha, isso é natural, é bem de ver que tem a melhor equipa; mas se o Ferroviário de Maputo perde, isso só pode dever-se seja aos árbitros, seja a jogadas baixas de bastidor, seja a ambas as coisas ao mesmo tempo.
Neste momento, a jovem e excelente equipa do Desportivo de Maputo tem todas as condições para se tornar campeã nacional.
Mas o Sr. Artur Semedo, confrontado com essa possibilidade objectiva, já declarou que não vai reconhecer como campeã qualquer equipa que ganhe jogos nos bastidores. O que significa que se o Desportivo ganhar, o Sr. Artur Semedo não vai reconhecer a vitória.
A filosofia do Sr. Semedo nada tem de paroquial, ela é, até, bem universal. Mas aqui na terra não tem rival.
Eleições e presidentes
Enquanto Levy Mwanawasa, actual presidente da Zâmbia, venceu as eleições presidenciais de quinta-feira passada e foi reeleito para um segundo mandato de cinco anos, apesar das acusações de fraude por parte da oposição, Lula da Silva, presidente do Brasil, espera pelo segundo turno, a contas com o "escândalo do dossier" afectando o seu partido, o Partido dos Trabalhadores.
Se eu fosse zambiano, o meu lado cidadão ficaria contente, mas o meu lado sociológico investigaria as queixas de fraude por parte da oposição.
Se eu fosse brasileiro, o meu lado cidadão votaria Lula, mas o meu lado sociológico investigaria os escândalos do ptismo.
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http://www.panapress.com/freenewspor.asp?code=por022335&dte=17/07/2005
http://www.jornalnoticias.co.mz/pt/topoption/58
Se eu fosse zambiano, o meu lado cidadão ficaria contente, mas o meu lado sociológico investigaria as queixas de fraude por parte da oposição.
Se eu fosse brasileiro, o meu lado cidadão votaria Lula, mas o meu lado sociológico investigaria os escândalos do ptismo.
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http://www.panapress.com/freenewspor.asp?code=por022335&dte=17/07/2005
http://www.jornalnoticias.co.mz/pt/topoption/58
Caju em Cabo Verde
A propósito da minha anterior entrada sobre o que chamei "descajuamento", Fátima Ribeiro mandou-me esta bela fotografia, tirada quando de um pequeno almoço (de Fátima, creio) num dos melhores hotéis de Cabo Verde, o Praia-mar, na Cidade da Praia. Aprecie-se a riqueza de tanta fruta maravilhosa, com o caju em primeiro plano.
02 outubro 2006
Adenda à analise dos linchamentos na cidade de Maputo
Na entrada anterior, alguém me perguntou se os linchamentos eram "actos racionais".
Em lugar de lhe responder lá, preferi responder aqui, de forma mais aberta, mais pública.
Evidentemente que todo o linchamento é moralmente condenável e irracional.
Todavia, na minha análise eu procurei situar-me não no papel do cidadão, mas no do sociólogo.
E, a esse nível, o fundamental é compreender a racionalidade do que nos parece irracional, a lógica dos que nos parece ilógico, o sentido do que parece não o ter, por muito que isso nos custe.
Adulterando um pouco uma máxima de todos conhecida, a emoção tem razões que a razão não conhece.
Estudar e analisar os sub-mundos colectivos dos nossos actos, gostemos ou não deles, é uma das tarefas da sociologia.
Portanto, não se tratou de fazer um julgamento, mas uma análise.
Em lugar de lhe responder lá, preferi responder aqui, de forma mais aberta, mais pública.
Evidentemente que todo o linchamento é moralmente condenável e irracional.
Todavia, na minha análise eu procurei situar-me não no papel do cidadão, mas no do sociólogo.
E, a esse nível, o fundamental é compreender a racionalidade do que nos parece irracional, a lógica dos que nos parece ilógico, o sentido do que parece não o ter, por muito que isso nos custe.
Adulterando um pouco uma máxima de todos conhecida, a emoção tem razões que a razão não conhece.
Estudar e analisar os sub-mundos colectivos dos nossos actos, gostemos ou não deles, é uma das tarefas da sociologia.
Portanto, não se tratou de fazer um julgamento, mas uma análise.
Uma análise dos linchamentos na cidade de Maputo
Faz já algums meses que os linchamentos regressaram à cidade de Maputo, após um interregno desde os anos 90. Cidadãos estão a ser linchados acusados de roubo e/ou de assassinato.
Os referenciais que a imprensa fornece, designadamente o "Notícias", apontam para uma crise de confiança nas instituições encarregadas de zelar pela ordem pública. Um exemplo está no facto de moradores do bairro T3 na Matola terem, recentemente, chamado curandeiros para resolverem o que era e é suposto não ser resolvido pela polícia e pelos tribunais.
Aparentemente e fazendo fé nos depoimentos que nos são dados a conhecer, existe uma ligação directa entre a dupla roubo/assassinato e a impunidade dos autores, seja porque não são detidos, seja porque quando detidos são pouco depois postos em liberdade pela polícia.
Não investiguei essa correlação eventual.
Mas os linchamentos sucedem-se e só esta semana três cidadãos foram suas vítimas através do método sul-africano do pneu regado e incendiado com combustível. Um quarto conseguiu escapar, mas foi severamente agredido.
Existe, de facto, uma crise social que se expressa pelo sacrifício de uma vítima, culpada ou inocente. Esse sacrifício é executado à margem da polícia, completamente ignorante dela.
As noites são propícias à indiferenciação e pode bastar alguém passar em algum local depois da meia-noite para se tornar rapidamente presa de uma multidão enfurecida. A vítima pode ser escolhida não em função de um crime realmente cometido, mas em função de sinais suspeitos, comprometedores, como a hora de passagem, a ociosidade, a furtividade, a fuga eventual se interpelada, etc.
Nesses momentos dramáticos, o eclipse da razão é imediato. Qualquer pessoa pode num ápice passar de simples passante a perigoso cadastrado. A suspeita, um grito e imediatamente uma multidão forma-se e, em mimese galopante, intercepta o suposto ladrão ou assassino. Nenhuma possibilidade de defesa. Segue-se o linchamento.
Porém, creio que o roubo e o assassinato são apenas a ponta do iceberg: à sua retaguarda habitam problemas sociais mais graves que precisam de ser investigados. Importa saber encontrar com urgência o fio de Ariane.
Os bairros parecem, na verdade, viver uma espécie de indiferenciação cultural desesperada: qualquer pessoa pode ser roubada ou morta, a polícia é acusada de pouco ou nada fazer. Tudo parece nivelado. E é em momentos assim que se formam a descarga sacrificial e a busca desenfreada e inexoravelmente lógica de um exutório. Este exutório, esta vítima, pode ser um cidadão inocente.
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Ninguém melhor do que René Girard analisou o fenómeno da crise social, do mecanismo sacrificial e da busca do bode expiatório. Veja o seu clássico Le bouc émissaire. Paris: Éditions Grasset&Fasquelle, 1982.
Entretanto, recordo que numa entrada já antiga esbocei uma análise do fenómeno.
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Adenda: reproduzido na edição de hoje (o4/10/06) do "Notícias":
http://www.jornalnoticias.co.mz/pt/topoption/56
Para a Associação dos Estudantes da Escola de Jornalismo: Kanimambo!
Tive o prazer e a honra de ser convidado pela Associação dos Estudantes da Escola de Jornalismo para, na sexta-feira, proferir uma palestra com o tema “Os desafios sociológicos na comunicação social”.
Durante várias horas senti-me menos o professor (ainda bem!) do que o estudante perante
estudantes tão cultos, intervenientes e críticos. E, coisa grata, recordei os anos em que também fui jornalista.
Aqui fica, uma vez mais, o meu obrigado pelo convite. E porque sei que me vão ler aqui, saibam que podem contar sempre comigo para novas interfaces.
O meu grande kanimambo!
Durante várias horas senti-me menos o professor (ainda bem!) do que o estudante perante
estudantes tão cultos, intervenientes e críticos. E, coisa grata, recordei os anos em que também fui jornalista.
Aqui fica, uma vez mais, o meu obrigado pelo convite. E porque sei que me vão ler aqui, saibam que podem contar sempre comigo para novas interfaces.
O meu grande kanimambo!
Mais dois linchamentos na madrugada de ontem
Mais dois cidadãos não identificados foram linchados e queimados na madrugada de ontem na periferia da cidade de Maputo, quarteirão 7 do Bairro das Mahotas , acusados de serem ladrões. Segundo o “Notícias” de hoje (02/10/06), uma brigada da Polícia de Investigação Criminal chegou ao local "por volta das 11 horas, mas mesmo assim pouco fez, porque não tinha viatura”.
O mal-estar social é grande e aumenta dia após dia. As noites nos bairros populares tornaram-se pesadelos e há o risco de cidadãos inocentes serem acusados de ladrões caso circulem a altas horas da noite e se confrontem com os grupos de vigilantes populares ou com a polícia comunitária.
A foto, do “Notícias", mostra, em primeiro plano, os dois corpos carbonizados.
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Chamo a vossa atenção para as várias entradas deste diário que versam sobre linchamentos.
01 outubro 2006
Lisboa
Lisboa, toda aquela cidade moderna nada me diz, os bairros periféricos são armazéns de gente. Mas fixo locais como o Rossio. E momentos como os passados no eléctrico. Mas fixo mais ainda a Mouraria. Desço a calçada algures, não sei onde estou, também não importa nesta bela noite, o que importa é que desço com a sensação táctil de que desço pela saudade agarrado ao corrimão da farta e bela comida da tasca cujo nome não fixei e do fado que acabei de ouvir e que me deixou duas lágrimas no parapeito da alma.
Foro da sociologia
Eis uma forma hipotética e provocadora se nos situarmos sociologicamente:
Quando numa cidade de dois milhões de habitantes 20 pessoas são em média mensalmente assaltadas e roubadas, isso não é do foro da sociologia.
Quando na mesma cidade 100 pessoas são em média mensalmente assaltadas e roubadas, estamos perante um fenómeno para-sociológico.
Quando, ainda na mesma cidade, 1.000 pessoas são em média mensalmente assaltadas e roubadas, então o fenómeno pertence ao foro da sociologia.
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Gostava que discordassem de mim. Eu próprio não estou certo da oportunidade do exemplo.
Quando numa cidade de dois milhões de habitantes 20 pessoas são em média mensalmente assaltadas e roubadas, isso não é do foro da sociologia.
Quando na mesma cidade 100 pessoas são em média mensalmente assaltadas e roubadas, estamos perante um fenómeno para-sociológico.
Quando, ainda na mesma cidade, 1.000 pessoas são em média mensalmente assaltadas e roubadas, então o fenómeno pertence ao foro da sociologia.
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Gostava que discordassem de mim. Eu próprio não estou certo da oportunidade do exemplo.
Idosos=feiticeiros
A propósito do Dia do Idoso, hoje assinalado, a Rádio Moçambique registou o depoimento de vários cidadãos idosos. No rol de dificuldades por eles apontadas, as acusações de feitiçaria foram especialmente vincadas. Acusados de feitiçaria, são excluídos do convívio familiar e social. Um deles, no distrito de Zavala, província de Inhambane, perguntou por que razão ele não era feiticeiro ao nascer e apenas o era agora que era idoso.
O nosso descajuamento
Roubo de celulares
Imensis estima que mais de 1000 celulares são diariamente roubados em Moçambique, mesmo no decorrer de cultos religiosos, mas não mostrou como efectuou o cálculo, ainda que refira uma sondagem efectuada em 2005.
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http://www.imensis.co.mz/news/anmviewer.asp?a=5860&z=13
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http://www.imensis.co.mz/news/anmviewer.asp?a=5860&z=13
De novo os linchamentos
Um cidadão foi queimado vivo com dois pneus quarta-feira no bairro de Zimpeto, acusado de ser ladrão.
No dia seguinte, um outro, acusado de roubar mantas, foi duramente espancado no bairro vizinho de Matendene, mas escapou ao linchamento pelo mesmo método graças a alguém que avisou prontamento a polícia.
Os moradores argumentam que assim resolvem problemas que a polícia é suposta não resolver.
Recordo que existem neste diário diversas entradas sobre linchamentos, designadamente no bairro T3, Matola.
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"Notícias", 30/09/06, p. 7.
No dia seguinte, um outro, acusado de roubar mantas, foi duramente espancado no bairro vizinho de Matendene, mas escapou ao linchamento pelo mesmo método graças a alguém que avisou prontamento a polícia.
Os moradores argumentam que assim resolvem problemas que a polícia é suposta não resolver.
Recordo que existem neste diário diversas entradas sobre linchamentos, designadamente no bairro T3, Matola.
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"Notícias", 30/09/06, p. 7.
Uma vitória moçambicana com retaguarda lusa
Moçambique ganhou o campeonato mundial de hóquei patins, grupo B. Porém, com algumas semanas de treino, a equipa só pôde deslocar-se ao Uruguai graças à mão de dois empresários portugueses: um pagou a deslocação, a estadia e a alimentação; o outro equipou e vestiu a equipa.
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Vide semanário "Domingo" de hoje, o1/10/06, p. 23.
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Vide semanário "Domingo" de hoje, o1/10/06, p. 23.
Unanimismo
Para vencermos o próximo jogo de futebol inter-selecções contra a Tanzania, segunda jornada do grupo 7 de qualificação para o Can 2008, disse um ministro hoje na Rádio Moçambique que era necessário vencermos primeiro as querelas que existem no nosso futebol. Ora, tenho um ponto de vista contrário: quantas mais querelas houver no nosso futebol melhor será. A decantação progressiva é excelente, é sintoma de vitalidade. O unanimismo é o nosso primeiro adversário. Pães iguais nunca alimentaram vitórias exigentes.
Postulado de almanaque
Quanto mais pequena a nossa casa, quanto mais modesta a nossa paróquia, quanto mais desconhecido o nosso burgo, mais intensas são as paixões, as querelas, as vaidades, as exibições do poder de quintal, as manifestações de galo farfalhudo, mais intenso é o esquadrinhamento do outro, mais persistente a etiquetagem.
Pensadores chapa 100
Prestem uma atenção disponível, domingueira, à palavra dos pensadores chapa 100, daqueles que surgem na televisão, na rádio, nos jornais em formato pronto-a-consumir, daqueles que roubaram aos deuses o direito à verdade, daqueles que, como nos chapas, nem pelo horizonte são travados em sua imensa sabedoria sem rugas.
Eles nunca duvidaram de que vocês existem, salvo quando vocês os questionam.
Eles nunca puseram em dúvida as vossas dúvidas porque simplesmente as não têm.
Eles nunca dizem que irão pensar: já pensaram mesmo antes de pensarem.
Eles nunca vos dirão algo como "na minha opinião, penso que...", mas, antes, "na minha opinião pessoal, sei que..."
Eles nunca dirão que não têm respostas: pelo contrário, vos mostrarão que são a resposta que dispensa as vossas perguntas.
Eles nunca se enganam: o engano é, pelo contrário, o vosso destino.
Quando, em lugar de fazerem afirmações, eles puserem perguntas, é vossa obrigação saber que as perguntas deles são respostas elegantes de oráculos definitivos.
Quando eles vos disserem que já sabem que interpretações vocês irão dar às suas bentas verdades, é vosso genuflexivo dever saber que eles até conhecem as interpretações que vocês não fizeram nem farão.
Deveis, finalmente, saber que eles nunca dirão que dizem a verdade: leões não precisam de enunciar leonices triviais.
Eles nunca duvidaram de que vocês existem, salvo quando vocês os questionam.
Eles nunca puseram em dúvida as vossas dúvidas porque simplesmente as não têm.
Eles nunca dizem que irão pensar: já pensaram mesmo antes de pensarem.
Eles nunca vos dirão algo como "na minha opinião, penso que...", mas, antes, "na minha opinião pessoal, sei que..."
Eles nunca dirão que não têm respostas: pelo contrário, vos mostrarão que são a resposta que dispensa as vossas perguntas.
Eles nunca se enganam: o engano é, pelo contrário, o vosso destino.
Quando, em lugar de fazerem afirmações, eles puserem perguntas, é vossa obrigação saber que as perguntas deles são respostas elegantes de oráculos definitivos.
Quando eles vos disserem que já sabem que interpretações vocês irão dar às suas bentas verdades, é vosso genuflexivo dever saber que eles até conhecem as interpretações que vocês não fizeram nem farão.
Deveis, finalmente, saber que eles nunca dirão que dizem a verdade: leões não precisam de enunciar leonices triviais.
Perguntas
Querer saber se um sociólogo também pode ser historiador é a mesma coisa do que querer saber se existem indivíduos fora da sociedade ou mangas fora das mangueiras.
Creio que de vez em quando os anjos adquirem sexo de tanto os sujeitarmos às perguntas simples.
Creio que de vez em quando os anjos adquirem sexo de tanto os sujeitarmos às perguntas simples.
Opiniões
O problema não consiste em ter opiniões (coisa que as amebas também têem, a fazer fé em Karl Popper), o problema consiste em acreditarmos definitivamente que a realidade é o conjunto das nossas opiniões e que por serem nossas dispensam a investigação empírica.
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