09 outubro 2010

Causas e características das manifestações em Maputo e Matola (25)

-"Do rio que tudo arrasta se diz violento, porém ninguém diz violentas as margens que o comprimem" (Bertolt Brecht)
-"Esta cintura compacta, composta por casas pequenas e frágeis, feitas de caniço, madeira e zinco e, ultimamente (depois da independência), de cimento, quase que não tem quintais, ruas, água e luz em todo o sítio (...) Nestes subúrbios não se vive, sobrevive-se. Eles estão apinhados de gente: os suburbanos." (carta de um leitor do “Notícias” publicada a 25/09/2010 com o título “A cidade e o mega-subúrbio de Maputo”)
-"(...) a opinião pensa mal, não pensa (...)" (Gaston Bachelard)
Mais um pouco desta série, mais algumas hipóteses, o tratamento do ponto 4.5.2 do sumário.
4.5.2. Consciência imediata e consciência social. O grande segredo das sociedades é que se elas são o produto diário do pensar e do fazer dos seus membros, estes são o produto também diário de estruturas, de regras e de hábitos que os moldam e transcendem. Nem sempre os actores são conscientes de todo esse dialéctico processo. 
Nesse dialéctico processo devemos considerar dois tipos de consciência: a imediata, digamos que instintiva, dos actores sociais que conhecem o papel que jogam ou que julgam jogar na trama da vida; e a consciência social, consciência de profundidade, consciência panorâmica e telescópica reportada ao conjunto dos eixos mais profundos pelos quais as sociedades (e não os indivíduos em si) são produzidas e reproduzidas (este é um nível mais elevado, mas nem sempre a consciência social é - para usar um paradoxo - consciente).
Quanto mais baixo o observatório - fazendo uso de uma metáfora topológica -, quanto mais baixo o mirante, menos podemos observar, interligar e analisar; inversamente, quanto mais elevado o mirante, o observatório, maior a pluralidade de relevo, de situações e de possibilidades de visão, de interligação, de análise e de acção consciente. Num caso temos coisas (consciência imediata), no outro temos sistemas (consciência social).
Nos registos televisivos das manifestações de 1/3 de Setembro foi frequente termos acesso à consciência imediata dos actores através de frases do género "Queremos justiça" ou "Estamos a passar mal", "Os preços estão altos", "Estão a falar mal de nós". Por outras palavras, os registos dão-nos os momentos mais imediatos e sensíveis da consciência, mas não as situações que produzem e transcendem os actores sociais. O que está em causa naquele momento é a carestia de vida, é o presente (o "preço do pão" nas teses mais prontas-a-consumir da imprensa), não o conjunto das infraestruturas sociais e mentais que os/nos regem, digamos que o modo de produção e reprodução da vida.
Se essas premissas forem aceites, então teremos de encontrar métodos e técnicas (eventualmente distintos) destinados a penetrar e a apreeender os dois tipos de consciência. Posso desde já avançar que o meu problema teórico consiste em ir para além do presente da consciência imediata e tentar situar-me no futuro da consciência social. A questão matricial para mim consiste em negociar teoricamente com o futuro (imagem reproduzida daqui).
(continua)

Sem comentários: