21 outubro 2010

As fronteiras da AR

Muito interessante verificar como mesmo nas questões mais triviais os deputados da nossa Assembleia da República não conseguem escapar à permanente enunciação dos seus partidos e das suas inumeráveis proclamadas virtudes. Verdadeiras fronteiras políticas do tipo étnico, inamovíveis. No meu livro "Combates pela mentalidade sociológica" e a propósito da "etnicidade" visível na Assembleia da República, escrevi o seguinte:
"(...) as pessoas são diferentes, as suas ideias são diferentes, as suas vidas sociais também. É muito possível que pessoas de cada extracto se contactem fora das fronteiras dos territórios políticos. Mas face a um problema em debate sobre o qual é preciso tomar uma decisão, mesmo que esse problema não seja «de vida ou de morte», as diferenças são regra geral apagadas em favor da delimitação instintiva das fronteiras do território partidário e o apontar dos canhões para os territórios partidários inimigos. Pessoas que são calmas tornam-se nervosas; pessoas nervosas tornam-se mais nervosas; pessoas que em outras circunstâncias não bateriam palmas, não troçariam, não vituperariam, não alça­riam ombros, não teriam tão intenso dispêndio corporal e afectivo, batem palmas, troçam, vituperam, alçam ombros, mexem-se e zangam-se. Colidem gramáticas corpo-emocionais, anátemas, estigmas, ameaças, idiomas grupuais; entrechocam símbolos, heróis epónimos, bandeiras, representações sociais, histórias edificantes sobre as comunidades espirituais de origem, requisitos e hábitos culturais, componentes específicas de honra étnica; expectativas tornam-se práticas na confrontação, actualizam-se, determinam-se. (...) federam-se à sombra do partido X para lutar contra outras formações com uma composição «étnica» idêntica, mesmo que individualmente sintam que os outros têm razão e que em outras circunstâncias se empenhariam em ser ou fazer o que gostariam de ser ou fazer. E essa polaridade pode nascer mesmo em torno duma modesta estrada que não foi construída ou que se o foi, é suposto tê-lo sido mal."
Adenda: fascinante o recurso permanente ao termo "excelência", fascinante o tom apologético (e a sedução das estatísticas), com se cada bancada apenas falasse para si. Vamos a ver se surge um dia uma antropologia das formas de vida e comunicação na Assembleia da República.

2 comentários:

Anónimo disse...

Bem, cá por mim, acredito que esperar é, de facto, a melhor coisa a fazer para ver se tal "Assembleia da República" muda para o bem dos votantes...
Acredito que tem que se mudar as pessoas primeiro, aí, o ambiente será fascinante (...)
O que acontece é que a magna casa do "Povo" está organizada segundo um sistema e que esse sistema é composto, por sua vez, por esquemas. Dentro de um esquema a pessoa faz de tudo para se confortar e aconchegar-se por mais que esse conforto provoque desconforto a outros (pode ser o povo), mas se possibilitar conforto ao seu supremo - é mais valia dado que conquistar confianca, logo, bem-estar...

umBhalane disse...

E onde é que não é assim???

Ainda que não talqualmente.