O pronunciamento de Mariano Matsinhe sobre a hegemonia frelimiana total tem apenas de espectacular o facto de não o ser. Melhor: o que ele disse está em prática e a pleno vapor no guebuzismo. Tem a implacável lógica das coisas simples. E quem lê este diário sabe que tenho tentado encontrar a chave cognitiva do guebuzismo. Por agora permito-me, apenas, avançar mais algumas ideias ainda muito na rama, modestas hipóteses por confirmar, neste 1º de Maio de 2007.
I
O guebuzismo parece assentar em três linhas de expansão, a saber:
1. Um aprofundamento do capitalismo de Estado (deixo por agora ficar a expressão assim, em toda a nudez da sua imprecisão). Penso aqui na participação do Partido-Estado por exemplo no co-financiamento e na co-propiedade de bens de diferentes tipos (empresas industriais, de imobiliário, de seguros, de transporte, energéticas, vias e meios de comunicação, etc., com toda uma corte variada de participação e rédito). A luta contra a pobreza (conceito que importa aprofundar, o que aqui não farei por agora) parece ser real. Mas porque conduzida dentro da grelha do capitalismo de Estado ela parece ser, fundamentalmente, a luta pela mais-valia, pela multiplicação de campos de expansão do Capital, especialmente no que concerne às vias de comunicação, à electrificação, à agricultura comercial e, portanto, à modernização do mercado rural. Por outras palavras, a luta fundamental parece ser pela criação de um mercado interior e de um campesinato moderno em condições de facilitarem a criação e a reprodução de mais-valia e, portanto, de ampliarem os réditos dos diversos sectores (de nível desigual, outro ponto que não vou aqui aprofundar) da elite de Estado.
2. Um aprofundamento do discurso messiânico. Este discurso consiste numa espécie de resamorização do chissanismo de capitalismo liberal, enxertando na via capitalista total o discurso socialista da era samoriana. Não se tratando mais da ideia de redistribuir os meios de produção (um esboço simbólico disso esteve em uso no imaginário social nos anos 70), mas de os concentrar, o guebuzismo vai buscar ao alfobre samoriano as virtudes do ideário generalista - milenarista, mobilizador e nacionalista - com o qual procura ocultar a visibilidade dos interesses particulares da burguesia de Estado. Por outras palavras, no combate contra a pobreza, a burguesia de Estado esforça-se por vestir os objectivos políticos particulares que mapeam a sua gestão monopólica dos recursos de poder com o ideal de uma natureza comum, popular, de interesse colectivo, por todos todos partilhado;
3. Um aprofundamento da hegemonia política total. Aqui, nesta linha de expansão formulada claramente por Mariano Matsinhe, o objectivo final consiste na amputação de todas as linhas de penetração de risco por parte da oposição, vedando-lhe qualquer hipótese de disputar a participação no capitalismo de Estado e, portanto, de disputar as fontes de acumulação de capital ancoradas no Estado através de uma ascensão ao poder. A cooptação de franjas da oposição (ainda que não significativa) pode estar em embrião, por exemplo, no sibindysmo. Mas, por outro lado, esta linha de expansão é, ao mesmo tempo - et pour cause -, a busca de uma hegemonia ideológica total - trabalhada e disseminada pelos intelectuais orgânicos do sistema -, com a monitoria e com a repressão de tudo o que seja ideário contestador a nível popular. A ideologia liminarmente dada a conhecer por Matsinhe é o contrário da câmara escura marxiana: não surge invertida, armazenada no subconsciente. É clara, frontal, no sentido da ideologia justificadora da ordem social de Karl Mannheim*.
II
Pode acontecer que esteja em curso no nosso país uma evolução política com as características do modelo chinês ou vietnamita. Por outras palavras: um capitalismo ascendente gerido por uma burguesia agressiva (co-accionista, rendeira, bolsista e mercantil) do Partido-Estado que combina a modernidade do mercado (mas com salários baixos**) com o cesarismo partidário político. Precisarei de reflectir mais sobre isto.
I
O guebuzismo parece assentar em três linhas de expansão, a saber:
1. Um aprofundamento do capitalismo de Estado (deixo por agora ficar a expressão assim, em toda a nudez da sua imprecisão). Penso aqui na participação do Partido-Estado por exemplo no co-financiamento e na co-propiedade de bens de diferentes tipos (empresas industriais, de imobiliário, de seguros, de transporte, energéticas, vias e meios de comunicação, etc., com toda uma corte variada de participação e rédito). A luta contra a pobreza (conceito que importa aprofundar, o que aqui não farei por agora) parece ser real. Mas porque conduzida dentro da grelha do capitalismo de Estado ela parece ser, fundamentalmente, a luta pela mais-valia, pela multiplicação de campos de expansão do Capital, especialmente no que concerne às vias de comunicação, à electrificação, à agricultura comercial e, portanto, à modernização do mercado rural. Por outras palavras, a luta fundamental parece ser pela criação de um mercado interior e de um campesinato moderno em condições de facilitarem a criação e a reprodução de mais-valia e, portanto, de ampliarem os réditos dos diversos sectores (de nível desigual, outro ponto que não vou aqui aprofundar) da elite de Estado.
2. Um aprofundamento do discurso messiânico. Este discurso consiste numa espécie de resamorização do chissanismo de capitalismo liberal, enxertando na via capitalista total o discurso socialista da era samoriana. Não se tratando mais da ideia de redistribuir os meios de produção (um esboço simbólico disso esteve em uso no imaginário social nos anos 70), mas de os concentrar, o guebuzismo vai buscar ao alfobre samoriano as virtudes do ideário generalista - milenarista, mobilizador e nacionalista - com o qual procura ocultar a visibilidade dos interesses particulares da burguesia de Estado. Por outras palavras, no combate contra a pobreza, a burguesia de Estado esforça-se por vestir os objectivos políticos particulares que mapeam a sua gestão monopólica dos recursos de poder com o ideal de uma natureza comum, popular, de interesse colectivo, por todos todos partilhado;
3. Um aprofundamento da hegemonia política total. Aqui, nesta linha de expansão formulada claramente por Mariano Matsinhe, o objectivo final consiste na amputação de todas as linhas de penetração de risco por parte da oposição, vedando-lhe qualquer hipótese de disputar a participação no capitalismo de Estado e, portanto, de disputar as fontes de acumulação de capital ancoradas no Estado através de uma ascensão ao poder. A cooptação de franjas da oposição (ainda que não significativa) pode estar em embrião, por exemplo, no sibindysmo. Mas, por outro lado, esta linha de expansão é, ao mesmo tempo - et pour cause -, a busca de uma hegemonia ideológica total - trabalhada e disseminada pelos intelectuais orgânicos do sistema -, com a monitoria e com a repressão de tudo o que seja ideário contestador a nível popular. A ideologia liminarmente dada a conhecer por Matsinhe é o contrário da câmara escura marxiana: não surge invertida, armazenada no subconsciente. É clara, frontal, no sentido da ideologia justificadora da ordem social de Karl Mannheim*.
II
Pode acontecer que esteja em curso no nosso país uma evolução política com as características do modelo chinês ou vietnamita. Por outras palavras: um capitalismo ascendente gerido por uma burguesia agressiva (co-accionista, rendeira, bolsista e mercantil) do Partido-Estado que combina a modernidade do mercado (mas com salários baixos**) com o cesarismo partidário político. Precisarei de reflectir mais sobre isto.
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*Para Karl Mannheim existiam dois tipos de ideologia: uma de caráter justificador da ordem social (assim como para Marx) e, outra, subversiva, com função crítica, a que chamou utopia.
**Haverá oportunidade neste diário de um dia escrever sobre a reprodução dos nossos trabalhadores.
8 comentários:
Como se comemora (celebra), questiona, por aí o DIA do TRABALHADOR, caro C. Serra ?
Um imenso BlogABRAço
isabel
Com um desfile, que vai acontecer dentro de horas. As pessoas desfilam por sectores, com cartazes, cantando, dançando. Não sei se este ano haverá discursos. Infelizmente ainda aqui ninguém aqui estudou o ritual e o periodizou. Talvez um dia eu faça isso com os meus estudantes, estudando a imprensa escrita, por exemplo.
Estive a acompanhar o desfile, gente empunhando cartazes com dizeres reivindicativos, entoando canções reivindicativas, dançando (como não podia deuxar de ser) e mais. Não consegui contabilizar as empresas que desfilaram, só sei dizer que foram muitas, mas muitas mesmo. Aumento salarial, justiça social, racismo, discriminação dos nacionais, criação dos tribunais de trabalho, saudades chissanianas (aqui foram os trabalhadores do HCM que entoavam cânticos saudosistas, reivindicavam 30 dólares mensais prometidos pelo Chissano na despidida com estes. No Guebusismo não aparecem, e se aparecem, aparecem com mutilações. Aqui o Chissaano é hosanado, élembrado com nostalgia e, logicamente o Guebusismo vilipendiado em surdina e anonimato) Gostaria de ter uma entrevista com Prof. sobre as manifestações dos trabalhadores. Como sabe o jornal sai às sextas-feiras, seria melhor se fosse hoje ou amanhã. Beúla, estagiário do SAVANA.
Acho fascinante o que conta, em particular no que concerne ao saudosismo. Creio que quanto mais avançar o guebuzismo mais ressurgirá o chissanismo. A ver vamos.
Uma gama de problemas por analisar, Beúla.
Professor,
Assumindo que CAPITALISMO é, em síntese = LIVRE FIXAÇÃO DE PREÇOS NO MERCADO + LIVRE PROPRIEDADE DOS MEIOS DE PRODUÇÃO + TRANSACÇÕES SUJEITAS ÀS LEIS DA CONCORRÊNCIA, parece demasiado Simpático /Eufemismo, considerar o sistema económico em Moçambique capitalismo de Estado? (Eu sei que ficou de aprofundar este conceito!).
Só há sistema capitalista quando os agentes económicos se sujeitam às leis da concorrência, ao mercado. No nosso caso, o PODER GLOBAL, económico, político, judicial, legislativo, não está nas mãos do Estado, mas simplesmente duma “FAMILIA”, a Frelimo, que não se sujeita às leis da concorrência, antes as subjuga aos seus interesses, logo, em rigor, estamos perante uma OLIGARQUIA. Bem, se quisermos ser mais precisos: perante uma MAFIA, um polvo gigante que tudo controla, implacável para quem ousa colocar-se no seu caminho.
Florêncio
PS- Um exemplo de PREPOTÊNCIA política: Nas últimas autárquicas a Frelimo perdeu alguns Municípios. A comunidade Internacional empolgou-se com esta “frescura de democracia” e vai de propalar que é preciso apoiar mais o desenvolvimento Municipal, e menos o Distrito controlado pelo partido no poder. Rapidamente a Frelimo criou as figuras de Governador da Cidade de Maputo e Administrador nas restantes capitais de Província, uma trapalhada de duplicação de funções, pura e simplesmente para “Tirar Poder ao Poder Autárquico”.
Creio que o capitalismo de Estado tem algumas das características "fechadas" que aponta. Mas o Florêncio obriga-me a aprofundar o tema e assim farei, prometendo voltar a ele logo que puder.
gostei de visitar seu blog e ler os artigos nele contidos, esta e uma fonte historica que quanto a forma classifico de figurada, escrita, registada e quanto a intensionalidade, consciente e ou intencional. Phambene Lazaro Bamo
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