28 maio 2007

Burocracia e gestão estratégica de recursos de poder


I
"O Presidente da República, Armando Guebuza, alertou sábado para o facto de que, apesar das reformas em curso no sector público, o burocratismo continua a ser um problema sério no país. Falando a jornalistas no final da sua Presidência Aberta na província de Manica, Guebuza afirmou que, de uma forma geral, o burocratismo tende a diminuir nas instituições públicas, mas continua a ser um problema sério que urge erradicar. Disse prevalecerem nas instituições públicas, a vários níveis, funcionários com mentalidade retrógrada que resistem a assimilar a imperiosa necessidade de mudança, continuando a criar obstáculos aos interesses dos cidadãos na tramitação dos seus documentos e não só, junto das instituições do Aparelho do Estado."

II
O que é burocracia? Permitam-me que a defina de forma breve e tacanha assim: gestão estatal de pessoas e coisas. Se aceitardes essa definição, quero acreditar que aceitareis, também, que ontem, hoje e amanhã dela não sairemos. Aqui e acolá poderá ser mais célere a nossa presença nos corredores da burocracia. Mas sempre por lá teremos de passar numa espécie de destino sem tréguas. E aqui, neste destino, o problema consiste em dependermos de uma visão moral ou pedagógica de como as coisas deviam ou podiam ser melhores. Acreditamos, muitos de nós, sensatamente, que basta reformar as instituições para as coisas melhorarem. Ora, o problema central da gestão de pessoas e de coisas é que ela passa por uma coisa imediata e permanente: a dos recursos de poder. A burocracia é uma cadeia diversificada de gestão útil e estratégica de recursos de poder fundamentais, gestão que pode variar segundo épocas históricas e culturas nacionais, com maior ou menor coeficiente de Estado. Por hipótese, defendo que quanto mais jovem for a experiência do Estado num país, mais robusto e visóvel será o peso da burocracia enquanto teia de relações de poder, de gestão de recursos necessários, de clientelismo plural. Por hipótese, defendo que a burocracia no sentido corrente (conjunto de actos que impedem a resolução célere dos problemas) é, frequentemente, uma gestão clientelista calculada, uma gestão estratégica e útil de recursos de poder (preeminência social, prestígio, monitoria de redes cientelistas, punção de imposto complementar, etc.). Muitas vezes o problema não está em que os funcionários não saibam fazer as coisas ou que sejam preguiçosos: o problema está, antes, em que eles sabem muito bem fazer as coisas e têm uma habilidade admirável na gestão criteriosa e remuneradora dos recursos. Por isso é, regra geral, difícil desburocratizar a burocracia. Por hipótese, ela faz parte do jogo normal, tenso e desigual, da vida social, o jogo das relações de poder em campos múltiplos. Assim, a mentalidade de muitos funcionários é não retógrada, mas agudamente moderna e jogadora. Infelizmente, não temos aqui, como em tantos outros casos, a sociologia empírica dos estudos de caso, aquela actividade sociológica rotineira que consiste em passar meses inteiros estudando instituições e processos (sobre isso já escrevi, tempos atrás, neste diário). Podíamos fazer estudos como os feitos, por exemplo, por Michel Crozier sobre a burocracia francesa. Mas preferimos opinar. Por isso campeia, em profusão, a sociologia da opinião.
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1 comentário:

Anónimo disse...

Uma definição simples:
 Burocrata é aquele que apenas REAGE, actua perante factos consumados.
 Gestor, é aquele que AGE, se antecipa, faz uma gestão previsional.
 O nosso aparelho de Estado, incluindo o Conselho de Ministros, está pejado de burocratas.
-> Concordo plenamente que burocrata não significa ignorância, falta de conhecimento: é, fundamentalmente, uma questão de atitude e muitas vezes de aproveitamento.
Um abraço
FM