24 junho 2006

Desnaturaliza o social!

Todos os dias cada um de nós vê o social nascer, desdobrar-se, agitar-se, espreguiçar-se, conformar-se, protestar.
Todos os dias vemos pessoas, cruzamos com pessoas, vivemos papéis, representamos papéis, mergulhamos em tarefas, trocamos milhares de sinais, de regras, de códigos, de disciplinas, de subversões, de coisas que nos agradam, nos dão prazer, nos humilham, nos fazem ir para a frente, nos fazem regressar ao passado, todos os dias somos um comboio fatal que nasce e morre para renascer no dia seguinte, todos os dias somos um pêndulo que parece oscilar sempre da mesma maneira, como se o seu destino fosse esse desde sempre e por isso mesmo dispensasse a benevolência de um deus criador.
De tanto todos os dias fazermos, sentirmos, pensarmos as mesmas coisas, acabámos e acabamos por achar que tudo isso é natural, que tudo isso tem uma lógica de geração espontânea que dispensa a análise, que tudo isso tem a natureza rigorosa do costume, que tudo isso é assim, foi assim e sempre será assim. Como diz uma bela frase do nosso vocabulário popular, “não vale a pena!”, as coisas são assim.
Porém, cada uma dessas formas de ser, cada uma dessas interacções diárias, a mais pequena página de um olhar, a mais humilde nervura de uma carícia, de uma tarefa, tudo isso é uma construção social, tudo isso é construção e reconstrução diárias, tudo isso implica retomar, readquirir, não esquecer, tudo isso é um permanente trabalho de disciplinarização, de monitoria individual e colectiva, de apreço e de punição, de amor e ódio, tudo isso é um novo social cada vez que começamos um aparente velho dia.
Nada se repete salvo a permanente socialização dos nossos actos, esse armário com gavetas sempre plenas de coisas novas que, a nós, parecem velhas pelo uso. Até os hábitos são sempre novos, pois implicam reinserção social permanente.
Fixa: a única coisa velha que há é sermos novos em permanência.

1 comentário:

Anónimo disse...

Um texto de antologia, parabens!

Um leitor