Em reportagem publicada com grande destaque no “Notícias” de ontem, o jornalista Jocas Achar descreveu a multiplicidade de acusações de feitiçaria que recai sobre as pessoas idosas, especialmente mulheres, em idade improdutiva portanto, no distrito costeiro de Inhassunge, província da Zambézia.
Segundo o jornalista, acusadas de serem responsáveis por infortúnios diversos (mortes por doença, por exemplo), mulheres idosas há que abandonam o distrito à noite e vão para a cidade de Quelimane, onde se dedicam à mendicidade.
De acordo com um residente da zona, todas as semanas assim sucede. E fazendo fé no presidente da Associação dos Médicos Tradicionais da província da Zambézia, “qualquer natural de Inhassunge nasce, cresce e morrer a pensar que a doença é obra do feitiço. Nada acontece naturalmente, tudo encontra explicação na magia negra…” (“Notícias”, p. 2). Teria sido interessante apurar se o fenómeno é tão natural assim.
Entretanto, para contrariar a acção do suposto feitiço, os parentes do (a) acusada de feitiçaria são colectados em determinados montantes monetários destinados a pagar os serviços de um grupo punidor de jovens, os jovens do “machado mágico”, que batem no (a) acusado (a) ou (o) a matam, deixando depois o machado no quintal da vítima (idem).
Portanto, a pergunta nunca é “O que é que provocou esta morte?”, mas, antes, “quem é que provocou esta morte?”
Infelizmente, o jornalista não explorou a relação existente entre acusação de feitiçaria e propriedade de coqueiros. Na verdade, tal como acontece na zona costeira da província de Inhambane, frequentemente as acusadas de feitiçaria são mulheres proprietárias de coqueiros.
O nosso país não dispõe de uma “comissão sobre bruxaria e rituais de violência”, à semelhança da África do Sul, onde, por exemplo, em 1994, se registaram centenas de mortos por acusação de bruxaria e assassinato (“Notícias”, 21 de Agosto de 1995, p.9).
Dedicamos muitas horas ao debate sobre vítimas de malária, de HIV/SIDA, etc., mas nenhuma a este trágico fenómeno, cujos inúmeros casos raramente chegam à alçada da polícia ou dos tribunais, dada a cultura do silêncio e do medo que o rodeia.
Devíamos assustar-nos com a dimensão do problema, se tivermos em conta as dificuldades com que os camponeses vivem, a exposição a doenças de todos os tipos, a deficiente assistência médica e medicamentosa que recebem, etc.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
1 comentário:
Sem querer relegar para segundo plano o tema central de seu artigo, gostaria de chamar a sua atençao, se me permite, para a correlaçao que começa a existir, em certos paises d’Africa Central, entre HIV/SIDA e magia, o novo conceito que apareceu é o de SIDA MISTICA – i.é SIDA enviada por feiticeiros.
Iolanda Aguiar
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