22 junho 2006

Vá, sociólogo, senta-abaixo e colhe o país real!

Escuta, sociólogo, faz o seguinte: vai ali para o Xiquelene ou, melhor, vai para as bancas do carvão ali à saída da cidade, junto à rotunda, onde estão as nossas mamanas sentadas ao sol horas seguidas, com os filhos às costas.
Vá, deixa um pouco as consultorias e faz isso, para te reciclares, para te re-oxigenares, para te re-humanizares.
Senta-te, não leves nem bloco nem caneta. Senta-te como elas, com as mamanas, no senta-abaixo, como se diz popularmente, quer dizer, senta-te no chão.
E observa, coisa a coisa, detalhe a detalhe, toda aquela espantosa lufa-lufa, todo aquele mundo sem fim do bula-bula, no anda-que-anda, no vai-vem, hora após hora, desde manhã levantada ao sol a pôr-se.
Mete dentro de ti tudo, palavras, gestos, movimentos.
Não deixes absolutamente nada de fora: histórias, críticas, risos, choros, tristezas, alegrias. Colhe tudo da química espantosa dessa vida, dessa labuta dura.
Sabes, sociólogo, junto ao senta-abaixo da modesta carvoeira que tem o filho às costas e a quem ela alimenta com o resto de mandioca do dia anterior ou com o excedente de amendoim para venda, tens todo o país à mão, o real país, em bruto, aquele que não cabe nas estatísticas e nos relatórios bien que damos a conhecer nas climatizadas salas dos hotéis mais caros da cidade.

3 comentários:

Mangue disse...

Saudações!

Só agora vi os comentários referentes a esta entrada. Acredito que tenha sido por lapso, mas não fui eu, Mangue, quem fez o primeiro comentário. Creio, também, que, pela outra entrada “não há mirantes sociológicos privilegiados”, já se tenha apercebido. A despeito, e por ter aparecido o meu nome, senti-me na obrigação de dar o meu ponto de vista - nem tanto em relação ao assunto tratado no texto, mas em relação à sua interpretação, isto é, do que serviu de base à crítica.

Para mim, vista no conjunto do texto, a sentença citada pelo Patrício Langa (e o texto em si), primeiramente, não sugere uma espécie de mirante privilegiado. Sugere sim, ainda no meu entender, a prevalência, em Moçambique, de uma forma de “exercer” a sociologia – as consultorias, que não deveriam ocorrer a expensas das outras formas.

O Langa levanta algumas questões importantes, mas pode estar a deixar de lado outra questão igualmente importante. Ou seja, a não discriminação das formas negligenciadas de “exercer” a sociologia pode ser, por si, uma discriminação, isto é, pode ser uma maneira tênue de mirante privilegiado a favor da forma predominante (consultorias).

Quanto ao “olhar real” – ao que me pareceu em segundo plano – de facto, nem uma nem outra (seja do Xiquelene ou da Cantina do Pereira), pode, por si, ser colocada como se fosse o todo.

Abraços,
Mangue

Anónimo disse...

Acabo de apagar um longo comentário ao comentário do P. Langa. Sobre as questões de "local" de onde se observa. E opina. Apago-o pois não vale a pena contra-argumentar, Langa é um intelectual consistente, não escreve no ar. É a sua posição. E decerto reflectida.

Fico apenas surpreso, como sempre, com o silÊncio, e até com a escrita, concordantes com este tipo de discurso (em post acima V. pacificamente o integra). Intelectual e idealmente (ideologicamente, se quiser). O local de onde Langa fala, de onde observa, "racialista", é muito limitado intelectualmente - há outros postos de observação mais profíquos. O local de onde humoriza (no remoque às cores esbofeteáveis) não é apenas deselegante (que o fosse, qual o problema de descontruir as censuras da "elegância" sociologicamente demarcada?). É politicamente muito complicado, perigoso. E intelectualmente contraditório (ainda que recorrente). E não é um deslize, é um prisma.

O encanto metodológico que recobre o discurso não me faz olvidar o "ovo da serpente" que aqui se choca. Que há disto em todo o lado há. Mas nem em todo o lado há o silêncio, concordante ou timorato. E é esse silêncio que tanto me angustia, mero hóspede.

Anónimo disse...

1. sim, o jpimteix é o jpt, foi um erro de marcação no sistema de comentários blogger (mudei, até porque apaguei o blog a que se liga a sigla)
2. racialista não é racista, isso é óbvio.
as constantes leituras racialistas que acompanho nos meus vizinhos incomodam-me
3. o comentário que apaguei tem a ver com Maputo, ou de como podemos tentar analisar porque é que o "caracol" tem um fenotipo habitacional diferente de outros "caracóis". procurava ultrapassar o único "caracol", e principalmente este caracol sociologicmaente decadente. saber de quem é a propriedade do caracol. procurava comparar com outras cidades (zonas particulares) (ainda para mais em urbanismos a regra e esquadro como o maputo cimento pré-90s), procurava etc.
4. se eu desse (nos meu tempos mais jovens) um par de bons estalos num fenotipo escuro ele mudaria de cor. é característica das cores, o mudarem quando levam porrada

5. e,finalmente, quando ando nos outros "caracóis" de maputo vou assistindo à crescente privatização dos serviços de segurança - do folclórico guarda dormindo à porta de casa e transportando as compras do "patrão" às empresas cada vez mais high-tec. a privatização do que um dia se pensou ser o monopólio do Estado - à privatização de quem dá umas porradas nas cores alheias

ovos de mamba há muitos. e têm todos o mesmo fenotipo