Daqui a algumas horas haverá um novo ano no calendário gregoriano. Mas não é isso que importa agora, não é o modelo, não é a regra, mas a alma, a alma por inteiro. O que importa é a imperiosa necessidade que os humanos, não importa quando, não importa onde, não importa como, têm matar o velho para fazer nascer o novo, de matar o medo para fazer nascer a esperança. Milenar ritual, infinita catarse, fé sem perímetro. Nada dessa metamorfose ciclicamente recomeçada se faz sem intemperança. É necessário o excesso, a subversão dos hábitos, o assassinato do habitual. Por isso se come e se bebe e se dança e se ama e se inventa para além da medida. Nada disso é anormal. Então, sejam a diferença, o inusitado, a vertigem, a juventude dos sonhos. Para todas e todos vós, habitada pela saúde, boa entrada no 2015, seja qual for o vosso fuso horário.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
31 dezembro 2014
Sobre rumor e confusões
"A Renamo reivindica a vitória, mas não fornece nenhuma evidência, enquanto a CNE diz que "corrigiu" os resultados e não fornece nenhuma informação. Não é de surpreender que haja tanto rumor e confusões." (tradução minha, CS) - Joseph Hanlon em comentário no Boletim sobre o Processo Político em Moçambique (79), de 30 de Dezembro, aqui.
Adenda às 07:25: nova passagem do boletim: "A CNE, a Renamo, o MDM e o Canalmoz parecem não estar interessados em factos e detalhes, e preferem sigilo e rumores."
Adenda 2 às 07:32: leia o acórdão n.º 21/CC/2014 de 29 de Dezembro do Conselho Constitucional aqui, pois no seu portal o documento continua indisponível com a seguinte indicação:
Adenda às 07:25: nova passagem do boletim: "A CNE, a Renamo, o MDM e o Canalmoz parecem não estar interessados em factos e detalhes, e preferem sigilo e rumores."
Adenda 2 às 07:32: leia o acórdão n.º 21/CC/2014 de 29 de Dezembro do Conselho Constitucional aqui, pois no seu portal o documento continua indisponível com a seguinte indicação:
Adenda 3 às 07:47: extracto do boletim mais acima citado:
E agora o que farão Dhlakama e Renamo? (1)
No "O País" digital de 30 de Setembro desde ano: "Desde 1994 que começamos com as eleições, o partido Frelimo nunca ganhou. Sempre roubava. Chissano nunca ganhou; Guebuza nunca ganhou; pior este Nyusi não vai ganhar”, declarou Dhlakama, perante um público que ia aplaudindo a sua dissertação, a 230 quilómetros da cidade de Quelimane." Aqui.
Privilégios e luta
Em todo o grupo que luta para manter os seus privilégios - a gestão das fontes e dos recursos de poder, afastando e perseguindo quem os disputa -, existem os princípios básicos do racismo: a exclusão e a estigmatização. A cor da pele é, apenas, um acidente. As relações raciais mais não são do que relações estabelecidos/marginalizados de um tipo particular.
30 dezembro 2014
Rescaldo da validação dos resultados eleitorais
* Segundo a "Folha de Maputo" digital, o presidente da República e presidente do Partido Frelimo, Armando Guebuza, afirmou que o seu partido é invencível e amado por todo o povo. Aqui.
* Segundo a "Lusa" citada pelo "SapoNotícias" digital, o candidato presidencial declarado vencedor, Filipe Nyusi, do Partido Frelimo, prometeu inclusão e transparência governativa. Aqui.
* Segundo o "O País" digital, o porta-voz da Frelimo, Damião José, afirmou que a Renamo deve reconhecer o seu fracasso. Aqui.
* Segundo a "Lusa" citada pelo "SapoNotícias" digital, a Renamo, na pessoa do seu mandatário, André Majibire, recusou os resultados validados e prometeu para Janeiro do próximo ano a divulgação do modelo do governo de gestão. Aqui.
* Segundo a "Lusa" citada pelo "SapoNotícias" digital, o presidente do MDM, Daviz Simango, afirmou que as eleições de 15 de Ouubro foram as mais fraudulentas de sempre e que a sua validação constituiu um golpe eleitoral. Aqui.
* Finalmente, leia um texto bastante crítico no tema de fundo do "@Verdade/Facebook", aqui.
Adenda às 17:14: o acórdão n.º 21/CC/2014 de 29 de Dezembro do Conselho Constitucional está inacessível por enquanto, confira aqui.
* Segundo a "Lusa" citada pelo "SapoNotícias" digital, o candidato presidencial declarado vencedor, Filipe Nyusi, do Partido Frelimo, prometeu inclusão e transparência governativa. Aqui.
* Segundo o "O País" digital, o porta-voz da Frelimo, Damião José, afirmou que a Renamo deve reconhecer o seu fracasso. Aqui.
* Segundo a "Lusa" citada pelo "SapoNotícias" digital, a Renamo, na pessoa do seu mandatário, André Majibire, recusou os resultados validados e prometeu para Janeiro do próximo ano a divulgação do modelo do governo de gestão. Aqui.
* Segundo a "Lusa" citada pelo "SapoNotícias" digital, o presidente do MDM, Daviz Simango, afirmou que as eleições de 15 de Ouubro foram as mais fraudulentas de sempre e que a sua validação constituiu um golpe eleitoral. Aqui.
* Finalmente, leia um texto bastante crítico no tema de fundo do "@Verdade/Facebook", aqui.
Adenda às 17:14: o acórdão n.º 21/CC/2014 de 29 de Dezembro do Conselho Constitucional está inacessível por enquanto, confira aqui.
Hoje
Amplie a imagem clicando sobre ela com o lado esquerdo do rato.
Adenda às 06:20: leia o que passou ontem numa conferência de imprensa da Renamo segundo a "AIM" citada pelo "SapoNotícias", aqui.
Adenda 3 às 06:26: sobre o anúncio hoje dos resultados eleitorais por parte do Conselho Constitucional, uma posição da Frelimo no "Notícias" digital de hoje, aqui.
Adenda 4 às 07:35: recorde o Boletim sobre o Processo Político em Moçambique (56), de 1 deste mês, aqui.
Adenda 5 às 08:11: recordo uma postagem minha do dia 1: "De comício em comício pós-eleitoral, o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, continua a afirmar que não haverá mais guerra no país. Ao mesmo tempo, continua a defender que se a Frelimo não escutar a Renamo, esta irá governar o país. Resta saber como o poderá fazer, sem o recurso à sua especialidade: a guerrilha. Pode acontecer (mera hipótese) que, desta vez, a elite pretoriana desse partido ponha efectivamente em funcionamento um governo alternativo (em anos anteriores tentou, sem êxito, o chamado governo sombra) que, pelo desgaste provocado por uma programada campanha de desobediência civil, obrigue o Estado a fazer concessões mais profundas e rápidas em termos de redistribuição de recursos de poder e prestígio." Aqui.
29 dezembro 2014
Sobre as "figuras do ano"
Heroicizar os feitos de alguém parece ser uma característica permanente, uma necessidade imperiosa nos seres humanos. A escolha das figuras do ano talvez seja um exemplo. Interessante é a seleção política e politizada dessas figuras, generalizada em certos círculos.
Adenda: (permitam-me recordar um texto que escrevi em 2011, intitulado A teoria dos Grandes Homens; reprodução feita aqui): Há três coisas a considerar na teoria dos grandes homens. A primeira é que ela faz da história um colecção de actos movidos por pessoas consideradas excepcionais, sejam elas boas ou más. A segunda é que ela faz da correção da história - quando necessária - um processo de substituição de pessoas e não de sistemas. A terceira é que ela faz da história um caminho aberto por homens e não também por mulheres.
A crença na absoluta excepcionalidade dos grandes é, creio, generalizada. O homem excepcional (muito raramente se fala na mulher excepcional) é aquele que é suposto armazenar em si a capacidade inata de poder dar à história um rumo diferente, um rumo decisivo, bom ou mau.
A lógica da teoria dos grandes homens assenta em dados individuais e nunca em sistemas, em dados de pessoas e não de colectivos. Reparem, por exemplo, quanto a história das revoltas em África e Médio Oriente está cheia de relatos sobre Ben Ali, Mubarak, Kadafi, sobre a personalização do Mal, etc. Reparem como, entre nós, os partidos políticos, por exemplo, são regra geral colocados na penumbra em favor de pessoas com estas ou aquelas qualidades, apreciadas ou diabolizadas, de dirigentes, de grandes homens ou, se preferirem, de pequenos homens que alguns gostariam de ver grandes.
Adenda: (permitam-me recordar um texto que escrevi em 2011, intitulado A teoria dos Grandes Homens; reprodução feita aqui): Há três coisas a considerar na teoria dos grandes homens. A primeira é que ela faz da história um colecção de actos movidos por pessoas consideradas excepcionais, sejam elas boas ou más. A segunda é que ela faz da correção da história - quando necessária - um processo de substituição de pessoas e não de sistemas. A terceira é que ela faz da história um caminho aberto por homens e não também por mulheres.
A crença na absoluta excepcionalidade dos grandes é, creio, generalizada. O homem excepcional (muito raramente se fala na mulher excepcional) é aquele que é suposto armazenar em si a capacidade inata de poder dar à história um rumo diferente, um rumo decisivo, bom ou mau.
A lógica da teoria dos grandes homens assenta em dados individuais e nunca em sistemas, em dados de pessoas e não de colectivos. Reparem, por exemplo, quanto a história das revoltas em África e Médio Oriente está cheia de relatos sobre Ben Ali, Mubarak, Kadafi, sobre a personalização do Mal, etc. Reparem como, entre nós, os partidos políticos, por exemplo, são regra geral colocados na penumbra em favor de pessoas com estas ou aquelas qualidades, apreciadas ou diabolizadas, de dirigentes, de grandes homens ou, se preferirem, de pequenos homens que alguns gostariam de ver grandes.
A biografia é, afinal, o alimento predilecto das nossas histórias do dia-a-dia. Considerada a primeira coisa, passo à segunda. Aqui, a correção da história opera não através da ponderação dos sistemas nos quais vivem os chamados grandes homens, mas através da ponderação desses grandes homens, desses grandes homens em si. Se algo correu mal, se eles defraudaram as expectativas, se não foram capazes de ser os deuses terrenos que esperávamos, torna-se indispensável substituí-los por outros capazes de saciar a nossa sede de perfeição absoluta.
O problema cognitivo é suposto não residir nos sistemas sociais que produzem expectativas e crenças de um certo tipo, mas nas pessoas individualmente consideradas.
A biografia parece ser o êmbolo da história comezinha e dos sistemas de conhecimento imediato. Consideradas a primeira e a segunda coisas, resta abordar a terceira.
A história é, tradicionalmente, um caminho considerado aberto por homens, em seus génios e em seus feitos combativos, milhares de livros de história são disso testemunho. As mulheres têm-se quedado em espaços subalternos, apesar do seu combate pela visibilidade nas últimas décadas.
Biografia e androcentrismo são êmbolos da história comezinha e dos sistemas de conhecimento imediato, a primeira eclipsando a visão dos sistemas sociais, a segunda eclipsando o papel jogado pelas mulheres.
O problema cognitivo é suposto não residir nos sistemas sociais que produzem expectativas e crenças de um certo tipo, mas nas pessoas individualmente consideradas.
A biografia parece ser o êmbolo da história comezinha e dos sistemas de conhecimento imediato. Consideradas a primeira e a segunda coisas, resta abordar a terceira.
A história é, tradicionalmente, um caminho considerado aberto por homens, em seus génios e em seus feitos combativos, milhares de livros de história são disso testemunho. As mulheres têm-se quedado em espaços subalternos, apesar do seu combate pela visibilidade nas últimas décadas.
Biografia e androcentrismo são êmbolos da história comezinha e dos sistemas de conhecimento imediato, a primeira eclipsando a visão dos sistemas sociais, a segunda eclipsando o papel jogado pelas mulheres.
As duas mentalidades
Amanhã o Conselho Constitucional (CC) vai anunciar os resultados das eleições gerais de 15 de Outubro, de acordo com um comunicado datado do dia 26 do corrente mês. Em certos jornais digitais, em certas páginas de redes sociais e em alguns blogues têm curso duas mentalidades: a mentalidade que associa o CC ao Partido Frelimo e à fraude e a mentalidade que vê no CC um órgão neutro sem associação com a fraude. É, afinal, o que já chamei, em postagem anterior, a luta das duas linhas analíticas. Enquanto isso, segundo a "Folha de Maputo", o sr. Afonso Dhlakama, presidente da Renamo, insiste num governo de gestão e promete desobediência civil caso o CC valide os resultados previamente anunciados pelo Observatório Eleitoral e pela Comissão Nacional de Eleições. Aqui. Recorde aqui.
Adenda às 12:02: leia aqui.
Adenda às 12:02: leia aqui.
Chuva
Há zonas muito alagadas nas cidades de Maputo e Matola devido à chuva que cai faz já muitas horas. Sérios problemas especialmente nos bairros populares da periferia.
No "Savana" 1094 de 26/12/2014, p.19
Se quiser ampliar a imagem, clique sobre ela com o lado esquerdo do rato. Nota: "Fungulamaso" (abre o olho, está atento, expressão em ShiNhúnguè por mim agrupada a partir das palavras "fungula" e "maso") é uma coluna semanal do "Savana" sempre com 148 palavras na página 19. A Cris, colega linguista, disse-me que se deve escrever Cinyungwe. Tem razão face ao consenso obtido nas consoantes do tipo "y" ou "w". Porém, o aportuguesamento pode ser obtido tal como grafei.
Adenda: também na rubrica Crónicas da minha página na "Academia.edu", aqui.
28 dezembro 2014
Coleção que cresce
A primeira imagem documenta as provas tipográficas para correção dos números 11º e 12º da Coleção "Cadernos de Ciências Sociais" da "Escolar Editora", respectivamente intitulados "O que é filosofia africana?" (autoria: Víctor Kajibanga de Angola e Euclides Mance e Reinaldo João de Oliveira do Brasil) e "O que é feminismo?" (autoria: Patrícia Gomes da Guiné-Bissau, Debora Diniz do Brasil, Maria Helena Santos de Portugal e Rosália Diogo do Brasil). A colecção possui neste momento um fórum com autores oriundos de 11 países, a saber: Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, Cabo Verde, Timor-Leste, Portugal, Brasil, França, Suécia, Canadá e Japão.
Amplie a primeira imagem clicando sobre ela com o lado esquerdo do rato.
Resultados eleitorais e teses preguiçosas (22)
Vigésimo segundo número da série. Trabalhando sempre com hipóteses, permaneço no quinto ponto dos seis pontos sugeridos aqui, a saber: 5. Lógicas populares: da abstenção ao voto formal. Muito raramente as lógicas populares (no caso vertente, as representações que os eleitores fazem de eleições e políticos) surgem como determinantes nas análises dos processos eleitorais. Na verdade, determinantes são, invariavelmente, as lógicas dos políticos, dos intelectuais partidários e de muitos crédulos. Por exemplo, quando multidões enchem os comícios dos políticos, de imediato estes defendem que isso tem a ver com veneração e voto antecipado. Realizadas as eleições, se os votos não dão a vitória a certos políticos, imediatamente se grita que houve fraude. Por outras palavras: políticos, intelectuais partidários e crédutos em geral produzem, inventam o povo dos seus anseios.
(vide Serra, Carlos [dir], Eleitorado incapturável, Eleições municipais de 1998 em Manica, Chimoio, Beira, Dondo, Nampula e Angoche. Maputo: Livraria Universitária, 1999, pp.43-243)
(vide Serra, Carlos [dir], Eleitorado incapturável, Eleições municipais de 1998 em Manica, Chimoio, Beira, Dondo, Nampula e Angoche. Maputo: Livraria Universitária, 1999, pp.43-243)
27 dezembro 2014
CC proclama resultados eleitorais na terça-feira
Segundo o "Notícias" de hoje, na secção "Breves" da primeira página, o Conselho Constitucional proclama os resultados finais das eleições de 15 de Outubro na próxima terça-feira, dia 30, às 10 horas, no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano. A versão digital do jornal não tem essa referência, leia aqui.
Cuamba: 75,17% de abstenção
"À hora do fecho" no "Savana"
Na última página do semanário "Savana" existe sempre uma coluna de saudável ironia que se chama "À hora do fecho". Naturalmente que é necessário conhecer um pouco a alma da vida local para se saber que situações e pessoas são descritas. Segue-se um extracto reproduzido da edição 1094, de 26/12/2014, disponível na íntegra aqui:
Lá no Niassa
Amplie as imagens clicando sobre elas com o lado esquerdo do rato. Em língua yaawo, kucela significa amanhecer. Sobre a província do Niassa, aqui.
25 dezembro 2014
Muros psicológicos
A distância social é menos a medida de separação entre duas coisas do que o conjunto de avisos e interditos, visíveis e invisíveis, externos e internos, erguidos a cada momento pelos dominantes face aos dominados. Cada dominado aprende, desde que nasce, a conhecer e a temer os dominantes e suas práticas, os gestores do poder político e seus símbolos. Os césares habitam locais situados a cautelosa distância dos dominados, resguardados e vigiados em permanência. Contudo, o mais decisivo dos interditos não é o símbolo físico - a casa especial, o castelo, o palácio, a muralha, o aviso escrito, os membros da segurança, a etiqueta sinalizadora - mas o conjunto interiorizado e rotinizado de reverências e de medos, o conjunto de muros psicológicos que habitam os dominados, tornados hábitos desde a mais tenra idade. A distância está especialmente dentro dos dominados, são estes, afinal, que a produzem e reproduzem.
Duas maneiras
Os fenómenos sociais podem ser estudados de duas maneiras: pela atribuição de causas (abordagem causal) e pela atribuição de sentido que as pessoas dão aos fenómenos (abordagem representacional).
24 dezembro 2014
Embrulhos simbólicos
As sociedades não são apenas conjuntos de acção colectiva, são também conjuntos de representações sociais produzidas por grupos em competição por recursos de vida. As representações sociais são os embrulhos simbólicos da acção colectiva e da competição social. O primeiro dever do investigador consiste em descodificar esses embrulhos feitos de definições, de etiquetas e de postulados morais. Nenhuma representação colectiva sobre outrem pode ser tomada como natural e imune à pesquisa.
Problematizar os problemas
Abundante, geradora de problemas, a chuva cai periodicamente na cidade de Maputo. Mas de forma não menos abundante cai o dedo acusador apontando para a natureza. É preciso, porém, estudar quais são as condições sociais que permitem que a chuva provoque os estragos que provoca. É preciso tornar sociais as causas que se pretende sejam apenas naturais. Urge encontrar à retaguarda dos elementos naturais os elementos sociais que os tornam mais problemáticos.
O cidadão A
Um dia o cidadão A foi designado ministro. Antes dessa grande odisseia e tal como o geral dos seres humanos prosaicos, o cidadão A tinha uma alma horizontal. Com a grande odisseia e de forma vigorosa após ela, a alma tornou-se vertical. Nas mais insignificantes coisas, pelos mais variados pretextos, não importa em que condição e tempo, o cidadão A só podia ser estando em cima, olhando e falando de cima. E tal como para discursar - no que ganhou gesticulado gosto - era fundamental que o fizesse em sítio absolutamente alto, com as palavras jorrando bem do alto, também não mais pôde dormir senão numa cama de base alta, bem acima do soalho, como as crianças em seus beliches. Desta forma, ao acordar de manhã, renovava o prazer de ver a sua augusta e gloriosa alma vertical vencer o pobre corpo horizontal.
23 dezembro 2014
À mão a solidariedade tem melhor gosto
A panela colectiva (de barro ou de ferro), o comer à mão acocorado e o diálogo colectivizado: eis três ingredientes da vida rural no nosso país. De uma certa vida rural, aquela mais distante das cidades, mais agarrada a um certo passado. Ingredientes socialmente naturais e naturalizados. A esse nível, comer é bem mais do que comer: é ponte, é ser solidário, é ser o outro, é fazer com que o outro também coma. Afinal, à mão a solidariedade tem melhor gosto, ainda que - a dialéctica da vida é sempre resistente ao tacto - certos bocados de certas partes da comida pertençam por direito àqueles que lideram grupos ou comunidades.
Chefe carismático
A crença num chefe carismático só tem sentido e só se mantém quando ele é capaz de confirmar o que diz e promete, quando, portanto, as pessoas podem receber dele as provas, os benefícios. Quando o chefe carismático não pode ou não consegue provar o que diz ou promete, a sua autoridade e a obediência que lhe é dada perdem-se ou correm o risco de se perder.
À procura dos cigarros
Os cigarros do vendedor informal caíram na sargeta do bulevar situado no cruzamento das avenidas Julius Nyerere e 24 de Julho, cidade de Maputo. A solução encontrada para os reaver foi a que as imagens documentam.
22 dezembro 2014
Governo acusa Renamo e Dhlakama
Na pessoa do primeiro-ministro, Alberto Vaquina, o governo moçambicano acusou hoje a Renamo e o seu presidente de incitação reiterada à violência, de violação da lei moçambicana e de ataque à unidade nacional - "Rádio Moçambique", manchete do jornal da noite das 19:30.
Posição
Não há pessoas mais competentes do que outras, mas pessoas com competências diferentes. Não há povos com histórias mais ricas do que outros povos, mas povos com histórias diferentes e igualmente ricas. Urge vencer os pressupostos epistemológicos de certo darwinismo social. Ninguém é mais culto do que outrem, ninguém se pode arrogar o direito de ser mais inteligente do que outrem. Não há pessoas ou grupos mais cultos do que outras pessoas ou outros grupos, mas pessoas e grupos com culturas diferentes; não há pessoas ou grupos mais inteligentes do que outras pessoas ou outros grupos, mas pessoas e grupos com inteligências diferentes. A única possibilidade de sermos iguais é a de sermos diferentes em plataformas sociais que não hostilizem, não ofendam e não magoem outrem.
O que é poder político?
Está em formação a equipa multinacional que irá preparar mais um número da coleção "Cadernos de Ciências Sociais", da Escolar Editora, com o título em epígrafe.
No "Savana" 1093 de 19/12/2014, p.19
Se quiser ampliar a imagem, clique sobre ela com o lado esquerdo do rato. Nota: "Fungulamaso" (abre o olho, está atento, expressão em ShiNhúnguè por mim agrupada a partir das palavras "fungula" e "maso") é uma coluna semanal do "Savana" sempre com 148 palavras na página 19. A Cris, colega linguista, disse-me que se deve escrever Cinyungwe. Tem razão face ao consenso obtido nas consoantes do tipo "y" ou "w". Porém, o aportuguesamento pode ser obtido tal como grafei.
Adenda: também na rubrica Crónicas da minha página na "Academia.edu", aqui.
21 dezembro 2014
Aforismando
Quanto mais capaz és de aceitar e de gerir a diferença social que não humilha nem explora, mais capaz és de dar à verdadeira democracia os carris de que carece.
Diário
Outrora um diário era um instrumento íntimo no qual o autor ou a autora registava o dia-a-dia da sua vida. As cidades, a electrónica e a internet transformaram o diário num instrumento público, franqueado a todos. Do blogue ao facebook, na luta contra o anonimato das multidões, com texto e fotos, no barco dos "likes", as pessoas dizem: reparem que existo, que tenho uma identidade. (imagem reproduzida daqui)
Frágeis são as almas quando o dinheiro comanda a vida
Moradias que fazem parte da história arquitectónica desta cidade foram destruídas ou estão a sê-lo, para dar lugar a prédios. Duas, geminadas, foram destruídas na Avenida Friedrich Engels; outra, na Rua de Chuinde, perpendicular à Engels. Um pouco por todo o Bairro da Polana (mas não só) os sinais do historicídio são cada vez mais visíveis. Consta-me (mas preciso absolutamente de acreditar que isso é boato) que também vai desaparecer o velho e nobre restaurante Piripiri, na Avenida 24 de Julho.
Comentário: Num dos seus livros, o ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo Walter Benjamin analisou um quadro de Paul Klee chamado "Angelus Novus". Segundo Walter, o anjo apenas via ruínas na estrada do progresso. Para ele, o progresso era uma tempestade. Talvez pudesse dizer que estamos perante um anjo pessimista que nada compreendia da modernidade em seu misto de paradoxo e contradição. Talvez eu seja uma pobre versão local do anjo passadista de Klee ao lamentar que uma parte importante das zonas verdes da cidade de Maputo esteja a desaparecer rapidamente, substituída por condomínios e moradias de luxo. Talvez, ainda, eu seja um conservador ultrapassado pela história do desenvolvimento ao verificar que o mangal da Costa do Sol está a ser trocado por condomínios de luxo. Talvez eu seja uma voz ultrapassada pela modernidade ao ver a morte diária da história arquitectónica desta cidade. Tudo o que é sólido se desfaz - escreveram Marx e Engels há mais de 150 anos. Se sofrer por ver verde, mangal e antigas moradias "desfazerem-se" é um acto de conservadorismo, então sou profundamente conservador. Absolutamente conservador por ver ruir o que era sólido e história na cidade de Maputo. Frágeis são as almas quando o dinheiro comanda a vida.
Comentário: Num dos seus livros, o ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo Walter Benjamin analisou um quadro de Paul Klee chamado "Angelus Novus". Segundo Walter, o anjo apenas via ruínas na estrada do progresso. Para ele, o progresso era uma tempestade. Talvez pudesse dizer que estamos perante um anjo pessimista que nada compreendia da modernidade em seu misto de paradoxo e contradição. Talvez eu seja uma pobre versão local do anjo passadista de Klee ao lamentar que uma parte importante das zonas verdes da cidade de Maputo esteja a desaparecer rapidamente, substituída por condomínios e moradias de luxo. Talvez, ainda, eu seja um conservador ultrapassado pela história do desenvolvimento ao verificar que o mangal da Costa do Sol está a ser trocado por condomínios de luxo. Talvez eu seja uma voz ultrapassada pela modernidade ao ver a morte diária da história arquitectónica desta cidade. Tudo o que é sólido se desfaz - escreveram Marx e Engels há mais de 150 anos. Se sofrer por ver verde, mangal e antigas moradias "desfazerem-se" é um acto de conservadorismo, então sou profundamente conservador. Absolutamente conservador por ver ruir o que era sólido e história na cidade de Maputo. Frágeis são as almas quando o dinheiro comanda a vida.
Resultados eleitorais e teses preguiçosas (21)
Vigésimo primeiro número da série. Trabalhando sempre com hipóteses, entro no quinto ponto dos seis pontos sugeridos aqui, a saber: 5. Lógicas populares: da abstenção ao voto formal. Este é um ponto importante, um ponto no qual habita a caixa negra das decisões que as pessoas tomam quando votam, mesmo que não votem. O que pretendo dizer com tão enigmático tom?
(vide Serra, Carlos [dir], Eleitorado incapturável, Eleições municipais de 1998 em Manica, Chimoio, Beira, Dondo, Nampula e Angoche. Maputo: Livraria Universitária, 1999, pp.43-243)
(vide Serra, Carlos [dir], Eleitorado incapturável, Eleições municipais de 1998 em Manica, Chimoio, Beira, Dondo, Nampula e Angoche. Maputo: Livraria Universitária, 1999, pp.43-243)
20 dezembro 2014
Exército privado da Renamo na estrada
Segundo o "Notícias" digital de 18 do corrente mês, citando uma fonte governamental, a polícia interceptou no dia 14, cerca das 14.00 horas, "um grupo de 22 homens armados da Renamo, dos quais sete uniformizados e armados, transportados em três viaturas, foram interceptados pela Polícia no posto de controlo do rio Save, quando se movimentavam vindos da província do Niassa com destino a Vilankulo, província de Inhambane, a fim de receberem o presidente do partido que iria iniciar a visita na zona sul." Aqui. Segundo o mesmo jornal, a polícia interceptou ontem, dia 19, na cidade de Xai-Xai, em Gaza, "uma carrinha transportando homens armados pertencentes à guarda de Afonso Dhlakama." Aqui.
Comentário: é a gestão de um exército privado que permite à Renamo e ao seu presidente, Afonso Dhlakama, negociar e exigir no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano na cidade de Maputo uma bipartidarização imediata de recursos de poder e prestígio.
Comentário: é a gestão de um exército privado que permite à Renamo e ao seu presidente, Afonso Dhlakama, negociar e exigir no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano na cidade de Maputo uma bipartidarização imediata de recursos de poder e prestígio.
As 600 mil de Muchanga
Citado pelo "O País" digital, o porta-voz da Renamo, António Muchanga, afirmou que o Fundo da Paz e Reconciliação Nacional no valor de dez milhões de dólares é insuficiente para 600 mil pessoas, entre desmobilizados e familiares, "isto não dá para nada" - assegurou. Aqui.
Comentário: além de mostrar ser um notável apreciador da estatística dos grandes números, o Sr. António Muchanga é uma pessoa que revela sentir que o dinheiro deve jorrar naturalmente, liquidamente, em grande abundância. Especialmente agora que a dívida pública de Moçambique está próxima dos 40% do PIB.
Comentário: além de mostrar ser um notável apreciador da estatística dos grandes números, o Sr. António Muchanga é uma pessoa que revela sentir que o dinheiro deve jorrar naturalmente, liquidamente, em grande abundância. Especialmente agora que a dívida pública de Moçambique está próxima dos 40% do PIB.
"À hora do fecho" no "Savana"
Na última página do semanário "Savana" existe sempre uma coluna de saudável ironia que se chama "À hora do fecho". Naturalmente que é necessário conhecer um pouco a alma da vida local para se saber que situações e pessoas são descritas. Segue-se um extracto reproduzido da edição 1093, de 19/12/2014, disponível na íntegra aqui:
19 dezembro 2014
Na festa da "Mediacoop"
A "Mediacoop", empresa proprietária dos jornais "Savana" e "mediaFAX" e da "Rádio Savana", realizou hoje a sua festa de final do ano, juntando jornalistas, funcionários e, entre os convidados, colaboradores. Algumas imagens abaixo:
Na foto acima estão, da esquerda para a direita: José Coelho, director comercial da "Mediacoop"; Naíta Ussene, fotógrafo e membro do Conselho de Administração da "Mediacoop"; Fernando Gonçalves, editor do "Savana"; Maya, filha de Fernando Lima, jornalista e presidente do Conselho de Administração da "Mediacoop".
Na foto acima estão, da esquerda para a direita: o autor deste blogue, colaborador do "Savana"; Francisco Carmona, editor executivo do "Savana"; Fernando Manuel, jornalista do "Savana"; Eric Charas, director do jornal "@Verdade"; e Machado da Graça, colaborador do "Savana".
Da esquerda para a direita: o autor deste blogue, Francisco Carmona, Fernando Manuel e Eric Charas.
O autor deste blogue, Francisco Carmona e Fernando Manuel.
Dívida pública de Moçambique
A dívida pública de Moçambique corresponde agora a 36% do PIB e tem sido relacionada com o programa de construção de infra-estruturas e com a elevada folha salarial no Aparelho do Estado. Aqui.
Lá na província do Niassa
Versão digital do jornal, onde se lê no topo "segunda-feira", deve ler-se "sexta-feira". Amplie a imagem clicando sobre ela com o lado esquerdo do rato.
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