20 outubro 2011

Teoria do conhecimento de Samora Machel (9)

"Ao pegarmos em armas para derrubar a ordem antiga, sentimos a necessidade de criar uma nova sociedade, forte, sã, próspera, em que os homens livres de toda a exploração colaborariam para o progresso comum" ( Samora Machel)
Prossigo no terceiro ponto do sumário desta série.
3. Pontos focais da epistemologia de Samora. É possível explorar muitos pontos dessa epistemologia. Por exemplo, Samora preocupava-me muito com o tribalismo e com o racismo, preocupava-se com as fracturas - políticas e sociais - criadas pelos dois fenómenos. Em 1976, poucos meses após a independência nacional, Samora disse o seguinte na oitava sessão do Comité Central da Frelimo: "(...) O ambicioso exigirá que em cada lugar de responsabilidade apareça sempre o elemento de tal e tal tribo, de tal ou tal região ou raça. (...) os vícios do racismo, os preconceitos, não desapareceram, as relações sociais continuam a ser determinadas pela pigmentação da pele. Não há ainda uma sociedade moçambicana; há várias sociedades paralelas de brancos, assimilados, mestiços, indianos, chineses, etc., que têm reduzidíssimos contactos entre si."
Prossigo mais tarde.
Sugestão: deixem-me sugerir-vos a leitura em 15 números da minha série intitulada A cada um segundo as suas necessidades, a cada um segundo o seu Samora, aqui.
(continua)

4 comentários:

Salvador Langa disse...

Continuamos a ter várias sociedades paralelas.

ricardo disse...

A Teoria do (Des)conhecimento de Samora Machel...

Como pudemos ver "in loco" na Praca da Independencia ontem, houve mais convidados e "obrigados" - os alunos das escolas - do que genuinamente interessados em assistir ao mais nojento aproveitamento politico da nossa historia recente, por parte daqueles que em vida, Machel acantonou por serem ambiciosos politicos. Uma estatua, discursos nostalgicos e anacronicos, uma delegacao de cinco comunistas norte-coreanos que fizeram a estatua, vestidos de roupa igual e muitas tendas no palanque oficial com a PUBLICIDADE da PEPSI-COLA!

Samora deve ter-se remexido no tumulo. Ele, um comunista convicto, que proibiu a publicidade no seu reinado. E ate a venda de revistas como o TINTIM e o Tio Patinhas, por serem literatura de cariz imperialista, foi homenageado por seus mais ferrenhos inimigos politicos, ante os olhares de capitalistas convictos e outros tantos...

Era pedir demais. Por um momento, uma ventania forte cruzou a cidade de Maputo, tao forte era que ate pensei que o palanque e a estatua iam simplesmente voar em direccao a Mbuzini. Enfim, como diria Maquiavel, os fins, justificam os meios. E se o fim era preparar as eleicoes de 2014, entao, ja esta, Machel sera o mote da campanha do proximo candidato presidencial do partido no poder. E nos, os credulos, vamos acreditar na lenda e continuar a votar NELA!

E para terminar o dia, um debate de surdos - usando as palavras de Machado da Graca - na STV sobre a morte de Samora Machel. Lado a lado, posicoes irredutiveis e muito discutiveis de Sergio Vieira e Joao Cabrita, misturadas com delirios e divagacoes historicas de Sibindy e Olivia Machel. Verdade mesmo. Eu fiquei ainda mais confuso em relacao ao assunto, do que ja estava. Mas ainda acredito na hipotese de assassinato politico por interesses conjugados de sovieticos, sul-africanos e mocambicanos. Uma vez que:

1- Machel iria radicalizar o conflito armado na regiao, atacando e invadindo o Malawi por volta de Novembro de 1986. Nao era de interesse das exauridas FPLM ou SADF que isso sucedesse;

2- Quando Olivia Machel diz que o seu pai regressou da URSS decepcionado com Gorbatchev, era porque lhe havia sido dito que a URSS nao participaria na aventura militar no Malawi, tanto que mais, estava ja atolada com a UNITA e SADF em Angola, como se viu na estrondosa derrota de Mavinga, que os cubanos viriam a reequilibrar em Cuito-Cuanavale dois anos depois;

Em suma, o mundo de entao caminhava para a distensao e Samora pretendia fazer exactamente o contrario, logo deveria ter percebido o risco. Sobretudo, por ser um homem muito intuitivo, contudo, desta feita, falhou. Porque a sua intuicao convertera-se em paranoia por suspeitar dos inimigos internos do seu Comite Central. Quando Sergio Vieira diz que, dias antes, Samora convidara todo o Conselho de Ministros a escrever cartas para revelar o que desejam fazer no futuro, isto e uma rotura politica grave no Governo de entao. E quando Olivia fala de uma confidencia do pai para os filhos no dia 17/10/1986, em que se refere a avioes da FAM que bombardearam o mar ao largo do Bilene e quando sabemos tambem que o fatidico voo de Machel andou desacompanhado o tempo todo, entao confirma-se que a nossa forca aerea, ou uma boa parte dela, ja nao estavam alinhadas com os objectivos militares de Machel. E quem percebe um pouco de estrategia militar, sabe que a FAM era o diferencial de combate em relacao a RENAMO que detinha ja vantagem militar tactica no terreno, pois asfixiava os centros urbanos e ja confraternizava abertamente com as FPLM em algumas provincias, ja que a Marinha de Guerra, essa nunca existiu na nossa historia militar, pois essa tarefa sempre foi assumida pela URSS e RDA (recordemos a captura de um pesqueiro sul-africano pela Volksmarine na zona da Ponta do Ouro).

TaCuba disse...

Samora? Tem gente que tornaria a matá-lo se pudesse. Há quem não tenha crises por ter coluna vertebral dobrada.

João Cabrita disse...

Mas 10 anos antes, em 1966 portanto, Samora Machel beneficiava da separação de tribos, ou seja, "de tal e tal tribo, de tal ou tal região...".

Ele referiu-se ao de leve a esse aspecto no discurso que proferiu na tomada de posse como presidente da República em Junho de 1975: "A sessão do Comité Central de Outubro de 1966 (...) p(ôs) termo à contradição entre militantes políticos e militantes militares".


Esta linguagem críptica está também espelhada no comunicado saído dessa sessão, o qual alude ao "surgimento de um certo espírito entre vários militantes que acreditam existir dois tipos de membros da Frelimo - os militares e os civis, sendo os primeiros os superiores".


Esse "espírito" é indissociável da morte de Filipe Magaia, ocorrida precisamente em Outubro de 1966. Embora noticiada pela Voz da Frelimo como tendo sido consequência de combates contra o exército colonial, o facto é que o desaparecimento de Magaia foi resultado de uma conspiração ao mais alto nível, assinalando o início de uma limpeza com contornos étnicos - e políticos, obviamente.


A "contradição", quando vista em termos não crípticos, prende-se com a supremacia que os militares comandados pelo chefe do DSD, Filipe Magaia – um "zambeziano, filho da terra", por força da linhagem matrilinear – estavam a adquirir, em detrimento dos políticos sediados em Dar es Salam que cedo tomaram consciência de que o poder da Frente passaria efectivamente para as mãos daqueles que combatiam no terreno, ou no «interior», na terminologia Frelimo. Um processo, aliás, repetido com a ZANU/ZANLA em Moçambique em que Tongogara é o chefe máximo, e que coincidentemente morre num suposto acidente de viação nas vésperas das eleições no Zimbabwe; um fenómeno que ocorre, em moldes ligeiramente diferentes, no seio da Renamo em que o poder efectivo afirma-se, logo nos primeiros momentos, como sendo dos militares que combatem no terreno, consolidando-se a partir de então, para desgosto dos políticos radicados em Lisboa e em outras capitais.


A morte de Magaia e a sua substituição por Machel tiveram – ou pelo menos foram assim interpretadas – contornos étnicos dado que aos comandantes "do norte" (zambezianos, sofalenses, e tetenses, fundamentalmente) sucederam os do "sul". Por mais tribos e tribalismos que a Frelimo de Machel se orgulhe ter erradicado, uma realidade permaneceu, aos olhos do xingondos, até Março de 2015: de que a Frelimo foi sempre um partido do Sul.