Opiniologia (2)

O segundo número desta nova série, tendo em conta o sumário que propus (por agora apenas ideias por limar, tempo haverá para as desenvolver, tal como observei no número anterior). De alguma forma é uma espécie de novo percurso a partir da minha terminada série com o título O pronto-a-pensar.

1. Daltonismo normativo. Somos um país rico em recursos de todos os tipos, dos minerais aos opinativos e normativos. Muitos de nós dispensam a pesquisa séria, sistemática e humilde - a empiria de terreno - pois, afinal, já pesquisaram e chegaram a uma conclusão que têm por absolutamente certa. Que conclusão é essa? A opinião, a famosa opinião, absolutamente apodítica, uma das nossas mais abundantes riquezas naturais. Não a colocamos como possível, colocamo-la com certa, como irrevogável, arúspices imperiais que somos. Há muitos mendigos na cidade? Sim, há, a cidade atrai os camponeses e por isso eles depois não têm trabalho, isso é muito mau, gera a preguiça e o desemprego, combatamos o êxodo rural e a preguiça. Tem gente que acredita que a chuva pode ser aprisionada no céu pelos poderosos? Claro que há, tudo por causa do atraso cultural, da desinformação e da crendice, devemos combater isso, denunciar os exploradores de crenças. Pessoas manifestaram-se contra a subida de preços? Sim, mas importa dizer que foram tumultos a cargo de hordas de bárbaros carentes de convivência democrática, isso é muito feio e deve ser denunciado, combatamos os oportunistas e o lumpen. No fim de cada douta opinião há, quase sempre, (1) um sólido sinete moral e (2) um apelo veemente à cruzada punitória (voltarei a este tema nos pontos 5 e 6). Opinião poliédrica, moral pronta-a-servir e punição permanente - eis a receita opinativa triádica para cada pergunta, moldada pelo daltonismo do juízo de valor (inevitavelmente a coisa ou é boa ou é má). E é assim que circula na praça certo tipo de sapiência sobre a nossa vida. Afinal, ao contrário do que desejava Bachelard, a opinião pensa (crédito da imagem aqui).

(continua)