18 outubro 2010

Sobre a "raça dos trabalhadores" em Moçambique (3)

O término desta série.
Feita a introdução com uma posição de Marx, apresentado o segundo número com uma posição do secretário-geral da OTM, é agora vez de dar a conhecer, de forma mais ampla, um comentário do antropólogo Paulo Granjo, primeiramente feito numa postagem minha com o título "Cesta básica": "Se os salários são tão baixos que o seu valor fica muito longe do necessário para que os trabalhadores comprem a reposição da sua capacidade de trabalhar e a criação de novos trabalhadores (o tal "valor da força de trabalho", de Marx), bases de negociação e reivindicação como a "cesta básica" são necessárias, desejáveis e facilmente compreensíveis por toda a gente. Afinal, mesmo o mais iníquo de todos os sistemas económicos (o esclavagismo) assegurava aos seus trabalhadores o nível essencial de alimentação, vestuário, alojamento e cuidados de saúde - pela boa razão, para os senhores de escravos, de que se não o fizessem ficavam sem ninguém para trabalhar. Mas sugiro também, para reflexão e debate, que a prática de pagar salários muito abaixo da "cesta básica" é extraordinariamente imoral (mesmo pelos critérios capitalistas), socialmente abusiva e economicamente ineficaz. Lembremo-nos que, para Marx, a exploração é a apropriação pelo patrão da "mais-valia", ou seja, daquilo que vai do valor da "cesta básica" (que Marx pressupõe seja, no mínimo, pago aos trabalhadores pelo seu trabalho) até ao valor realmente produzido pelo trabalhador durante o seu horário de trabalho. A ser assim, quando um patrão da indústria textil portuguesa pagava aos seus trabalhadores abaixo da "cesta básica" (o que ele sabia ser possível porque eles iam trabalhar para as suas machambas depois do horário laboral), estava a explorá-los dentro e fora da fábrica, no seu horário de trabalho e fora dele. Quando um patrão moçambicano paga abaixo da "cesta básica" (o que sabe ser possível porque o trabalhador e a sua família se vão mobilizar para exercerem actividades, normalmente "informais", que permitam completar a tal "cesta"), está a explorar toda a família do trabalhador, embora só com ele tenha contrato. Para além disso, não são (como se vê no caso dos texteis portugueses) os salários baixos que garantem a boa saúde das empresas. No caso moçambicano, acresce a isso que a prática de salários muito abaixo da "cesta básica" estimula a (ou obriga à) economia "paralela" e "informal", fragilizando as empresas "formais", as receitas fiscais e capacidade de intervenção do Estado, e arcaizando a vida económica - embora seja isso que mantém o país a funcionar e permite que as famílias urbanas comam. Talvez estas questões sejam úteis para a argumentação de quem concorde com elas - ou de quem discorde de que os trabalhadores sejam tratados, em termos económicos, pior do que os escravos."
(fim)

3 comentários:

Abdul Karim disse...

Nao sao todos os "patroes mocambicanos" que exploram os trabalhadores, existem os que pagam acima da media, os que tentam contra todas vontades "instituidas" produzir um exemplo positivo pro "empresariado", os que nao fogem ao fisco, os que sao constantemente lesados no seu esforco e interesses que permitiriam uma possivel solucao para o dilema do desemprego, em funcao 'a criatividade e inovacao.

O governo tem que fazer "aberturas",

Tem que permitir e dar mais opurtunidades a PME's nacionais, de modo que crescam e criem elas mais emprego, que me parece ser um problema bem maior que dos salarios baixissimos actuais de 10% da populacao activa.

Anónimo disse...

Cá por mim, é um dilema apenas porque os que sofrem nao o conseguem resolver. Mas, ao mesmo tempo, nao o é porque os que o provocam nao o querem resolver.
A cesta básica baixa, no meu ponto de vista, é espécie de "ópio laboral" que mantém o trabalhador dependente porque sabe que depende de um estupafaciente - logo se o abandonar VAI VIAJAR ATÉ A MORTE - ou "leite materno" do qual o bebé depende mesmo sem que a mae tenha alimentacao para o abastecer, pois, se o abandonar nao terá o artificial porque é caro.
Mas, em contrapartida, os que empregam tem lucros altos e empregos em ONG's onde recebem exclusiva e justamente pelo que fazem...

Abdul Karim disse...

"Mas, em contrapartida, os que empregam tem lucros altos e empregos em ONG's onde recebem exclusiva e justamente pelo que fazem..."

Esse pressuposto nao 'e tao certo assim, pois as PME's mocambicanas, nem todas tem lucros altos, e nem todos empregadores tem empregos em ONG's, e ha as que estao a ter prejuiso mas mantem a actividade por terem uma Causa a defender.

No entanto, as PME's sao que mais geram emprego, mais carga fiscal tem por cima, mais multas injustas tem sofrido, mais expostas estao a corrupcao,

Para alem de terem uma concorrencia desleal proviniente de isencoes concedidas a alguns "monopolistas" que para efeitos de continuada fuga ao fisco tornam-se fornecedores do mercado informal,

Ja nao 'e viavel, trabalhar em Mocambique sem fugir ao fisco, cumprindo a carga fiscal, sem isencoes por merito, e competindo com "monopolios protegidos policamente", isso 'e um facto e resultado de conhecimento impirico, ja reclamado e informado as instituicoes de estado responsaveis pelas solucoes aguardadas com muita ansiedade,

Portanto, enquanto essas distorcoes do mercado persistirem, nao tem como haver mais emprego, e 'e isso que tenho estado a dizer aos membros do governo 'a bastante tempo,

O problema social e economico de mocambique, nao se resume a problemas sem solucao, mas tambem a solucoes que sao propostas de problemas previamente denunciados, que nao merecem a devida atencao dos responsaveis pelas respectivas areas.

No caso das PME's espero que o novo ministro de Industria e Comercio, que sempre foi bom ouvinte, considere e pondere a situacao dos que pretendem ajudar a economia de mocambique, em funcao ao merito e nao ao "membership" do partido no poder e nem ao "made in mozambique", por existirem empresas que pela natureza do seu negocio, limiticoes impostas pelo mercado, pelas leis de trabalho, pela falta de incentivo, e finalmente pela opcao estrategica na criatividade e inovacao que nao tem espaco de manobra a nivel nacional, produzem fora de mocambique e precisam das isencoes e alivio de cargas fiscais por forma a continuarem a crescer de modo que seja gerar mais emprego e um dia se possivel produzir em Mocambique.