Morreu o presidente da Guiné-Bissau, Malam Bacai Sanhá, que estava em tratamento médico em Paris. Pedi a um guinese, doutorando-se em história política do seu país, que me fizesse um breve comentário sobre possíveis cenários futuros. Eis a sua resposta via email, sob anonimato, directamente de Bissau:
"Como sempre, a análise sobre a Guiné-Bissau deve basear-se na perspectiva do relacionamento político militar, tomando em conta alguns factores externos, nomeadamente os interesses de países como Angola, Portugal, França e Senegal.
Os cenários sao vários e confusos. As incógnitas permanecem sobretudo as estratégias do adeptos de Bacai no partido no poder, PAIGC, dirigido pelo seu rival, Carlos Gomes Júnior, actual primeiro-ministro. A ala contestatária ao actual líder do partido ficou fragilizada com os acontecimentos de 26 de Dezembro último, em que várias figuras políticas do partido foram fortemente perseguidas, acabando uma delas por ser assassinada pelos agentes de polícia da ordem pública. A alegada tentativa de golpe de Estado é posta hoje em dúvida por vários observadores presentes aqui em Bissau. Para muitos, o primeiro-ministro consciente das difficuldades que terá para se impor no contexto de transição teria antecipado as coisas, inventando um golpe com o apoio do actual chefe dos militares e de alguns países, dos quais Angola, determinado a defender os seus interesses financeiros no país (a exploração de bauxite, fosfato, etc.).
Para já, Carlos Gomes Júnior tem um controlo relativo do partido e da situação em geral no país, enquanto se espera pela contra-ofensiva dos homens de Bacai que estão numa guerra aberta com o primeiro-ministro. Com a detenção do comandante da Marinha, José Américo Bubo Na Tchuto, rival do actual chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, António Indjai, dispõe de espaço de manobras com vista a consolidar as suas alianças com o primeiro-ministro. Mas nada está ainda resolvido neste processo.
Apesar da Constituição indicar claramente o substituto legal do presidente da República em caso da indisponibilidade, o colectivo da oposição disse ontem estar contra a substituição do presidente Bacai Sanhá pelo actual presidente do Parlamento, Raimundo Pereira. Para os opositores, vários assassinatos políticos foram cometidos durante a transição liderada por ele na sequência do assassinato do presidente Joao Bernardo Vieira em Março de 2009.
Tudo isso, caro Professor, mostra a complexidade dos cenários neste processo. A ver vamos."
2 comentários:
Parcialmente de acordo. Visto que não se referiu ao factor narcotráfico aquém interessa particularmente esta instabilidade permanente da Guiné-Bissau. E antes que mais não seja, pela simples razão do narcotráfico envolver ambos os contendores.
Estou em crer que chegou a hora de Carlos Gomes Júnior impôr-se ainda mais nos negócios e na política.
Ora aqui está alguém que foi capaz de comentar a sua terra sem moralismos caseiros como é hábito entre nós.
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