03 março 2011

"A nação árabe existe, mas não a africana" - Michel Cahen sobre o pouco impacto da revolução árabe na África subsariana

No Le Monde de hoje, o historiador francês Michel Cahen tem um trabalho sobre o tema em epígrafe, com referência a Moçambique, do qual traduzi as seguintes passagens: "Os processos revolucionários na pan-nação árabe tiveram até aqui poucas consequências na Africa subsariana (...) Quando um movimento social implora a favor do pai ou do senhor, sem exigir a satisfação dos seus direitos na República, é porque ainda é um movimento de uma sociedade de indivíduos - e não de uma sociedade de cidadãos - profundamente inserida na cadeia clientelista de que necessita em razão mesmo da miséria e da inexistência de alternativa política. (...) ainda que a Tunísia, o Egipto e a Líbia sejam também países africanos, o movimento social e a oposição democrática da África subsariana não parecem (ainda) estimulados pela revolução árabe. Certamente, o sentimento de ser parte da nação já não joga aqui, o pan-africanismo nunca tendo sido mais do que um movimento elitário ou diaspórico. A nação árabe existe, mas não a africana. (...). Não houve Ghatsa em Moçambique nos meses anteriores ao levante de Setembro de 2010, não houve imaginário possível de um futuro diferente daquele em favor do senhor. A oposição, incapaz de se erigir em defensora da vida quotidiana do povo, não teve nenhum papel no caso; as verdadeiras ONGs, muitas vezes corajosas mas esqueléticas, também não." Texto integral aqui. Para traduzir, aqui.
Adenda às 16:33: a ausência de nação é um cavalo de batalha de Michel. Já questionei essa perspectiva no meu livro Combates pela mentalidade sociológica de 1997.
Adenda 2 às 16:45: creio, porém, que é um texto propício  a um debate em profundidade sobre como encaramos o nosso país.
Adenda 3 às 17:04: o argumento de Michel pode ser resumido assim: a falta de um espírito de Nação e uma cultura de veneração pelo chefe explicam por que a revolução árabe não é replicada na África subsariana. Entretanto, acabei de enviar esta postagem para ele, via email.

6 comentários:

ricardo disse...

Partilho muitas das ideias de Paul Cahen, senao todas!

Mocambique e muitos estados sub-saarianos, sao estados soberanos. Contudo, estao muito longe de ser estados-nacao. Ja na Africa Branca essa possibilidade existe.

Abdul Karim disse...

Bem, pra comecar o debate,

Acredito que encaramos o nosso pais, uma casa, que tem "chefes de familia", e varios "sub-chefes", com "filhos, primos, enteados e desgracados" , que quando aptece, os "chefes de familia" vendem a cozinha, ora a casa de banho, ora armario, ora o quarto, e deixam os "novos inquilinos" tratarem ao seu-prazer, o resto da familia,

Resultado, ja nao sabemos se a "casa 'e nossa", ou "dos chefes" ou ainda dos "novos inqulinos",

A casa precisa de "remodelacao", mas "o quarto dos chefes" esta bem "equipado", entao eles nao se importam com resto, o "tacho" funciona no sistema take -away, logo eles nao precisam da cozinha, e quando 'e para "fecalizar" normalmente 'e na "sala de estar" onde vive o "resto da familia".

Quanto ao "resto da familia", e ja que a cozinha foi vendida, nao temos nem onde cozinhar, assim como a casa de banho, entao "facalizamos ao ar livre" e sujamos o "bairro todo".

Unknown disse...

Obrigadíssimo Carlos! Só um pequeno reparo sobre a "Nação", porque, apesar das nossas "divergências tradicionais", penso que há aqui um malentendido. Não falava aqui de uma nação africana particular, mas da ausência de um sentimento nacional à escala de toda a África. Se os acontecimentos da Tunisia tiveram tanto impacto no Egycio, e agora na Libia, no Iemen, talvez amahã nos Marocos, é porque há um sentimento nacional pan-arabe que ultrapssa cada pais, e reparava que o sentimento nacional pan-africano não existe o que é, pois, um travão para os africanos de Moçambique sentirem solidariedade com os africanos da Libia. Desta vez pois, não falava, pois, da questão da nação em cada paises!

Outro pequeno reparo:podias por os extratos que gentilmente traduziste na ordem do artigo? penso que seria assim mais compreensível. Quanto aos "sujets" oppostos aos "citoyens", não seira em português uma oposição "sujeitos/cidadãos" (traduziste por "individuos". Não sei, es tu o lusófono!)

Abraço,

Michel

Abdul Karim disse...

Existem no caso mocambicano outras diferencas que nao podem ser colocadas de lado, entre eleas:

O nivel e a qualidade de educacao, comparativamente aos paises arabes,

O nivel de pobreza nao permite squer pensar no sistema politico quando a preocupacao 'e conseguir uma refeicao condigna,

As universidades nao estao produzir solucoes,

'E tambem preciso perceber, que o conceito de nacao, parte da educacao, o dos direitos tambem,

Portanto esperar que revolucao arabe, venha 'a africa austral, nao acredito que seja possivel,

O que acredito 'e que haverao "convulsoes sociais" ciclicas, desorientadas, e com algum poder de distruicao em crescente, pois 'e tendencia crescente das mesmas, comparando as de 2008 e 2010.

Por outro lado, o governo mantem-se imovel e nao demontra qualquer sinal de "buscar competencia" para tornar menor a exposicao ao risco de "convulcoes socias".

SIM 'e real tambem, que os detem conhecimento suficiente para comprender a situacao, mantem, na sua maioria, uma postura de "veneracao ao chefe", o que torna muito dificil, qualquer possibelidade de "discussao aberta", sobre a situacao, com os detentores do poder, para a criacao de alternativas por forma a gerar uma Mudanca Harmoniosa.

Carlos Serra disse...

Tenho para mim que é necessário ter em conta várias variáveis neste dossier das revoltas. Por agora, defendo que o texto do Michel é excelente para reflexão e debate.

Anónimo disse...

Da mesma forma que, no Continente Americano não temos Nação Americana, mas sim: (i) America do Norte; (ii) América Central e (iii) América do Sul, com realidades culturais e económicas bem diversas,

TAMBÉM no Continente Africano, não temos a Nação Africana, mas (com boa vontade), (i) Africa do Norte /Árabe; (ii) Africa Central; e (iii) Africa Austral, OU (1) Africa do Norte / Sariana e (2) Africa Subsariana, com muitas Nações (línguas, culturas diversas).

Vejam-se os problemas nas tentativas de Regionalização (SADC e outras ?).

No meu entender há apenas uma semelhança entre o que se passa no Norte de Africa e Médio Oriente (países Árabes) e entre nós: em ambos os casos é urgente "libertarmo-nos" dos libertadores. São história: precisamos de futuro.