20 maio 2014

Mentes armadas e palavras-bala

Já se alonga o tempo no qual as armas voltaram a falar em certos pontos do país, numa reedição - pequena que seja, por agora - da história sangrenta anterior a 1992.
A fala das armas tem causado mortes, feridos e uma angústia imensa. Há, até, aqueles que fazem cálculos dos custos financeiros.
E pelo nosso Moçambique surgem os pedidos urgentes de paz, as manifestações e os cultos religiosos em prol da paz, os textos jornalísticos veementes de paz, os programas televisivos em apoio à paz, as intervenções radiofónicas ecoando a paz.
A cada tiro segue-se um hino à paz. Cada tiro cada paz.
Porém, não raras vezes, são os mais intrépidos campeões do apelo à paz aqueles que, a todo o momento, pelos mais variados motivos, a põem em causa com a sua linguagem armada, com o seu séquito de diatribes e de expressões mutilantes, com as suas críticas-AKM.
Há mentes armadas, para fazer uso de uma expressão do Bispo dos Libombos, Dinis Sengulane, mentes armadas com palavras-bala.
O problema, então, não consiste apenas em desarmar as kalashnikov físicas, mas, também, as kalashnikov simbólicas.
O esforço não é, porém, fácil. Por quê? Porque importa desarmar as condições sociais que, continuamente, armam as mentes. Numa visão bifocal, ver ao perto significa desencadear de imediato todo um conjunto conjuntural de acções profilácticas, sensibilizadoras, destinadas a lidar preventivamente com as mentes armadas; ver ao longe significa saber que acções a médio ou a longo prazo são necessárias para inverter as condições sociais geradoras de violência e de armamento das mentes. De nada servirá mostrar continuadamente em inúmeras instâncias de debate e persuasão que a violência é desnecessária e nociva, se não forem desarmadas as condições sociais que armam as mentes (as margens que comprimem o rio) e que contêm, ainda, o aguilhão de épocas cuja memória permanece, seja porque ainda estão vivos os actores da violência, seja porque a memória passa como passam as tradições orais: de geração em geração, persistentemente.
Então, para recorrer a uma nova imagem do Bispo Sengulane, urge verdadeiramente um "transplante do coração".

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