25 junho 2012

A carne dos outros (4)

Quarto número da série, com tema referido aqui. Segundo ponto do sumário sugerido aqui2.Um documento quinhentista de Francisco Monclaro. Pode-se colocar como hipótese a existência de um estoque popular de aspiração homogeneizante, aspiração ao nivelamento da riqueza e do bem-estar, eventualmente de origem rural. Por exemplo, em documento referente ao século XVI (poderia arrolar muitos outros documentos do mesmo género e de períodos históricos distintos), o padre jesuíta Francisco Monclaro escreveu o seguinte a propósito das comunidades camponesas (muchas) do centro do país, mas, também, do Zimbabwe: "E se acontece que algum deles é mais diligente e granjeador e por isso colhe melhor novidade e cópia de mantimento, logo lhe armam couzas falsas por onde lho tomam e comem, dizendo: porque razão haverá aquele mais milho que outro, não atribuindo isto a maior indústria e deligência, e muitas vezes por esta culpa o matam para lhe comerem tudo (...)"*
(continua)
* Monclaro, Francisco, Relação da Viagem que fizeram os Padres da Companhia de Jesus com Francisco Barreto na conquista do Monomotapa no ano de 1569, in Documenta Índica, vol. VIII, p. 683 e segs.

2 comentários:

Salvador Langa disse...

Afinal a coisa tem barbas.Ademais tem gente aí pensando mesmo em carne.

nachingweya disse...

Parece, afinal, que tudo se resume a uma cultural inveja popular em relação ao bem estar do próximo;Um apego camponês à pobreza. São os caranguejos moçambicanos da lenda que do fundo do balde se ocupam de puxar o que tenta atingir a borda para sair.
Não admira o esforço jesuita na moralização desses selvagens que chegam ao ponto de eliminar aquele que de entre eles se mostra mais diligente.
No entanto continuo a achar que o fenómeno (ou a possibilidade) de utilização de partes do corpo humano para práticas obscurantistas, clama por investigação, deve ser estudada, carece de explicação e merece ser combatida.
Ao ver-nos documentados em relatos e crónicas de viagem como o texto de viagem do padre Francisco Monclavo (Dom Gonçalo da Silveira também produziu muita informação no Reino de Monomotapa) fica evidente um certo défice de trabalhos nossos sobre nós.

PS.: Um Povo nunca enlouquece.