20 julho 2010

Liberdade

Somos o produto de tradições conformadoras que nos habitam sem que, na maior parte das vezes, saibamos da sua existência. A regra que nos atravessa em permanência é esta: obedece. Seus lictores são múltiplos. Desobedecer, ir contra a maré do conformismo, das regras oficiais, aprender a pensar de forma independente, opôr-se aos pasteurizadores do pensamento acomodante, nada disso é fácil, absolutamente nada fácil. O homem nasceu livre, escreveu um dia Jean-Jacques Rousseau. Muito certamente estava e está errado. Nascer é nascer para a sujeição. O homem não nasce livre, mas pode tornar-se livre. A liberdade não é um dado natural, mas social. Ter consciência disso é um primeiro indicador de liberdade e, talvez, a primeira porta aberta da democracia.

9 comentários:

umBhalane disse...

Eu diria mais:

"A liberdade não é um dado natural, mas social.

Ter consciência disso é um primeiro indicador de liberdade..."

Carlos Santana disse...

Embora simpatize com o pensamento de Rousseau a verdade é que não faz muito sentido dizer que o homem em estado selvagem (natural) é bom e é a sociedade que o corrompe. O Homem é por natureza um ser social. O Homem não pode ser desintegrado do contexto social. Sem sociedade não existe ser humano. Já Aristóteles dizia que "O homem que não precisa da sociedade ou é um Deus ou um animal". Marx diz algo semelhante e na continuidade deste raciocínio ao referir que «...é a consciência do homem determinada pelo seu ser social».

Marx vai mais longe ao considerar que o que distingue os homens dos animais é o facto das capacidades e gostos humanos serem um produto social e que o individuo isolado não passa de uma ficção. O indivíduo funciona como uma esponja que absorve, através do processo de socialização, as formas de pensar, sentir e agir que lhe são passadas pelas gerações mais velhas.

O indivíduo não é contudo um ser neutro e contribui através da interacção social para a transformação da sociedade.

Marx vê o indivíduo como um ser social que resulta de todo um passado histórico. Mas não deixa de o encarar, igualmente, como um transformador da realidade social.

Para Marx o Homem é um "produto" da história e não um mero resultado do contexto social presente. O que somos hoje resulta do que formos ontem. Este carácter de homo historicus que Marx atribui aos indivíduos é uma referência importante no seu método de análise da evolução social e de explicação das razões que lhe estão inerentes.

Marx utiliza o materialismo histórico para explicar a evolução social. Marx considera que a sociedade é «Um produto histórico, o resultado de uma sucessão de gerações, cada uma das quais como que subindo para os ombros da que a precedeu…»

Ao pensamento de Rousseau poderíamos opor igualmente o de John Locke ou de Thomas Hobbes quando estes defendem que o Homem é mau por natureza e são as regras sociais que o “domesticam”.

Poderia igualmente recorrer-se ao pensamento de Norbert Elias. Elias refere que de facto individuo e sociedade não é exactamente a mesma coisa. Não se pode dizer simplesmente que uma sociedade é um conjunto de indivíduos. Tal como não se pode dizer que uma casa é um conjunto de pedras ou uma floresta é um conjunto de árvores. A sociedade, utilizando uma linguagem sistémica, é qualitativamente superior ao somatório da acção social de cada indivíduo, contudo, não se pode dizer que seja algo exterior aos indivíduos. É antes algo que é construído, como diz Elias, muitas vezes de forma não intencional e sem que os indivíduos estejam em condições de predizer as consequências futuras da sua acção.

Norbert Elias reforça a ideia de que não faz sentido referir que as estruturas ou os sistemas coagem o indivíduo. Isto porque os sistemas e as estruturas são corporizados por indivíduos e não existem por si só. Quando muito pode dizer-se que indivíduos coagem outros indivíduos.Esta questão remete para o que Elias considera poder. Para ele o poder desenvolve-se, tal como as classes sociais, do inter-relacionamento que se estabelece entre os indivíduos e das relações de dependência que dai derivam. Ou seja, somos mais ou menos poderosos consoante os indivíduos dependem mais ou menos de nós.

É igualmente interessante analisar o comportamento do Homem à luz do conceito de Homo Demens que Morin apresenta na sua obra o paradigma Perdido e a Natureza Humana.De facto, o Homem apresenta características completamente distintas, por um lado é capaz dos actos da mais profunda entrega ao próximo e por outro é capaz das maiores barbaridades. O Homo Demens (demente) é uma espécie de alter ego do Homo Sapiens.

O Homem padece de uma espécie de esquizofrenia genética que é passada intergeracionalmente.

V. Dias disse...

O Santana escreveu muito, e muito bem. Pena que se cingiu em citações e não deu a sua própria opinião.

Eu não tenho. Não porque concordo plenamennte com estas frase: "O homem não nasce livre, mas pode tornar-se livre. A liberdade não é um dado natural, mas social. Ter consciência disso é um primeiro indicador de liberdade e, talvez, a primeira porta aberta da democracia."

Zicomo

Anónimo disse...

Theodor W. Adorno, em Educação e Emancipação, reforça o que se diz acima, quando menciona a educação (não necessariamente a formal) como vetor de autonomia (liberdade). Autonomia e liberdade seriam a mesma coisa? (Marilena Chauí diz que há liberdade onde há escolha.) Há interesse em se estimular a autonomia ou as relações de domínio se estabelecem de qualquer forma?

Paulo; Brasil

Foquiço disse...

Conforme os teóricos do realismo político escreveram: o homem, no seu estado natural, é mau, é o maior inimigo de "si mesmo". Porém, mesmo no Estado civil, onde as regras sociais tornam o homem menos mau, domesticável, não se nasce livre, cada homem é presa do outro (lobo), sendo que o grau de sujeição depende da posição social a que cada um ocupa na estrutura... os detentores do poder efectivo estão menos sujeitos ao outro do que sobre que se detém o poder... razão por que Michels, R. (1966) debruça-se sobre "a lei de ferro das oligarquias" (acho eu que, em parte, ele transparece a ideia de que a liberdade é limitada pela simples vontade e não, necessariamente, pelo direito do outro").

Carlos Santana disse...

De facto é verdade que utilizei muitas citações no meu comentário. A utilização de autores, como suportes epistemológicos, são uma regra da sociologia. Na prática não somos nós que falamos, mas sim os autores que falam por nós.

O nosso pensamento só pode alcançar algum reconhecimento se suportado no pensamento de outros. É assim que se faz a ciência social e não a filosofia social.

V. Dias disse...

Fazendo o copy paste?

Sem no entanto o Santana dar "uma sopinha" pessoal sobre o tema?

Se assim fosse, penso que, qualquer um, sem o mínimo de instrução, faria este exercício.

Mas não é bem assim, citações servem para suportar uma ideia, uma tese, o que não é o caso. O Santana limitou-se a seguir as pegadas dos autores, como se o conhecimento fosse uma missa.

É preciso pegar nessas citações e encontrar caminhos possíveis de soluções e não um simples desfile dessas ideias.

Como lhe disse, gostei das citações, mas esperava ver mais ideias suas, afinal o Santana é um dos seres pensantes e não um mero consumidor.

Zicomo

Carlos Santana disse...

Concordo em parte com o que diz. Contudo, volto a frisar que temos que diferenciar o que é filosofia social ou opinião pessoal daquilo que é ciência sociológica. A ciência sociológica faz-se, como toda a ciência, da confrontação dos conceitos (da teoria) com a empiria e com o que nos diz a realidade sociológica.
Posso contudo, apesar de perder algum rigor metodológico, dar a minha opinião sobre temas que surgem neste blogue que apenas hoje tive o prazer de descobrir.

V. Dias disse...

Obrigado e seja bem-vindo.

Zicomo