Temos assim um Sarkozy contra uma França preguiçosa, contra o assistencialismo, tal como temos um Guebuza contra o Moçambique preguiçoso à espera do Estado paternal. À busca da França sarkozyana gloriosa, antecipou-se Guebuza com a pátria amada e com a pérola do Índico. À família francesa unida de Sarkozy, pré-anunciou Guebuza a honesta família moçambicana.
E em múltiplos outros campos é possível encontrar identidades entre os dois presidentes.
Por exemplo, no campo das alianças e da cooptação política.
Se Sarkozy incluiu no seu governo ministros socialistas, Guebuza visitou o presidente do maior partido da oposição quando este foi hospitalizado na sequência de um acidente de viação e acaba de receber generais da Renamo descontentes com a sua situação profissional.
Entretanto - e este é um ponto capital -, ambos os presidentes evacuaram e evacuam do seu discurso qualquer referência séria e sistemática à divisão e às assimetrias sociais. Se à divisão se referiram e se referem, situaram-na e situam-na em campos inócuos (divergências de visão, perspectiva psicológica, globalização, etc.). Não surpreende, assim, que a preguiça seja por ambos encarada como algo exterior a um sistema social determinado e surja como algo que tem inexoravelmente a ver com as pessoas em si. No caso de Sarkozy a defesa do inatismo (homossexualidade, por exemplo) foi constante.
Ambos são dois bons líderes populistas no sentido do sincretismo político, da indeterminação e do minimalismo das orientações programáticas. Ambos oscilam entre uma orientação autoritária e uma deriva hiperdemocrática*.
E assim termino estas breves notas, às quais dei o selo do imediato e das quais aboli deliberadamente a análise em profundidade.
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Leia Taguieff, Pierre-André, L´Illusion populiste, Essais sur les démagogues de l´âge démocratique. Paris. Champs/Flammarion, 2007.
2 comentários:
Gostei prof,gostei mesmo, do penúltimo paragrafo sobre a coincidência "populista" das duas figuras.E o "minimalismo" sem referência aos reais factores de coesão ou de fractura social, remete-nos à (in)capacidade de construção/reconstrução do discurso politico actual de todos os lideres politicos actuais - mesmo Chavez, Morales,ou Lula.Provávelmente porque pela primeira vez na história das sociedades o Poder de Estado e a Governação não tem senão uma capacidade residual de operar mudanças efectivas.A esfera do “social” já não lhes pertence ou pelo menos já não têm o monopólio dela.Há outros centros de poder que rivalizam e até mesmo superam os Estadosaos. Um antigo Ministro françês afirmou que para ele “a experiência mais forte que teve quando chegou ao poder,foi de compreender que não tinha poder”. E isso pode talvez explicar a tentação autoritária.Creio que a emergência do movimento cívico mundial em torno de vários direitos,valores,identidades (revalizando também com os Estados,reívindicando espaços mundiais) não passará “ímpune” pela História.A luta será dura!
Obrigado pelo comentário e pela ampliação de visão que deu. Entretanto, acrescentei há momentos algo sobre a preguiça, coisa de que me esquecera.
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